conomista indiano, professor da Universidade Harvard, Amartya Sen chega aos 85 anos após construir uma carreira de estudos econômicos dirigidos ao bem-estar social. É a principal voz da proposta humanista para que toda política financeira e fiscal deva ser instrumento do Estado para reduzir a desigualdade humana.
Primeiro indiano a receber o Nobel de Economia, em 1998, Sen ganhou notoriedade por seus trabalhos sobre as causas e efeitos da fome.
Nascido em Santiniketan, ele tinha 10 anos quando a Índia alcançou o alarmante número de mais de 3 milhões de pessoas mortas pela fome, entre 1943 e 1944. Essa bagagem intelectual e emocional foi determinante para sua trajetória de vida. Seus estudos buscam soluções práticas para combater os efeitos da fome.
Uma de suas frases recorrentes em palestras: “A fome é a característica de algumas pessoas que não têm alimento suficiente para comer. Não é a característica de não haver comida suficiente para que todos possam comer”.
Em alguns livros, como Pobreza e Fomes, de 1981, ele defende que a fome para massas populacionais na África e na Ásia não foi causada por falta de alimentos, mas sim pela perda de rendimentos de setores da população que não tinham mais como pagar por comida. O acesso a alimentos diminuiu com a falta de representação política que ajudasse esses segmentos a manter poder aquisitivo.
Esse pensamento, que abrange análises sociológicas, filosóficas, políticas e econômicas, leva Sen a desenvolver a tese em que afirma não ter existido fome coletiva em sociedades plenamente democráticas no século 20.
Nas áreas atingidas pelo flagelo, a ausência de opositores políticos e de uma imprensa livre teria contribuído decisivamente para a ausência de uma reação coordenada pelo governo para o combate à falta de acesso aos alimentos.
“É fácil prevenir a fome se houver um esforço sério para fazê-lo, e um governo democrático, enfrentando eleições e críticas de partidos da oposição e jornais independentes, não pode deixar de fazer esse esforço. Não é de surpreender que, enquanto a Índia continuou a ter fome sob o domínio britânico até a independência, em 1947, o flagelo desapareceu com o estabelecimento de uma democracia multipartidária e uma imprensa livre. Apresentar uma imprensa livre e oposição política ativa constituem o melhor sistema de alerta precoce que um país ameaçado pela fome pode ter.”
Na década de 1990, Sen criou com o paquistanês Mahbub ul Haq o Índice do Desenvolvimento Humano, utilizado no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. O IDH estabeleceu uma nova maneira para medir o desenvolvimento de cada país, levando em consideração, além dos índices econômicos, também alguns fatores sociais.
“O desenvolvimento humano, como abordagem, preocupa-se com o que considero a ideia básica de desenvolvimento: a saber, promover a riqueza da vida humana, e não a riqueza da economia em que os seres humanos vivem, que é apenas uma parte dela”, diz o filósofo.
Os trabalhos de Sen podem ser considerados fora da curva em relação aos temas de estudo mais abundantes na economia. Ele se dedica a discutir discriminação, ética, saúde pública e questões de justiça.
Sen coloca o Estado num papel-chave para combater as desigualdades sociais. Ele não enxerga a possibilidade de desenvolvimento com prosperidade econômica sem bem-estar social. E destaca o papel da educacão: “Devemos continuar lutando pela educação básica para todos, mas também enfatizar a importância do conteúdo da educação. Temos que garantir que a educação sectária não converta a educação em uma prisão, em vez de ser um passaporte para o mundo inteiro”.
Ele não acredita que a pobreza seja um obstáculo à educação. “Creio que o maior obstáculo à educação é o fato de ser algo muito difícil de ser feito para um aluno que pertence à primeira geração da família que irá à escola. Porque não ter pais em casa que possam ajudá-lo, motivá-lo, é um problema, mesmo quando os pais estão muito interessados em que as crianças sejam educadas. Isso pode não bastar.”
Na obra do autor, a economia se relaciona com a filosofia. Em A Ideia de Justiça, publicado em 2009, ele faz uma referência carinhosa a esse envolvimento: “A economia é supostamente minha profissão, não importando o que eu faça do meu caso de amor com a filosofia”.
Nascido em família abastada e de grande relevância social, Sen formou-se em economia na Presidency College, em Bengala. Ele passou a viver na Inglaterra, onde obteve seu doutorado em economia na Universidade de Cambridge, em 1959.
Sua carreira como professor o levou aos Estados Unidos, tendo passado por alguns dos mais prestigiosos centros de ensino do país, como Berkeley, Stanford, MIT e Cornell. Em 1996, ele foi escolhido o primeiro presidente da Associação Econômica Americana não nascido nos Estados Unidos.
Há pelo menos dois nomes fundamentais para compreender a orientação dos estudos de Sen: o britânico Adam Smith (1723-1790), pai da economia moderna, que inspirou o indiano na área da teoria da escolha social (sobre como preferências pessoais podem moldar uma preferência coletiva), e John Rawls (1921-2002), professor de filosofia política em Harvard, que vislumbrou um ideal de justiça que pudesse neutralizar as circunstâncias e contingências sociais que diferem as pessoas.
“A melhor esperança para a paz no mundo reside no reconhecimento simples, mas abrangente, de que todos temos muitas associações e afiliações diferentes, e não precisamos nos ver divididos rigidamente por uma única categorização de grupos endurecidos, que se confrontam.”
Amartya Sen rompeu com a “economia do desenvolvimento” surgida nos anos 1950, pela qual se acreditava na relação diretamente proporcional entre renda per capita, consumo coletivo e satisfação pessoal. Ou seja, que quanto mais rica, mais feliz seria uma sociedade. Sua obra investe contra a linearidade desse pensamento, elencando problemas que podem afetar as pessoas além da pobreza extrema, da fome coletiva e da subnutrição. Seu objeto está nas privações de direitos básicos, na marginalização e na insegurança, tanto moral, econômica e política, e na ausência de oportunidades dentro do tecido social.
Humanista, Sen recorre em palestras e aulas ao que ele qualifica como “perguntas morais”: “Eu tenho o direito de ser rico? Eu tenho o direito de me contentar vivendo em um mundo com tanta pobreza e desigualdade? Essas perguntas nos motivam a ver a questão da desigualdade como central para a vida humana”.
Ele defende que a maneira mais plausível de julgar o progresso humano é pela redução da privação imposta a algumas pessoas, e não ao enriquecimento de outras.
“Eu acho que o desemprego é realmente terrível em todos os aspectos. Além disso, o desemprego juvenil também deixa o homem menos apto, menos qualificado, para fazer qualquer coisa mais tarde. Muitas vezes, é muito difícil voltar a um bom trabalho. A propósito, o mesmo acontece com a prisão, e uma proporção substancial da população americana está na prisão. Isso é a destruição de habilidades. A Europa possui um sistema de seguridade social muito melhor do que a América, incluindo os serviços nacionais de saúde. O desemprego é menos desastroso para as pessoas na Europa do que na América.
E esse é o argumento que os europeus tendem a dar por serem insensíveis quanto à necessidade de emprego pleno. A destruição do respeito próprio e do respeito dos outros ainda se aplica.”
Amartya Sen – A fome de mudanças premiada com o Nobel Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
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