segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Ciência da África

Descolonizando a história africana

A dominação europeia na África não foi apenas militar, política e econômica. Ela também tentou apagar a história do continente. Não sobrava nem o Antigo Egito, considerado por anos como um país fora das fronteiras africanas, o que levava a classificar os os avanços tecnológicos do tempo dos faraós como “orientais” – e não como africanos.

Cheikh Anta Diop, um antropólogo nascido no Senegal em 1923, ajudou a virar esse jogo. Para resolver a questão egípcia, ele criou em 1966 o laboratório de radiocarbono (método de datação radiométrica que utiliza o carbono como base para estimar a idade de materiais) na Universidade de Dakar, capital do país, que hoje carrega seu nome. Ali, fez testes na melanina muito bem preservada de múmias provenientes de escavações em Marietta, no Egito. As análises de Diop indicaram que as múmias eram de negros por causa do nível de melanina inexistente nas raças de pele branca. Isso colocou de vez os egípcios antigos entre os africanos.

Suas teses vinham desde 12 anos antes, quando publicou seu primeiro livro Nações Negras e Cultura, no qual discute a língua, cultura e lógica africanas, mostrando como o continente abrigava um povo intelectualmente dotado. Ele estudou também o início das civilizações na África.

Uma matemática antirracista

Na década de 1970, o matemático brasileiro Ubiratan D’Ambrósio se deparou com uma pergunta que iria persegui-lo pelo resto da vida: por que seus alunos africanos se viam obrigados a aprender matemática seguindo moldes que não tinham nada a ver com a realidade deles? D’Ambrósio trabalhava como professor universitário em Mali, no sudeste do Saara, quando começou a defender uma nova forma de ensino adaptada às particularidades de cada cultura. Ele argumentava, por exemplo, que os malinenses foram capazes de construir grandes mesquitas com métodos próprios, há mais de 500 anos, mas essa sabedoria não era considerada.

O brasileiro, então, criou a etnomatemática, que estuda as diferentes quantidades, medidas e padrões geométricos dos povos por meio de aspectos históricos e sociológicos. Sua abordagem serve, por exemplo, para compreender a lógica arquitetônica das muralhas de pedra no Zimbábue ou os métodos de dedução probabilística dos jogos de apostas na Nigéria. Em 2001, ele venceu o prêmio da Comissão Internacional de História da Matemática. Quatro anos depois, recebeu a medalha Felix Klein, da Comissão Internacional de Instrução Matemática, por suas contribuições educacionais. Hoje, é professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Vigilante do espaço

O país de Nelson Mandela é a sede do Square Kilometre Array (SKA), o projeto do maior e mais potente radiotelescópio do mundo. Quando for concluído, em 2030, terá uma área de coleta de 1 km². A título de comparação, o maior telescópio da China tem uma área de cobertura de 196.000 m², bem menor que a do sul-africano. O SKA também será 50 vezes mais sensível e 10 mil vezes mais rápido do que os melhores radiotelescópios em atividade, com capacidade para detectar ondas de rádio de objetos a milhões ou até bilhões de anos-luz da Terra. A entrega da primeira parte do projeto está prevista para 2020.

Esse supertelescópio é, na verdade, um conjunto de milhares de antenas espalhadas pelo deserto do Karoo, na parte ocidental da África do Sul, e em outros oito países parceiros africanos, como Botsuana, Gana, Quênia, Madagascar, Maurício, Moçambique, Namíbia e Zâmbia. Atualmente, o programa tem 11 membros de cinco continentes – só a América do Sul ficou de fora.

O objetivo do SKA é ajudar os astrônomos a entender os detalhes da formação de estrelas e galáxias, ampliar as pesquisas sobre a matéria escura e até mesmo detectar se há vida em outras partes do Universo.

A esperança das mamães

Brian Turyabagye estudava engenharia de telecomunicações quando acompanhou a doença da avó de uma colega. Os médicos a diagnosticaram com malária, mas na verdade era pneumonia, que só foi descoberta quando não havia mais o que ser feito.

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O ugandês, então com 24 anos, ficou com aquilo na cabeça. A pneumonia afetava muito mais crianças na África: 500 mil dos menores de 5 anos no continente inteiro e 27 mil só em Uganda. O principal problema era o diagnóstico errado.

Obcecado em desenvolver um método mais confiável, Brian criou um colete que identifica pneumonia em crianças. Chamado de MamaOpe, ou “esperança da mamãe”, o dispositivo é mais certeiro. Coleta dados da caixa torácica da criança e envia a um computador em poucos minutos.

Um banho contra a malária

Um sabonete pode ser a nova arma contra a doença, que só em 2016 atingiu 216 milhões de pessoas, segundo o último relatório da OMS. Destas, 445 mil morreram – 91% delas na África. A ideia é dos pesquisadores Moctar Dembélé, de Burkina Faso, e Gérard Niyondiko, de Burundi, que criaram o “sabão Faso”, depois de perceber que os repelentes já não são tão eficientes contra os mosquitos vetores da doença.

A invenção se baseia em microcápsulas contendo repelentes naturais do mosquito, composto de cravo-africano, manteiga de karité e capim-limão. A pessoa se ensaboa com o produto e, de lambuja, fica imune ao mosquito transmissor. A meta é fazer com que o sabão seja efetivo até 6 horas depois de aplicado. Além de eficaz, o sabonete, que combina higiene e prevenção, é muito mais barato e menos perigoso do que repelentes e venenos. Dembélé e Niyondiko trabalham no Centro Nacional de Pesquisa contra a Malária, em Burkina Faso. Eles já angariaram fundos de fontes internacionais e esperam salvar ao menos 100 mil vidas.

Uma planta contra vermes

A esquistossomose é uma doença tão feia quanto o nome. Afeta o intestino ou o canal urinário, causa diarreia, anemia, inchaço do fígado e do baço. A doença consiste em pequenos vermes que se instalam no corpo, e seu principal vetor é o caramujo, abundante em regiões quentes, úmidas e onde falta higiene. Um problema principalmente para a África, onde estão quase 92% dos casos – e que foi resolvido com um fruto local.

A situação era pior antes de Aklilu Lemma, cientista da Etiópia que bolou a solução usada ainda hoje no controle da doença.

Em 1964, observando os rios em que as lavadeiras de seu país limpavam as roupas, ele descobriu que os caramujos morriam naquelas águas. Depois de pesquisas nos laboratórios da Universidade de Adis Abeba, capital do país, descobriu que o responsável era uma toxina encontrada no endod, um arbusto nativo.

Foi então que começou a fazer experimentos em Adwa, cidade no norte etíope, com 17 mil habitantes. Depois de cinco anos, os índices da doença caíram de 63% para 34% – e nas crianças, em que a esquistossomose afetava metade, passou para 7%. Tudo com o fruto da planta sendo usado como sabão, para prevenção, e na água, para exterminar os vetores.

Lemma ganhou prêmios e hoje dá nome ao Instituto de Patobiologia da Universidade de Adis Abeba. Sua descoberta, muito mais barata e menos danosa do que os pesticidas usados até então, ainda é a principal forma de se combater a doença do caramujo.


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