Os holerites mais antigos de que se tem notícia são pequenas placas de argila com inscrições cuneiformes de 5 mil anos encontradas nas ruínas da cidade mesopotâmica de Uruk, no atual território do Iraque.
Elas contém um símbolo cônico que significa “cerveja”, acompanhado de uma figura humana se alimentando com uma valise, que corresponde a algo como “porção” ou “ração”. Ao que tudo indica, os salários Sumérios eram pagos em álcool.
O mesmo ocorreu durante a construção das pirâmides egípcias: cada trabalhador recebia 5 litros diários de loira gelada – o mistério é entender como eles erguiam pedras tão grandes depois capotar o Corsa nesse grau.
O registro de pileque mais antigo, porém é chinês. Jarros de 8 mil anos encontrados em Jiahu, no norte do país, continham um drinque feito de arroz, mel, uvas além de um tipo de cereja, tudo fermentado. A bebida tinha teor alcoólico só um pouco menor que o do vinho contemporâneo.
A bebida alcóolica, enfim, é um capítulo fundamental da história de todas as civilizações. Sua onipresença levou o biólogo evolutivo Robert Dudley a levantar a hipótese de o nosso amor pela pinga não é só uma mera questão cultural: se embebedar talvez tenha sido vantajoso para a sobrevivência dos nossos ancestrais primatas na savana africana – e desses macacos cambaleantes nós teríamos herdado um gosto inato pela bebedeira.
Da perspectiva de um Homo sapiens atual, encher a cara parece um péssimo jeito de sobreviver: “Se você estimular que eles [os inimigos] bebam em excesso, e der a eles quanta bebida quiserem, será mais fácil derrotá-los”, ensinou o historiador romano Tácito.
Mas isso é porque nossa espécie aprendeu a produzir e ingerir álcool em escala industrial. Em doses pequenas – e “pequena” é o único tipo de dose disponível na natureza – ele pode se tornar o melhor amigo de um mamífero.
Para entender por quê, vamos rebobinar a fita para algo entre 20 milhões e 8 milhões de anos atrás e conhecer em uma época geológica chamada de Mioceno. Os dinossauros já estavam extintos há um bom tempo, e os mamíferos haviam tomado o lugar deles nos mais deferentes ecossistemas.
Nas florestas da África Subsaariana, a linhagem de macacos que daria origem ao ser humano não havia se separado da que acabaria nos chimpanzés ou orangotangos. Nós e eles ainda éramos um bicho só. Sabemos, graças à análise de dentes e mandíbulas fósseis dos primatas dessa época, que esses ancestrais se alimentavam essencialmente de frutas.
Na natureza, frutas maduras com frequência são decompostas por leveduras – fungos que fermentam açúcar, liberando etanol e CO2 como subprodutos. Uma maçã ou manga apodrecidos não são lá um negócio muito atraente, mas um macaquinho que não tivesse frescura para comê-los sairia na vantagem por vários motivos.
Um é a concorrência zero: ganhar a vida se alimentando do que os outros consideram lixo é um ótimo jeito de evitar brigas. Outro é que o cheiro de bebida é forte – o que torna bem mais fácil farejar uma árvore abastecida à distância, principalmente em meio à mata fechada, onde a visão ajuda pouco.
Em terceiro lugar, o álcool é razoavelmente calórico – e, na natureza selvagem, energia nunca é demais. Cada grama de etanol metabolizado rende 7,1 kcal, mais do que carboidratos (4 kcal/g), embora menos que gorduras (9 kcal/g).
Essa comparação não leva em consideração algumas sutilezas metabólicas: quando você passa dos limites no bar, seu corpo gasta muita energia tentando se desintoxicar, o que diminui um bocado o rendimento das calorias fornecidas pela bebida.
Essa é uma preocupação válida no boteco, mas irrelevante na mata: a quantidade de álcool presente em uma banana levemente estragada não chega aos pés de uma caipirinha.
Se os macacos africanos do Mioceno dependiam mesmo de frutas fermentadas para se alimentar, eles ficavam só com benefício calórico, sem o ônus metabólico de lidar com uma dose cavalar de etanol. Aí entra em jogo a boa e velha seleção natural: primatas mais chegados em álcool conseguiam comer mais, viver melhor e por mais tempo se reproduzir mais que os abstêmios. O gosto pelo goró passou adiante e se fixou como um instinto na população.
Quem se deu mal nessa história fomos nós, Homo sapiens, descendentes dos pioneiros do balcão. Herdamos a propensão a gostar de bebida em um mundo em que a bebida deixou de ser um recurso valioso e passou a ser vendida em qualquer esquina.
A seleção natural não é rápida o suficiente para atualizar nossos instintos no mesmo ritmo que mudam as tendências culturais: os 2 mil anos que se passaram desde que os romanos embebedavam seus inimigos para derrotá-los não são nada perto dos 2 milhões de anos que o mecanismo descrito por Darwin levaria para reprogramar a tendência ao álcool no cérebro.
Tudo isso, claro, é só especulação. Por um lado, há várias observações que apoiam a hipótese do instinto pinguço: os macacos de hoje se interessam não só por frutas maduras como também pelos drinks de turistas na Tailândia e no Caribe.
Um estudo com 196 indivíduos da espécie Chlorocebus pygerythrus revelou que 17% deles gostam mais de água com um shot de rum que do líquido puro. Isso é sinal de que o desejo por álcool entre indivíduos de uma mesma espécie de macaco pode variar – e essa variação natural é justamente o combustível da seleção natural.
Por outro lado, bem… você ainda é um animal social extremamente inteligente. Então, mesmo que haja algum pedacinho do seu cérebro de fato venha de fábrica desejando dar virote, ainda há uma complexa série de fatores culturais, demográficos e econômicos que determinam se alguém se tornará vai beber muito ou não. Vá com calma.
Chimpanzé cachaceiro: será que o amor por álcool é fruto da seleção natural? Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
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