“Já que vamos morrer, ao menos não mataremos mais pessoas lá embaixo.” A trágica mensagem foi recebida pela torre de controle do Aeroporto de Orly, em Paris, na tarde de 11 de julho de 1973. A frase vinha da cabine de um Boeing 707 da Varig, onde o comandante paraibano Gilberto Araújo Silva lutava para respirar.
Enquanto a aeronave ia se enchendo de fumaça, o piloto tentava explicar à torre sua decisão de pousar no meio da zona rural – embora estivessem a menos de um minuto da pista do aeroporto.
Cerca de dez minutos antes, por volta das duas da tarde, o voo cumpria os últimos quilômetros da rota Rio de Janeiro-Paris, com 134 ocupantes. Os pilotos haviam começado o procedimento de descida, quando uma passageira saiu tossindo de um dos banheiros. “Quase morri aí dentro!”, ela exclamou, tropeçando pelo corredor.
Duas comissárias de bordo correram até o lavabo: pela porta aberta, viram um grosso rolo de fumaça. Uma das comissárias foi correndo buscar o extintor de incêndio – mas, quando voltou, o incêndio já estava se espalhando para o corredor.
Quando a fumaça chegou à cabine de comando, o comandante Gilberto Araújo decidiu que a nave não poderia entrar em Paris. Se o avião caísse no perímetro urbano, causaria uma tragédia sem precedentes. A única saída era realizar um pouso de emergência nos arredores da cidade. Havia apenas um terreno desabitado ali por perto: um campo de cebolas, na aldeia de Saulx-les-Chartreux, ao sul da metrópole. À beira da asfixia e sem conseguirem enxergar sequer o painel de controle, piloto e copiloto quebraram as janelas do cockpit, puseram os rostos para fora e realizaram a manobra como se fossem motoristas calculando a largura de uma garagem. No impacto da descida, Araújo lesionou o crânio, a coluna e três vértebras. O copiloto, atingido pelos galhos de uma árvore, teve fratura exposta no braço e um rasgo na mão.
O avião, agora, estava parado. Nos fundos havia uma sinistra calmaria. O pouso fora bem-sucedido, mas a fumaça havia sufocado quase todos os passageiros. O oxigênio das máscaras se esgotara em alguns minutos, e o monóxido de carbono fizera 122 vítimas. Entre elas, o cantor Agostinho dos Santos, a atriz Regina Lecléry e o senador Filinto Müller – que, na época, era presidente do Senado Federal. Entre os tripulantes, quase todos sobreviveram. A cabine contava com quatro tanques de oxigênio; além disso, a abertura das janelas permitira que os comissários e pilotos engolissem menos fumaça. Um único comissário morreu, ao ser arremessado contra o painel do cockpit.
O carioca Ricardo Trajano, então com 19 anos, foi o único sobrevivente entre os passageiros. Durante a descida, ele agachou-se contra a porta entreaberta da cabine de comando – e sobreviveu graças ao ar que vinha das janelas abertas. Minutos depois do pouso, bombeiros franceses encontraram-no desmaiado, com fraturas e queimaduras. Foi retirado com vida antes que o fogo terminasse de consumir o avião.
Uma investigação do Ministério de Transportes da França determinou, mais tarde, que o incêndio provavelmente fora causado por uma ponta de cigarro, jogada na lixeira do banheiro – na época, não era proibido fumar a bordo. Após o desastre em Orly, todas as agências aéreas exigiram que as companhias proibissem o consumo de cigarros nos banheiros das aeronaves. Mas a abolição total do fumo em aviões continuou um assunto polêmico durante mais de dez anos. As companhias aéreas do mundo inteiro só instituíram a proibição em 1988.
Herói malfadado
Por evitar centenas de mortes potenciais no perímetro de Paris, o comandante Gilberto Araújo foi condecorado pela Força Aérea Brasileira e pelo Ministério dos Transportes da França. Poucos anos depois, contudo, o heroico piloto protagonizaria uma nova tragédia, a bordo de um Boeing 707.
Em 30 de janeiro de 1979, Araújo decolou do Aeroporto de Narita, em Tóquio, com destino a Los Angeles. Não havia passageiros a bordo, apenas bagagens. Após 22 minutos de voo, a aeronave sumiu dos radares. O comandante Gilberto Araújo e a tripulação do Boeing desapareceram sobre o Oceano Pacífico, sem deixar vestígios. Ninguém sabe o que aconteceu. “De qualquer forma, meu pai sempre dizia que queria morrer voando”, diz Maria Letícia Chavarria, filha de Araújo.
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