“A busca por ajuda não é um sinal de fraqueza.” A frase, escrita por Michelle Obama num artigo para o site The Huffington Post, tinha como objetivo incentivar as pessoas a procurarem um psicólogo ou psiquiatra diante de um estado contínuo de aflição ou tristeza.
A ex-primeira-dama dos Estados Unidos não está sozinha nessa cruzada: nos últimos anos, celebridades do calibre do ator Brad Pitt, da modelo Gisele Bündchen, da cantora Katy Perry e do multimedalhista olímpico Michael Phelps compartilharam suas intimidades para revelar como os transtornos mentais afetaram a qualidade de vida deles – e como o tratamento, baseado em grande parte na psicoterapia, foi essencial para se recuperar.
Por mais que as vozes famosas ajudem a dar notoriedade a essas dificuldades, infelizmente elas seguem cercadas de mitos e estigmas. Tem muita gente por aí que continua a encarar depressão, ansiedade e companhia ilimitada como “coisa de louco”, preferindo escondê-las a enfrentá-las.
Esse cenário se reflete numa pesquisa realizada pela empresa Market Analysis, que entrevistou 906 adultos nas principais capitais brasileiras. Ela revela que apenas 2% fazem algum tipo de terapia. Esse número já havia sido encontrado em levantamento idêntico feito pela consultoria há 16 anos. Mas tem um detalhe: os problemas psicológicos não pararam no tempo. Estão em ascensão.
Se a popularidade dessa opção terapêutica parece estagnada, o mesmo não pode ser dito sobre os medicamentos: entre 2010 e 2014, a venda de fármacos da classe dos antidepressivos e dos estabilizadores de humor aumentou 58% no país, de acordo com a companhia IMS Health.
O Brasil é o quarto maior mercado consumidor de alguns desses remédios no mundo – só fica atrás de Estados Unidos, Argentina e Alemanha. Em terras americanas, aliás, apenas um terço dos indivíduos que tomam comprimidos contra a depressão consulta um profissional de saúde com regularidade.
Convenhamos: não precisa ser matemático para perceber que tem algo errado nessas contas. “Vivemos numa era em que a velocidade impera e queremos respostas rápidas para nossos problemas. Nesse contexto, os remédios se encaixam como uma luva”, interpreta o psicólogo Paulo Aguiar, do Conselho Federal de Psicologia.
As terapias, por sua vez, dependem de longos diálogos com um profissional, o que demanda investimento de tempo e de dinheiro. Isso sem contar que os benefícios podem demorar um pouquinho para aparecer e nem sempre são percebidos de uma hora para outra, como num passe de mágica.
Apesar desses paradoxos atuais, nunca antes na história a conversa terapêutica foi tão recomendada. Quem diz isso não é a SAÚDE, mas, sim, os principais documentos com orientações e diretrizes de tratamento das condições mentais. Segundo a Associação Americana de Psiquiatria, até 75% dos pacientes com algum distúrbio apresentam melhoras após as sessões de terapia.
Seus efeitos são notados diretamente nos neurônios por meio de modernos exames de imagem. “Após a superação do sofrimento psíquico, observamos uma diminuição da atividade da amígdala, região responsável pelo controle sensorial e emocional, e um aumento de processos nervosos no córtex pré-frontal, relacionado à racionalidade e aos significados”, destrincha o psicólogo Julio Peres, autor de uma série de estudos na Universidade de São Paulo (USP).
Só que, antes de entrar no consultório ou deitar no divã, é preciso tomar certo conhecimento e alguns cuidados para não cair em ilusões. “A abordagem de cada paciente vai sempre ser única e precisa respeitar suas queixas e demandas”, ressalta o psiquiatra Rodrigo Grassi-Oliveira, do Instituto do Cérebro da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Os primeiros passos para começar a terapia
Por mais que a psicoterapia esteja ancorada no diálogo e na troca verbal de informações, ela está longe de ser o mesmo que ficar de papo para o ar com um conhecido qualquer. Os profissionais que conduzem as sessões possuem (ou deveriam possuir) extensa formação na área, que dá a eles ferramentas para conduzir a conversa conforme o perfil de cada um. A missão é auxiliar o paciente a refletir e identificar as origens de um sofrimento para, a partir daí, estabelecer as maneiras de vencê-lo.
“A diferença é que, ao contrário do aconselhamento de um familiar ou de um amigo, nós criamos uma relação profissional e estabelecemos os alvos terapêuticos”, esclarece o psicólogo Wilson Vieira Melo, presidente eleito da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas.
Um dos grandes entraves para a maior disseminação desse tipo de abordagem está justamente na dificuldade em identificar em si mesmo os sintomas de que algo não vai bem. Fica sempre aquela sensação de que o incômodo é passageiro e se resolverá naturalmente com o passar do tempo ou das fases mais turbulentas da vida.
Lamentavelmente, nem sempre a coisa acaba tão fácil assim… “Qualquer alteração nos comportamentos ou nos sentimentos que afeta o dia a dia de forma prolongada merece investigação”, afirma a psicóloga Michelle Levitan, do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A terapia é indicada tanto para doenças de média ou alta complexidade e duração – como na depressão, no transtorno de ansiedade generalizada, no autismo, na bipolaridade e nas dependências – quanto para queixas pontuais e limitadas, caso de superação de traumas, lutos, perdas de emprego ou términos de relacionamento amoroso.
Há ainda quem busque um psicoterapeuta para se conhecer melhor ou até para aprimorar o desempenho na escola ou no trabalho. Mas, para que tudo isso funcione, é preciso saber eleger o profissional ideal caso a caso.
Se você procurar por serviços de saúde mental no sistema público, nos catálogos dos planos privados ou até mesmo no Google, vai encontrar um sem-fim de opções. É aí que aparece o próximo dilema: como selecionar um profissional que atenda às nossas demandas particulares? Afinal, no meio de tanta oferta e estilos… Aliás, nós temos um conteúdo específico sobre os principais tipos de psicoterapia no site. Clique aqui e confira.
Um primeiro conselho é verificar se aquele especialista está cadastrado e não enfrenta processos no Conselho Federal de Psicologia ou na Associação Brasileira de Psiquiatria. Essas entidades, e suas representantes estaduais e regionais, mantêm registros disponíveis na internet para qualquer um acessar.
“Outra saída é procurar indicações com familiares ou amigos que já passaram por experiências anteriores”, sugere o psicólogo Hélio Roberto Deliberador, supervisor da Clínica-Escola de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Você pode conhecer os principais tipos de psicoterapia e suas aplicações na prática clicando aqui.
Contatos imediatos de primeiro grau
A primeira consulta é outro momento-chave dessa história. Quem nunca fez terapia não sabe bem o que esperar, muito menos como se comportar ou relatar as queixas que o levaram até ali. “As pessoas acham que você é obrigado a se abrir e falar tudo logo de cara. Não é assim: vá à sessão o mais relaxado possível”, orienta o médico Rodrigo Martins Leite, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. Na prática, o terapeuta vai levantar algumas questões básicas, que ajudarão a avaliar o quadro e suas características para determinar diagnóstico e conduta.
Se você sentir necessidade, uma ideia é anotar no papel seus principais incômodos e aflições. “Escrever organiza os pensamentos e permite destacar os temas que o paciente deseja trabalhar durante a psicoterapia”, explica Peres. No futuro, essa iniciativa pode dar origem a um diário, um espaço para registrar os principais marcos e conquistas do processo. Mas esse é um assunto que abordaremos com mais profundidade ao longo da matéria.
Os indicativos de que a terapia está caminhando bem
Ok, você finalmente encontrou o terapeuta e está curtindo as sessões. Mas como saber se o tratamento está trazendo bons resultados? Por ser um processo que pode se estender por meses (até anos), não é fácil determinar o exato momento em que os avanços começam e como eles se desenvolvem ao longo do tempo – até porque esses prazos variam de acordo com cada um.
Uma dica é ficar de olho nos primeiros sintomas que motivaram você a buscar ajuda. “Dois indícios muito importantes são melhoras no humor e no ânimo para participar das atividades sociais ou de trabalho”, aponta Michelle.
Em alguns transtornos, as benfeitorias podem ser medidas na prática, com a diminuição no número de surtos e episódios de crise. Se após algumas sessões o indivíduo com fobia de elevadores se torna capaz de apertar o botão, já há um motivo para comemorar.
Numa próxima tentativa, ele esperará as portas se abrirem. Na outra, é provável que conseguirá entrar na cabine e ficar ali por alguns segundos. E, de pouco em pouco, as conquistas se acumulam e acabam de vez com o medo irracional.
Tenha em mente, porém, que recaídas podem acontecer e, claro, fazem parte da experiência. A forma como reagimos a elas é que vai fazer toda a diferença lá na frente. “O paciente deve cobrar soluções do terapeuta e, se necessário, pedir ajustes para que ele tire proveito máximo da terapia”, estimula Martins Leite.
Criar um relacionamento de confiança, inclusive, é essencial para se soltar e expressar os sentimentos dentro do consultório. Esse vínculo chega, segundo alguns experts, a ser mais relevante que a metodologia adotada. Ora, os princípios técnicos e teóricos da terapia cognitivo-comportamental ou da psicanálise não substituem critérios como confidencialidade, carinho e empatia.
“Um pianista pode saber tudo sobre seu instrumento, mas, se ele não botar seu próprio coração na música, não vai tocar a si mesmo ou seus ouvintes. O mesmo vale para a psicologia”, compara Peres.
Qual é o prazo para receber alta?
Outro mito recorrente sobre as terapias é que elas não acabam nunca e, em algumas situações, viram uma enrolação. Não procede. Para que as coisas funcionem direito, um bom e ético profissional estabelecerá um processo com início, meio e fim.
O dilema é que não existe uma definição exata de quando vai ocorrer a alta. “Essa é uma questão que vai depender da conclusão das metas e da estabilização do quadro que motivou o tratamento”, informa o psicólogo Leandro Fernandes Malloy-Diniz da Universidade Federal de Minas Gerais.
Tem quem resolva seus problemas com dois ou três encontros pontuais. Outros, na contramão, demoram meses para obter algum alívio. É preciso considerar também a abordagem adotada: enquanto a terapia interpessoal traz a rapidez no seu DNA, a psicanálise não tem a intenção de medir prazos com tanta rigidez.
Um famoso estudo realizado na Universidade Northwestern, nos Estados Unidos, calcula que em 75% das vezes o paciente já pode caminhar com suas próprias pernas após meio ano de trabalho. “No final, o objetivo é que o indivíduo se torne seu próprio terapeuta e passe a reconhecer os pensamentos que o prejudicavam anteriormente”, raciocina Michelle. Nada impede também de, passados alguns meses da liberação, você marcar consultas periódicas para ver se está tudo ok ou se encarar um novo estresse.
O bacana é notar que, no meio de tanta publicidade e gente falando sobre o assunto, o equilíbrio da mente se torna, de fato, um ingrediente vital para manter a saúde do corpo. Lembra a frase de Michelle Obama que incentivava as pessoas a buscar ajuda psicológica? Pois ela mesma admitiu recentemente, no lançamento de sua autobiografia, Minha História (Editora Objetiva), que fez terapia junto de seu marido, Barack Obama, para lidar com turbulências no relacionamento.
Até um dos casais mais harmônicos do mundo recorre ao poder das palavras para desenroscar os nós na cabeça. É hora de refletir e se mexer para desembaraçar os nossos.
O poder está nas palavras: como funciona e por que fazer terapia Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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