A fisioterapia não é uma especialidade muito associada à gestação e, principalmente, ao trabalho de parto. Então por que o Simpósio Internacional de Assistência ao Parto (Siaparto) de 2019 teve um encontro específico, com direito a várias aulas, para debater o papel dos fisioterapeutas nesse momento da vida das mulheres?
Essa foi a pergunta que motivou a SAÚDE a conversar com Sandra Sisla, fisioterapeuta e coordenadora dessa parte do evento. “É uma área nova, que está se fazendo conhecer”, reconhece a expert.
Apesar de ainda pouco disseminada dentro da obstetrícia, a fisioterapia pode trazer benefícios significativos durante a gravidez, no parto e mesmo no puerpério — as semanas seguintes ao nascimento do bebê. Ao longo da entrevista, Sandra esclarece esses pontos.
Ela também aponta sua especialidade como uma forma de reduzir as altas taxas de cesáreas no Brasil. Mas reitera: “As mulheres submetidas a esse tipo de parto também se beneficiam da fisioterapia”. Confira:
SAÚDE: a fisioterapia não é muito associada ao momento do parto. Por quê?
Sandra Sisla: eu acho que poucos fisioterapeutas estão preparados e fazem esse tipo de serviço. Eu sou uma que faz o trabalho intraparto. Portanto, não há um entendimento sobre o que é possível de ser realizado no parto com os recursos da fisioterapia. É uma área nova, que está se fazendo conhecer.
As pessoas conhecem um pouco mais nosso trabalho de preparação para o parto. E mais ou menos também, porque só se fala de pilates e ioga. Mas a fisioterapia tem uma amplitude muito maior de possibilidades ao longo dos nove meses.
No parto em si, o que a fisioterapia pode fazer?
Em primeiro lugar, é preciso que a gente saiba que a mulher é capaz de fazer o parto dela. Ela tem essa competência e é preciso que os profissionais entendam isso. Essa é uma premissa fundamental.
Dentro da sala de parto, a gente pode utilizar vários recursos que facilitam o processo da mulher. Exemplos: a água quente, as compressas, a massagem.
O fisioterapeuta conhece a biomecânica e os movimentos. Tem um olhar para ajudar caso surja algum entrave. E também a possibilidade de mostrar para a mulher que é possível fazer certos movimentos facilitadores do processo.
No caso das massagens, a proposta é tirar a concentração da dor para colocar em outros estímulos. Isso pode fazer a mãe passar pelo processo da dor de forma mais tranquila.
Queremos ajudar a mulher a ter seu processo de trabalho de parto de forma mais orgânica, ajudando a cuidar da dor, a lidar com o cansaço. São recursos de alívio de sintomas e de boa dinâmica da bacia.
Esse é um trabalho que idealmente começa antes do parto. A preparação é superimportante para que a mulher tenha um repertório de movimentos e ações no parto.
Então vamos para os nove meses de gestação. Qual o papel da fisioterapia nessa fase?
Eu vejo o preparo como um conjunto de atitudes. A mulher precisa se informar de várias coisas, inclusive do próprio corpo. Ela deve se conhecer e a fisioterapia traz recursos que ajudam a fazer esse acesso de si mesma.
Há um trabalho global e corporal, que começa desde o segundo trimestre ou até pouco antes. Que é um trabalho de movimento, de dinâmica de bacia, de postura. Até no sentido preventivo, porque o eixo corporal vai mudar. A gente traz recursos que podem ajudar a mulher a passar por esse momento da gestação de forma tranquila e fazer a preparação para o parto.
Aí entra a respiração e os trabalhos específicos de períneo [região que fica entre o ânus e a vagina, que sustenta os órgãos pélvicos]. Nós fortalecemos essa estrutura desde o começo, mas quando estamos mais perto do parto, lá pela 33ª semana, podemos iniciar um trabalho de preparação do períneo, com recurso da massagem perineal e o Epi-no.
O Epi-no é um dispositivo com um balãozinho de silicone numa ponta e com uma bombinha na outra, que serve para inflar o balão. Ele é parecido com o aparelho de medir pressão. A gente o introduz na vagina e vai insuflando, realizando alguns treinos. Um primeiro exercício pode trabalhar contração e relaxamento, já que o balão ajuda na percepção do períneo. O balãozinho também pode inflar até chegar no limite de amplitude da mulher. Aí a gente pede para ela relaxar e mantém esse limite por uns minutos. É um recurso de percepção do corpo. Pode trazer uma percepção de amplitude, mas sem o estresse do parto.
E tem um treino de empurrar o dispositivo enquanto relaxa o períneo. É uma coisa de lidar com as percepções. Ajuda no momento do parto, porque ensina a relaxar, em vez de contrair.
A massagem perineal também serve como um alongamento do períneo e para entender onde fica essa estrutura. Sem preparo, é difícil falar para a mulher relaxar o períneo durante o parto. A gente está falando de abertura, de entrega.
E o pilates e a ioga?
Eles são maravilhosos. Mas o pilates tem um senão para mim, porque o tipo de respiração pode contrair o assoalho pélvico, mais do que relaxar. Então o instrutor tem que saber de fisiologia do parto. E a ioga é ótima. Ajuda a complementar, sim. A relaxar.
No preparo, a fisioterapia também pode ajudar a controlar dores, incontinência urinária e outros sintomas?
Sim. Temos a possibilidade de abordar pessoas com algum tipo de questão, como incontinência ou dor nas costas. Aí usamos recursos da fisioterapia pélvica, eventualmente com aparelhos. Cada um trabalha da sua forma.
Eu acho bacana quando a mulher participa da preparação, porque sabe como era seu corpo e vai ver como fica conforme evolui.
Em geral, as mulheres chegam ao fisioterapeuta por causa dessas reclamações. Ela vem por causa da incontinência, não para fazer um trabalho preventivo. Esse é o desafio que precisamos abordar.
E no pós-parto, onde a fisioterapia entra?
O corpo da mulher se transforma na gestação e no parto. Às vezes, ela não se reconhece. E tem demanda grande de cuidado com o bebê, da amamentação. Depois do parto, seria bom voltar a trabalhar o períneo, retomar o tônus, fazer uma dinâmica corporal. É uma questão preventiva, para manter o corpo funcional.
E tem trabalhos específicos para alguma disfunção. A mulher pode apresentar incontinência urinária, ou diástase. Ou às vezes sente o períneo flácido e dolorido. Ou quer retomar vida sexual. Essas questões podem ser trabalhadas. Mas o legal é vir para olhar o próprio corpo. Cuidar dele.
E temos ginásticas especificas, que recolocam os órgãos no lugar. Eu acho que vale para a vida toda, sabe. É um cuidado para evitar prolapsos de órgão, que é a bexiga cair. Ou o útero, ou o reto. Tem como trabalhar uma boa dinâmica por dentro para se manter bem a vida toda. Porque às vezes o problema só se manifesta com 50 anos de idade. Precisamos pensar no futuro também.
Esse tipo de fisioterapia que acompanha a gestante está inserido em hospitais públicos e privados?
As notícias que eu tenho são as de que, pelo Brasil, há algumas maternidades que abriram espaço para o fisioterapeuta. Tivemos pessoas no Siaparto contando essas histórias. Mas elas batalharam muito por esse acesso. Não foram iniciativas do próprio hospital.
No privado, dá para tentar buscar. No público, depende do lugar. Sei que na Unifesp [Universidade Federal de São Paulo] tem trabalho importante de fisioterapia obstétrica, na USP [Universidade de São Paulo] também. As notícias estão chegando. Esse foi um ano de a gente se reconhecer. É um caminho a ser trilhado.
Fora do país, esse conceito está mais disseminado?
Lá na França, tem trabalho forte de fisioterapia com as gestantes. Dentro das instituições, é oficializado mesmo. Tem fisioterapeuta antes, durante e depois do parto. Mas não tenho notícias sobre outros países, não.
A fisioterapia ajudaria a diminuir as altas taxas de cesariana no Brasil?
Nosso trabalho é principalmente para preparar o parto vaginal, de maneira fisiológica. É possível preparar o períneo para ter um parto vaginal, então acho que ajuda sim.
A ideia é inclusive dar para a mulher mais segurança. Tirar um pouco do medo do períneo frouxo, da dor. São questões culturais que a fisioterapia também combate.
Mas nós também ajudamos em caso de cesariana. As mulheres submetidas a esse tipo de parto se beneficiam da fisioterapia A gente sabe que a gestação em si influencia na dinâmica do períneo e do corpo. O fato de engravidar já é uma mudança na estrutura da mulher.
A importância da fisioterapia na gravidez e no próprio parto Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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