sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Matéria escura pode ter nascido antes da matéria comum

É um dos maiores mistérios do Universo. Até onde sabemos, 85% do Cosmos é feito de matéria escura. Paradoxalmente, ninguém faz a menor ideia do que ela seja. Só sabemos que ela existe porque sua gravidade faz as estrelas das bordas das galáxias se moverem mais rápido que deveriam, e porque ela funciona como uma cola que mantém os aglomerados galácticos grudados.

Mas não dá para observar a matéria escura, pois ela não interage com a luz, nem com nada. Se você fosse fosse feito de matéria escura, seria invisível, e conseguiria atravessar paredes. A seu corpo produziria apenas gravidade – pouca, claro, já que corpos têm pouca massa. Já uma estrela feita de matéria escura teria tanta gravidade quanto o nosso amigo Sol – e continuaria sendo algo invisível, fantasmagórico. 

A essência elusiva da matéria escura talvez tenha algo a dizer sobre sua origem. É o que imagina Tommi Tenkanen, um pesquisador finlandês que está fazendo pós-doutorado na Universidade Johns Hopkins, nos EUA. Ele formulou uma teoria exótica para explicar o surgimento da substância igualmente estranha.

Seu estudo demonstra matematicamente que a matéria escura pode ter surgido em um instante da história do Universo conhecido como inflação cósmica. Na cosmologia clássica, esse momento é descrito como um período de crescimento exponencial em que Universo inflou depressa como um balão soprado com toda a força do mundo. Isso teria acontecido entre 10⁻³⁶ e 10⁻³² segundo após o Big Bang — o pontinho que deu origem a tudo.

Pode parecer estranho, mas o artigo trabalha com a noção de que a inflação cósmica teria acontecido antes do próprio Big Bang. É que uma vertente de cientistas considera que o Big Bang seja o nome dado às condições do Universo logo após a inflação. Ao longo dela, tudo era extremamente exótico e diferente do que vemos hoje. Quem ditava as regras do jogo eram forças quânticas inconcebíveis para nós.

Então eles chamam de Big Bang o momento que marca o nascimento do Universo como o conhecemos: sempre em expansão, com matéria que resfriou e coagulou em galáxias. Mas não é o ponto de vista da maioria da comunidade da cosmologia teórica – o mais usual é entender o Big Bang como a origem do tempo e do espaço. O momento em que o nada se tornou “alguma coisa”. E que a inflação é o instante em que que esse “alguma coisa” deixou de ser uma entidade microscópica e se tornou algo gigantesco – provavelmente infinito.

O fato é que, no tempo primitivo e inescrutável do início da inflação cósmica, a  inflação desenfreada fez algumas partículas serem produzidas em abundância — são chamadas de escalares. O único exemplo que se conhece dessa classe de partículas é o famoso Bóson de Higgs. Ele é o agente criador do um pouco menos famoso campo de Higgs, uma espécie de campo eletromagnético, só que feito de outra “coisa”. O campo de Higgs é a entidade que confere massa a partículas que, antes da existência do campo, eram feitas de energia pura. Ou seja: só existem átomos, estrelas, o seu corpo, por causa dela.

De acordo com Tenkanen, a matéria escura seria outra classe de partículas escalares. Uma espécie de gêmea bivitelina do bóson de Higgs. Se for isso mesmo, a matéria escura surgiu um pouco antes da matéria comum – já que esta precisa do Higgs para existir. 

O artigo, publicado nesta quarta (7) no Physical Review Letters, sugere ainda um jeito de testar essa suposta origem da matéria escura observando certas marcas que ela deixa na forma como a matéria normal está distribuída pelo Cosmos. Tenkanen espera que um satélite da ESA chamado Euclid, com lançamento previsto para 2022, consiga obter pistas. Se der certo, vamos entender melhor a matéria escura e, de quebra, a origem do Universo.


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