extrema popularidade do psicólogo canadense Jordan Peterson parece vir da maneira como ele consegue espalhar seus ensinamentos inspiradores em linguagem coloquial.
Às vezes, seus conceitos são expressos como se fosse um pai dando bronca no filho. Exemplo? “Se você nem consegue limpar seu próprio quarto, quem diabos é você para dar conselhos ao mundo?” Outro ponto determinante para esse psicólogo clínico de 57 anos arrebanhar seguidores é trabalhar com foco em questões urgentes na agenda do desenvolvimento pessoal, como as crenças religiosas e ideológicas, aplicadas às definições da personalidade e do desempenho social.
Peterson potencializa como poucos a literatura de autoajuda, ele joga a discussão filosófica para a individualidade. Quem acompanha esse intelectual de poucos livros publicados, mas com uma vasta penetração na internet, não é estimulado a procurar interação. Seu convite é a introspecção, resumida em uma de suas frases mais emblemáticas: “Compare-se com quem você era ontem, e não com outra pessoa.”
Em seu primeiro livro, Mapas do Significado: A Arquitetura da Crença, lançado em 1999, ele transita por várias disciplinas para analisar a estrutura de religiões, mitologias e grupos sociais. O autor é habilidoso ao direcionar essa inspeção multidisciplinar para a forma como as crenças humanas atuam para influenciar a vida cotidiana.
Esse poderoso ensaio, que mira religião, sociologia e comportamento pessoal e social, carrega em muitos trechos relatos pessoais do autor, que não ficam restritos a constatações e decepções filosóficas e políticas. Além de suas graduações em ciências políticas e em psicologia na Universidade de Alberta, Peterson tem uma bagagem de vida distante das trilhas acadêmicas. Ele foi cozinheiro, barman, maquinista de trens e trabalhou em fábricas. Passagens desses episódios de vida são adicionadas com maestria em seus textos, palestras e entrevistas, ajudando a compor uma figura atraente para vários tipos de interlocutores.
Mapas do Significado é notável ao permitir a defesa de tradições religiosas e culturais como alicerces do tecido social e, ao mesmo tempo, valorizar a necessidade da liberdade de expressão e comportamento.
O autor escala o indivíduo como combatente do autoritarismo ideológico. E faz isso com algum apelo pop, num livro que comporta citações de Fiódor Dostoiévski, Dante Alighieri e Friedrich Nietzsche, e também acomoda diagramas desenhados como complemento aos textos.
Peterson levou quase 20 anos para publicar seu segundo livro. Nesse período, descobriu em encontros presenciais ou transmitidos digitalmente o caminho mais eficiente para difundir suas ideias. E parece ter vislumbrado a força de um didatismo claro e direto para a comunicação com milhares de leitores.
Em sua segunda obra, 12 Regras para a Vida: Um Antídoto para o Caos, publicada em 2018, o caráter de “cartilha” sugerido pelo título é levado ao extremo por todo o volume. Ele enumera princípios de praticidade absoluta. Compõe um discurso em fórmula consagrada, desde os mandamentos bíblicos aos planos de passos a seguir em reabilitações comportamentais.
De certo modo, Peterson não chega a propor reflexão como o centro de seu texto filosófico. Oferece um manual para ser aplicado no dia a dia. Vai direto ao pragmatismo, quer validar sua proposta pelo êxito prático.
Embora essas regras praticamente revisitem conceitos já discutidos em Mapas do Significado, a maneira encontrada por Peterson para apresentá-las no segundo livro é surpreendente. Uma breve descrição de cada uma mostra como o autor mergulhou descaradamente no repertório dos autores de autoajuda.
As propostas resumidas podem chegar ao risível, como o item no qual sugere que um gato encontrado na rua deve ser acariciado.
Claro que os textos inseridos nessas páginas ultrapassam com folga a literalidade dos enunciados, e esse desenvolvimento de ideias contundentes é um diferencial charmoso para conquistar o público. Uma leitura dos enunciados incluídos torna a atração pelo livro irresistível (veja box abaixo).
A evidente intenção de injetar bom humor e algum cinismo em questões políticas e filosóficas certamente contribui para a grande popularidade de Peterson, notadamente entre uma parcela de seguidores com pouca intimidade com a leitura de filosofia.
Mas suas duas obras nas livrarias não seriam suficientes para sustentar essa atenção intensa ao que ele diz. Antes de tudo, o autor se transformou numa estrela da divulgação de cultura pelo YouTube.
Seus vídeos, que reúnem palestras, entrevistas e aulas, já somam mais de 100 milhões de exibições. Números equivalentes aos hits dos grandes astros da música pop.
Um grande sucesso de Peterson no YouTube é uma entrevista concedida na TV britânica ao Channel 4. São mais de 15 milhões de acessos aos quase oito minutos de conversa com o trecho mais incisivo no embate entre ele e a jornalista da emissora.
Em 2016, Peterson se opôs a um projeto de lei canadense que obrigava, nas referências a pessoas trans, o uso do pronome de tratamento preferido por ele ou ela.
Em vídeos que publicou em redes sociais, Peterson criticou a redação do projeto, que ele acreditava ser potencialmente incentivador de censura, e chamou a proposta “um ultraje à liberdade de expressão e uma subvalorizacão da capacidade moral dos indivíduos”.
A conversa no programa do Channel 4 começa com a apresentadora pressionando Peterson a admitir que sua defesa de liberdade de expressão ia contra o direito da pessoa trans a não ser ofendida.
Em poucos minutos, a entrevista tem reviravoltas. Peterson diz que ativistas trans seguem uma filosofia que defende uma identidade de grupo soberana, comparando essa postura às filosofias que orientaram União Soviética e China maoísta em jornadas que resultaram na morte de milhões de pessoas.
Depois, o autor nega a ideia de que estruturas hierárquicas sejam fruto de construção social, usando para isso a comparação entre o efeito da serotonina nos cérebros humanos e das lagostas, um tema recorrente em suas palestras.
É um exemplo da capacidade de Peterson para agregar elementos inusitados nas discussões de suas ideias e assim direcionar o diálogo para o lado que quiser. Há momentos em que a apresentadora fica desconcertada, uma reação que leitores habituais do psicólogo já experimentaram diante de páginas impressas.
Nathan Robinson, articulista da revista americana de política Current Affairs, escreveu que Peterson pode ser classificado como qualquer coisa, “de um apologista do fascismo a um liberal iluminista, porque suas palavras vagas são como um teste de Rorschach no qual inúmeras interpretações podem ser projetadas”.
Peterson se define, politicamente, com um liberal. Sempre associado a uma defesa intransigente da responsabilidade individual, talvez seja mais sincero classificá-lo como crítico de ideologias autoritárias. Seu interesse na discussão de crenças religiosas passa pela pretensão de imposições políticas contra o que chama de “tradições de sabedoria”.
Peterson nasceu em Edmonton, em 12 de junho de 1962, mas cresceu em Fairview, cidadezinha próxima a Alberta. Quando tinha 13 anos, teve um encontro que já definiu como “luminoso” com a bibliotecária de sua escola, Sandy Notley. Ela o apresentou a diversos autores, entre eles alguns notáveis por obras de enfrentamento de ideologias autoritárias. Uma seleção que incluía Aldous Huxley, Ayn Rand, Aleksandr Solzhenitsyn e George Orwell, responsáveis diretos por escolhas de Peterson na carreira acadêmica.
Ao mesmo tempo em que leciona e publica artigos, Peterson mantém um trabalho clínico, encaixando constantemente em sua agenda o acompanhamento de dez a vinte pacientes.
Ele desenvolve exercícios incentivadores do autoconhecimento. São tarefas de caráter prático que estabelecem metas de crescimento pessoal e estratégias para alcançá-las. Mais uma vez, o pragmatismo. Peterson tem seu canal no YouTube, com mais de 1 milhão de inscritos, e seu podcast, “Jordan B. Peterson Podcast”.
Jordan Peterson – Uma cruzada digital contra ideologias autoritárias Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
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