terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Como rejeitos de mineração podem prejudicar (mais) a saúde pública

A enorme quantidade de lama que invadiu a cidade de Brumadinho (MG), graças ao rompimento de uma barragem da mineradora Vale, foi o principal elemento da tragédia que tirou a vida de pelo menos 65 pessoas. Foram quase 13 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração liberados para o ambiente. Mas de onde vem essa lama vermelha? O que ela contêm? E quais os impactos de longo prazo que ela ainda pode causar, mesmo depois de um desastre de tamanha dimensão? 

Brumadinho só perde para Mariana na quantidade recebida de lama – por lá, o volume era equivalente a 25 mil piscinas olímpicas cheias. O número de desaparecidos permanece elevado  – segundo a última atualização oficial, na tarde do dia 29, eram 288 – o que quer dizer que o total de óbitos ainda pode crescer. Animais continuam sendo encontrados e, eventualmente, abatidos, devido a dificuldades no resgate em meio à camada densa de barro.

Mas e a lama?

A lama que assistimos pintar de marrom a paisagem local consiste nos restos que permanecem após o processo chamado de “extração e beneficiamento do ferro”. Na mina do Córrego do Feijão, este é o principal metal explorado. Mas a parte economicamente importante do ferro é a hematita – e para chegar até ela, primeiro é preciso separá-la de eventuais impurezas.

A principal delas é a areia – na realidade, o quartzo (SiO2), o mineral que forma a areia. Para descartar o quartzo, o minério de ferro é triturado. Depois, ele é jogado em grandes tanques, onde passa pelo processo de flotação. “Neles, o mineral mais leve (quartzo), flutua em uma espuma e o mais pesado (hematita) afunda”, explica Luis Enrique Sanchez, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).

“Como o minério é moído, o rejeito é composto por partículas finas. O tamanho delas varia desde areia fina, que é mais grossa, até argila. E a argila, que é muito fina, na presença de água forma a lama”, completa Sanchez.

Os rejeitos, portanto, saem nessa forma lamacenta. E, uma vez separados do ingrediente principal, a hematita, eles precisam ir para algum lugar. O descarte direto – para um rio, ou para o mar – seria um baita problema ambiental, tanto imediato como de longo prazo.

A alternativas das mineradores foi, então, construir grandes buracos, onde armazenar estes “restos” – são as tais barragens. Segundo a Vale, a Barragem I da Mina Córrego do Feijão, que rompeu, tinha 86 metros de altura e recebeu dejetos da produção até 2015. Desde então, estava inativa.

Lama rio abaixo

Lembra do problema que era jogar os rejeitos no rio? Pois, após o rompimento, a massa de lama represada atingiu o rio Paraopeba… E já desceu por vários quilômetros, acompanhando seu leito. A bacia do Paraopeba cobre 48 cidades de Minas Gerais. Somadas, populações dos municípios ultrapassam 1,3 milhão de pessoas.

A lama, que avança rio abaixo a uma velocidade inferior a 1 km/h, não deve comprometer o abastecimento de cidades da região metropolitana da capital mineira, Belo Horizonte. Isso porque o ponto de captação no Paraopeba – responsável por abastecer 50% da grande BH – não foi afetado diretamente.

Um relatório elaborado Serviço Geológico do Brasil (CPRM) descartou a possibilidade dos dejetos atingirem o reservatório da Hidrelétrica de Três Marias, na Bacia do Rio São Francisco – principal corpo hídrico do centro-norte de Minas e que se estende até o nordeste.

Por enquanto, portanto, os rejeitos não colocam em risco imediato o abastecimento de água das pessoas. Mas ainda não se sabe ao certo até onde o barro pode chegar. Pesquisadores coletaram amostras da água da Usina Três Marias para comparar os resultados e indicar eventuais riscos para o consumo.

A vida de comunidades que vivem à margem do rio Paraopeba e dependem da água para sua subsistência, como a aldeia indígena Nao Xohã, no entanto, já foi atrapalhada. O acúmulo de grandes massas de lama alteraram o curso do rio – e, por lá, cresce o número de peixes mortos, represados pela mudança.

Marcus Vinícius Polignano, do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) argumenta que o deslocamento de lama deixou o Paraopeba “extremamente comprometido”. Segundo destaca Polignano, o nível de turbidez da água (relacionado à quantidade de sólidos dissolvidos), apontado por medições recentes está em 63 mil, enquanto o normal é 100.

Ou seja: a água não só ficou mais turva como agora contém quase 800 mais substâncias dissolvidas que o normal. “Nesse nível, sequer é possível tratar a água, não pode ser usada para consumo. É um rio absolutamente morto”, diz.

A Vale afirma que os rejeitos não são tóxicos e, portanto, não nocivos à saúde humana. De fato, a presença de quartzo, seja na forma de areia ou argila, não seria exatamente uma fonte de preocupação por se misturar com a água. O problema é que, pelo menos em Mariana, não foi só isso que encontraram no rio após o rompimento da barragem: a concentração de metais como arsênio, manganês, chumbo, alumínio e ferro diluída no Rio Doce estava bem acima do normal. Sabe-se que metais pesados do tipo podem integrar a composição do minério de ferro.

O risco de que a concentração de metais pesados na água tenha aumentado também em Brumadinho preocupa os especialistas. Polignano afirma que, com o processo de sedimentação da lama, a ingestão de água contaminada por rejeitos químicos pode causar problemas como irritação intestinal e diarreias. Isso sem falar na bioacumulação. O corpo não absorve metais pesados – e, portanto, se fica exposto a eles, mesmo que em pequenas doses, por muito tempo, o acúmulo dos metais no organismo pode se tornar tóxico.

Para além da água – o que sobra?

Depois que os esforços de busca chegarem ao fim, com a retirada das equipes de ajuda e a identificação das vítimas concluída, o que vai restar é uma área tomada por 3,6 km2 de lama. O equivalente à área de 504 campos de futebol do tamanho do Maracanã, todos transformados em barro.

É bem provável que a natureza da região jamais seja a mesma, uma vez que esse tipo de resíduo costuma ser de difícil remoção. O maior exemplo, novamente, é Mariana: dos 45 milhões de m³ que vazaram por lá, quase tudo permanece exatamente no mesmo lugar.

Com a lama secando, surge outro problema. O aumento de poeira faz aumentar o número de casos de problemas respiratórios. O tráfego de caminhões e outras máquinas pesadas, que trabalham para retirar a lama, também pode contribuir para amplificar esses efeitos. 35% dos moradores da região de Mariana tiveram uma piora na saúde após o desastre, segundo um estudo do Instituto Saúde e Sustentabilidade (ISS).

“O mais grave dos problemas de saúde, porém, é o trauma psíquico”, defende Polignano. “Se cada vítima tem um núcleo de 20 pessoas na família, imagine o número de pessoas que, de repente, tiveram sua vida transtornada [pelo desastre]”. Diferentes estudos que analisaram a situação de Mariana após 2015 falam sobre eventuais impactos também na saúde mental.

Em abril de 2018 a UFMG divulgou a Prismma (Pesquisa sobre a Saúde Mental das Famílias Atingidas pelo Rompimento da Barragem do Fundão em Mariana), estudo que avaliou 271 pessoas, de 10 a 90 anos de idade. Segundo dados do levantamento, quase um terço das pessoas avaliadas foi diagnosticada com depressão – número cinco vezes maior que a média nacional. A pesquisa mostrou também que 12% dos participantes têm traços do quadro de transtornos de estresse pós-traumáticos. A taxa é próxima a encontrada imediatamente após o acidente nuclear de Fukushima, no Japão, em 2011.

Vale mencionar que o risco da história se repetir (mais uma vez) em Minas Gerais, ainda existe. Segundo relatório mais recente da Agência Nacional de Mineração (ANM), das 19 barragens de rejeitos de minério com alto risco de acidentes no Brasil, 12 ficam no estado. Em 2016, a barragem de Brumadinho (considerada de risco potencial de danos altos) se enquadrava na lista de baixa chance de acidentes, caso de outras 376 barragens no Brasil.


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