quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

O retorno das vacinas monovalentes contra a Covid-19

Ao longo da pandemia de Covid-19, a constante evolução do coronavírus impôs desafios no desenvolvimento de vacinas que permanecessem eficazes. Ainda em 2020, os primeiros imunizantes criados para prevenir complicações e morte pela doença utilizavam como base a cepa original do vírus, identificada em Wuhan, na China.

Diante de novas variantes, farmacêuticas formularam vacinas atualizadas, que protegiam justamente contra a linhagem de maior circulação pelo mundo. Eis que, com novas versões virais ganhando espaço, surgiram também as vacinas bivalentes, que continham duas cepas diferentes: a original e subvariantes da Ômicron.

As doses da vacina da Pfizer, por exemplo, contam com duas fórmulas que seguem essa regra. No Brasil, elas foram aprovadas como doses de reforço para a população acima de 18 anos.

No entanto, as mais recentes aprovações de vacinas e recomendações de instituições de peso apontam para um rumo diferente: o retorno das monovalentes – desta vez, atualizadas.

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Caminho inverso?

A tendência de priorização de vacinas monovalentes teve início ainda em 2023. Em junho, o Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC, em inglês) e a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) publicaram uma declaração conjunta recomendando a atualização das doses para versões monovalentes que contemplassem apenas a variante XBB, derivada da Ômicron.

Três meses depois, os Estados Unidos seguiram trajeto semelhante, quando a Food and Drug Administration, agência regulatória do país, liberou o mesmo tipo de imunizante por lá.

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Em dezembro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou uma atualização de vacina monovalente da Pfizer com a variante XBB 1.5 aqui no Brasil. Com a autorização, ela pode ser incorporada ao Programa Nacional de Imunizações (PNI), a critério do Ministério da Saúde. Consultamos a pasta sobre a previsão de entrada desse imunizante no setor público e aguardamos retorno.

Pesquisadores avaliam que o Brasil deve caminhar de acordo com a tendência global na adesão de vacinas monovalentes. “Há uma recomendação da Câmara Técnica de que o PNI, embora tenha doses bivalentes para completar o esquema, faça as próximas aquisições de vacinas monovalentes”, afirma Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

No final de 2023, a Organização Mundial da Saúde (OMS) entrou na discussão e divulgou um documento sobre a composição das doses, reforçando que vacinas contendo apenas a variante XBB.1.5 do coronavírus provocam respostas de anticorpos neutralizantes amplamente reativas contra os vírus em circulação.

Por isso, um orgão consultivo da instituição recomendou que os países mantenham somente essa variante como base para os imunizantes. A equipe se reúne semestralmente para emitir o parecer sobre a “receita” das doses contra a Covid-19.

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Vacina bivalente da Pfizer contra a Covid-19Foto: Pfizer/Divulgação

Por que apostar nas vacinas monovalentes contra a Covid-19

É fundamental destacar que tanto as doses monovalentes como as bivalentes são benéficas. Elas estimulam sistema imunológico a produzir anticorpos protetores e células de defesa contra o coronavírus, e comprovadamente salvaram milhares de vidas.

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Em outras palavras, independentemente de se concentrarem em uma ou duas cepas, é importante tomar a vacina ou dose de reforço que estiver disponível para a sua faixa de idade ou condição de saúde.

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Mas, para entender essa tendência de agora investir nas monovalentes, é importante dar um passo atrás.

O objetivo do reforço com a vacina bivalente no passado foi o de expandir a resposta imune à variante Ômicron sem abrir mão da cepa original, que ainda circulava (ou possuía “primas próximas” na ativa).

“Quando decidimos pelas bivalentes, os estudos mostravam que, para a situação daquele momento, fazer uma vacina que combinava o vírus original com a Ômicron traria um resultado um pouco melhor do que simplesmente a vacina Ômicron monovalente”, afirma Kfouri. “Por isso, o mundo optou por utilizá-las em substituição às vacinas da cepa ancestral monovalente, mantendo-a na sua formulação”, acrescenta.

Só que o cenário mudou, assim como o acúmulo de evidências científicas. Um estudo publicado no periódico The New England Journal of Medicine, por exemplo, avaliou pessoas que receberam três doses de vacinas monovalentes com a cepa original de Wuhan, seguidas de uma dose de reforço de uma versão bivalente com variantes da Ômicron.

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Esse grupo foi comparado a indivíduos que receberam três ou quatro doses de vacinas monovalentes originais. Resultado: não houve uma resposta de anticorpos neutralizantes significativamente superior da primeira turma, que recebeu a bivalente.

“Na prática, os dados de efetividade, de mundo real, mostraram que as aplicações de imunizantes bivalentes não se traduziram em uma proteção superior com relação à monovalente”, afirma Kfouri.

Mas reforçamos: as novas monovalentes contra a Covid-19 que estão chegando são produzidas com as cepas atuais do Sars-CoV-2, que estão em maior circulação no momento.

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“Pecado antigênico original”

Outra explicação para a preferência por vacinas monovalentes tem como base estudos em imunologia.

A pesquisadora Cristina Bonorino, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), explica como funciona um fenômeno chamado “pecado antigênico original” associado à resposta imune do organismo à vacinação.

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“Não é um pecado nenhum na verdade. Mas, quando a vacina oferece a cepa original e a variante nova ao mesmo tempo, e se o organismo da pessoa já tem uma memória imunológica para a original [seja por infecção ou vacinação prévia], o seu corpo tende a gerar uma proteção maior para a original, em comparação com a nova”, explica Cristina.

Em resumo, ao receber uma dose de reforço bivalente, o organismo pode priorizar a indução de uma resposta imunológica mais robusta contra a cepa original, com a qual a população foi previamente imunizada.

“Então, se o objetivo fosse criar uma resposta para a nova variante, a vacina deveria ser monovalente desde o início ou bivalente no sentido de ter duas outras variantes que não a original”, pontua Cristina.

A imunologista, que atua como consultora da Anvisa, pondera que a imunização bivalente foi muito relevante. No entanto, como perspectivas de incorporação de novas doses no PNI, ela recomenda a priorização de monovalentes atualizadas.

“A vacina bivalente com a cepa original não faz mal nenhum. Pelo contrário, é muito boa”, reforça a imunologista. É que, especialmente com as vacina de RNA mensageiro, dá para fazer atualizações das cepas com relativa facilidade e velocidade. Então vale a pena atualizar as doses com as novas cepas.

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Teoricamente, se surgir um cenário em que duas cepas significativamente diferentes circulem em paralelo, é possível inclusive retomar a tendência das bivalentes.

Até o momento, mais de 32 milhões doses bivalentes foram aplicadas no Brasil. O dado representa uma cobertura vacinal de 16,1%, de acordo com o Ministério da Saúde.

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