sexta-feira, 15 de novembro de 2019

O que você precisa saber sobre reprodução assistida

Nem sempre a natureza facilita a vida de quem quer ter um bebê. Alguns casais, mesmo tempos depois de deixarem de lado os anticoncepcionais e empreenderem infindáveis tentativas, se frustram com a gestação que não vem. “Quando não se consegue engravidar após um ano mantendo relações sem contraceptivos, temos a chamada infertilidade conjugal”, explica o médico Marcelo Vieira, coordenador da área de reprodução da Sociedade Brasileira de Urologia. Calcula-se que até 15% da população passe por isso em idade fértil ­­— e a dificuldade aumenta com o envelhecimento de ambas as partes. Nessas horas, convém pedir uma mão à reprodução assistida, um ramo da medicina que só cresce.

No Brasil, o número de pessoas que recorrem a um especialista em reprodução humana só cresce. Segundo levantamento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), as clínicas de reprodução assistida por aqui realizaram 43 098 ciclos de fertilização in vitro ao longo de 2018, um aumento de 18,7% em relação ao ano anterior e mais que o dobro do total de 21 074 ciclos registrados apenas seis anos antes, em 2012.

A procura também é elevada entre aqueles que não querem um bebê logo mas buscam preservar a fertilidade para o futuro: havia 88 776 embriões congelados em 2018, 13,5% a mais que no ano anterior, de acordo com o relatório do Sistema Nacional de Produção de Embriões. Mais da metade deles está em São Paulo, Minas Gerais e Paraná, os líderes no ranking.

Se por um lado esses métodos têm se tornado mais acessíveis, tanto no preço quanto na oferta de clínicas, por outro a ciência conhece melhor as limitações naturais à reprodução. “A mulher tem uma faixa de fertilidade muito alta antes dos 30 anos, e vai perdendo isso gradativamente até a menopausa, quando esgota sua capacidade fértil”, esclarece Vieira.

Mas nem o homem está imune: embora siga produzindo espermatozoides a vida toda, a eficiência deles diminui. “Já temos evidências de que o tempo para conseguir engravidar com homens acima de 45 anos é até cinco vezes maior”, revela o urologista.

O dilema da idade é, de fato, peça importante nessa história. Nas últimas duas décadas, a gravidez após os 35 anos subiu 65% no Brasil. “O aumento da procura por tratamento contra a infertilidade tem muito a ver com as pessoas deixarem para ter filhos mais tarde, passando da idade ideal para conceber”, ressalta Vieira.

Com esse cenário em mente, mapeamos, a seguir, as principais dúvidas e respostas sobre reprodução assistida.

Quando é necessário partir para a reprodução assistida?

A orientação é sondar essa possibilidade se o casal tem mais de 30 anos e não consegue engravidar depois de um ano de tentativas. “Grande parte das recomendações de fertilização assistida ocorre quando não podemos esperar tanto tempo para que o casal engravide”, observa o médico expert em reprodução Edson Borges, do Fertility Medical Group, em São Paulo.

A partir dos 35 anos, a fertilidade feminina tende a diminuir, enquanto a propensão a uma gravidez de risco aumenta, assim como a probabilidade da concepção de crianças com síndromes genéticas.

Borges explica que, após uma boa avaliação clínica e alguns exames, se deve partir para a reprodução assistida se o número de espermatozoides do homem está nulo ou muito baixo ou quando, nas mulheres, há problemas persistentes na ovulação ou trompas obstruídas, por exemplo.

Quais exames comprovam a dificuldade de engravidar?

Quando o médico suspeita da infertilidade conjugal ou a constata, costuma solicitar certas avaliações. Como as causas da dificuldade podem estar tanto no homem como na mulher, ou nos dois ao mesmo tempo, ambos devem passar pelos testes.

“Para começar, verificamos se existe alguma infecção sexualmente transmissível e fazemos a dosagem de hormônios no homem e na mulher”, relata Borges. “Nas mulheres, checamos a ovulação, o útero e as trompas. Para os homens, pedimos um espermograma e verificamos a função sexual, já que há casais que ‘namoram pouco’”, completa.

A depender dos resultados, antes mesmo de indicar uma inseminação ou fertilização, o especialista pode recomendar medidas prévias como uso de medicamentos e suplementos e mudanças no estilo de vida.

O fator emocional pode atrapalhar as coisas mesmo?

Embora por si só não represente uma causa de infertilidade, o estresse pode, sim, complicar os planos. “Ele eleva os níveis de cortisol, hormônio que pode afetar a fisiologia reprodutiva em ambos os sexos”, diz a biomédica Juliana Trevisan, da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre.

Sem contar que condições como ansiedade e depressão podem afetar a libido e o prazer a dois. Ainda assim, outros fatores parecem pesar mais que o psicológico nesse contexto. Falamos aqui de consumo excessivo de álcool, tabagismo, exposição a radiação, uso de alguns medicamentos… Mesmo a presença de agrotóxicos e hormônios em nossa dieta bagunçaria as coisas.

“Existe um número considerável de estudos mostrando que esses elementos podem contribuir tanto para a infertilidade masculina quanto para a feminina”, afirma Juliana.

Há tratamentos menos invasivos, que podem ser utilizados antes?

Nem todo mundo precisa sair apelando para as técnicas de fertilização ou inseminação logo de cara. Nos casos de menor complexidade, o profissional pode prescrever suplementos, vitaminas ou medicações que dão uma força às células reprodutivas. Ou mesmo orientar o chamado coito programado, direcionado ao período de maior fertilidade da mulher.

“O assunto ainda não foi completamente elucidado, mas existem indícios de que o uso de antioxidantes aumente as chances de uma gestação natural”, aponta a professora Juliana.

Ainda assim, não há um remédio ou uma vitamina que, sozinhos, resolvam a parada. “Usamos antioxidantes para melhorar a função dos gametas, mas também porque essa é uma medida de cuidado geral com a saúde”, argumenta Borges. Fazer exercícios e equilibrar o cardápio também entram nesse pacote.

O que é a fertilização in vitro?

Entre dez e 12 dias após a administração dos hormônios, é feita a coleta dos gametas masculino e feminino. Os espermatozoides são testados e o material passa para a fase de fecundação, quando há duas técnicas possíveis: na tradicional, eles são colocados sobre um óvulo; na outra, são inseridos diretamente dentro do óvulo.

Depois de três a cinco dias, o embrião formado com a união das células é transferido ao útero por um cateter e, dez dias depois, já é possível saber se tudo deu certo.

Como funciona a inseminação artificial?

O processo se inicia com o uso de hormônios e o acompanhamento do tamanho dos folículos ovarianos. Próximo ao dia da ovulação da mulher, o esperma do homem é coletado e passa por testes que avaliam a qualidade e a mobilidade das células.

Quando a mulher estiver ovulando, o sêmen é inserido no colo do útero por meio de uma pequena sonda via canal vaginal e, após dez a 15 dias, faz-se o teste para descobrir se a fecundação foi bem-sucedida.

Qual a diferença entre elas?

A principal diferença é o local em que ocorre a fecundação. Na inseminação artificial, ela acontece dentro do corpo da mulher, enquanto o processo in vitro se dá em laboratório.

Ambas começam de forma similar: com a ingestão de hormônios que favorecem o amadurecimento dos óvulos e, no caso do homem, com a coleta do sêmen, por meio da masturbação ou da punção testicular.

Mas o número de óvulos necessários varia: na inseminação, três são suficientes. “No método in vitro, quanto mais estiverem maduros, melhor”, explica a médica Hitomi Nakagawa, presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida. A média costuma ser entre 15 e 20.

A ovulação também muda dependendo do processo: na inseminação, ocorre naturalmente; na fertilização, os óvulos são retirados do ovário.

Qual a taxa de sucesso dessas técnicas?

O êxito varia de acordo com a idade, o motivo que levou o casal a recorrer à reprodução assistida e a quantidade de óvulos disponíveis. “Por inserir o embrião diretamente no útero, a fertilização in vitro tem o dobro de chances de sucesso em relação à inseminação”, explica a ginecologista Silvana Chedid, de São Paulo.

Para mulheres com até 30 anos, as taxas positivas de fertilização ficam entre 50 e 70%, e as de inseminação artificial entre 20 e 35%. Só que não tem jeito: os números vão diminuindo com o envelhecimento.

É importante ter em vista, porém, que cada método é recomendado para responder a um grau diferente de dificuldade para engravidar, e os índices de sucesso não devem ser equiparados um ao outro. “É como comparar se um trator anda melhor que uma lancha. Depende de como se usa cada um”, resume Vieira.

Quanto custam os métodos de reprodução assistida?

Há muitas variáveis envolvidas no cálculo do investimento: a quantidade de hormônio prescrita, o número de óvulos utilizados, a opção por congelá-los para uso posterior e até mesmo os honorários cobrados por cada médico ou clínica.

Como os tratamentos são extremamente individualizados, os valores também são influenciados pela idade dos pais, pelo nível de dificuldade de obter uma fecundação bem-sucedida e pela saúde de quem gestará o bebê. “Há mulheres que gastam 500 reais com medicações ao dia, outras que desembolsam mais de mil”, estima Hitomi.

Em média, os custos básicos da inseminação artificial oscilam de 3 mil a 5 mil reais, mas, caso seja necessário recrutar um banco de sêmen, esse valor pode até dobrar. Já para a fertilização in vitro, mais complexa, a média de preço fica entre 15 mil e 20 mil reais.

Além de casais que querem engravidar logo, quem tira proveito dessas técnicas?

Métodos como o congelamento de óvulos ou sêmen podem entrar em cena nos casos em que o casal não pode ou não quer ter filhos no momento mas pretende realizar esse sonho num futuro sem correr o risco de a idade atrapalhar os planos. Pessoas que vão se tratar de um câncer, por exemplo, também costumam fazer isso antes de passar por quimio ou radioterapia, que podem afetar a fertilidade.

Casais LGBT são outro público com interesse na reprodução assistida, que lhes permite ter filhos biológicos — com sêmen de doador, no caso das mulheres, ou óvulo de doadora e útero de substituição, no caso dos homens.

Além da gravidez, cientistas britânicos descobriram recentemente que a técnica de congelar óvulos e reintroduzi-los no corpo anos mais tarde poderia ser utilizada para postergar a menopausa. É esperar pra ver.

Na fertilização in vitro, como é feita a seleção dos embriões que serão implantados?

Depois do quinto dia de incubação, os embriões passam por uma avaliação morfológica, que analisa suas chances de progredir e se desenvolver depois no útero materno. A lei brasileira proíbe selecionar o sexo ou traços específicos, mas alguns pontos são exceções.

“Se existe uma síndrome ou doença hereditária sabida, pode ser feita uma biópsia e descartar os embriões que tenham condições graves”, conta a ginecologista Isabela Fuhrmeister, da clínica Generar, em Porto Alegre.

Os futuros pais podem ter acesso a dados gerais dos doadores, como tipo sanguíneo, estatura, tom de pele ou cor do cabelo, mas não a demais detalhes. “Em bancos europeus ou americanos, você pode ver fotos dos doadores e até as notas que eles tiraram na escola”, comenta Isabela. No Brasil, o máximo que se revela é a profissão da pessoa.

O que acontece com os embriões que não são usados?

Se forem saudáveis, podem ser congelados indefinidamente para uso futuro da pessoa ou do casal. No momento da criopreservação — o nome técnico do congelamento —, os indivíduos devem dizer, por escrito, qual será o destino dos embriões excedentes, inclusive em caso de divórcio, doenças graves ou morte do casal.

Caso haja convicção de que não serão utilizados futuramente, uma das opções é doá-los de forma anônima. De acordo com as diretrizes do Conselho Federal de Medicina, os embriões podem ser descartados após três anos guardados ou direcionados para pesquisas de células-tronco, conforme prevê também a Lei de Biossegurança.

Antes desse período, a legislação proíbe destruir embriões. Todos os possíveis procedimentos após o terceiro ano, no entanto, só são feitos com o consentimento dos doadores, devidamente registrado em cartório.

Dá pra fazer o congelamento de óvulos, esperma ou embrião só para usar no futuro?

Sim. Todos podem ser congelados, e não há limite de anos para que eles fiquem na geladeira, embora sua eficácia tenda a diminuir gradativamente com o tempo. “De todos, o melhor tecido para ser congelado é o embrião”, aponta Vieira.

Outra questão importante a levar em consideração é a idade que se tem quando se opta por conservar um gameta: depois de congelados, os óvulos de uma mulher que decidiu guardá-los aos 30 anos provavelmente vão apresentar resultados muito melhores do que os de outra que decidiu recorrer ao congelamento aos 38.

Embora nos homens a redução da fertilidade seja menos drástica, a mesma regra se aplica aos espermatozoides. Por isso, o ideal seria fazer a criopreservação mais cedo, o que garantiria material reprodutivo de melhor qualidade.

Depois que o processo deu certo, muda algo na gravidez?

É praticamente tudo igual. De acordo com Isabela, os métodos de reprodução assistida não elevam nem reduzem a propensão a diabetes ou hipertensão na gestação. Tampouco interferem no risco de perda involuntária do bebê ou parto prematuro.

A principal diferença costuma ser a quantidade de bebês resultante da fertilização in vitro. No geral, para obter êxito, são inseridos dois embriões nas mulheres de até 35 anos; três naquelas que têm entre 36 e 40 anos; e quatro se estiverem acima dessa idade.

Isso serve para aumentar as chances de que pelo menos um deles vingue no útero. Então, quanto maior o número de embriões, maior a probabilidade de virem irmãozinhos. Dados da Rede Latinoamericana de Reprodução Assistida indicam que um terço das gestações originadas de técnicas de reprodução assistida acabaram em gêmeos.

A história da reprodução assistida

Desde o século 18, os médicos vêm testando formas de dar uma ajudinha para trazer bebês ao mundo

1790: a Escócia registra a primeira inseminação artificial humana. O paciente utiliza uma seringa para injetar o sêmen na parceira.

1944: em laboratório, os médicos John Rock e Miriam Menkin fazem a primeira fecundação fora do corpo humano.

1953: com a primeira gravidez bem-sucedida a partir de uma amostra de sêmen congelado, surgem bancos de esperma.

1978: na Inglaterra, nasce Louise Brown, o “bebê de proveta”, primeiro nascimento vivo por meio da fertilização in vitro.

1984: vem ao mundo a australiana Zoe Leyland, primeiro bebê concebido a partir de um embrião congelado.

2017: nos EUA, nasce Emma Gibson, o embrião mais longevo da história — passou 25 anos congelado.


O que você precisa saber sobre reprodução assistida Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br

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