Com o final de Game of Thrones, His Dark Materials é a nova aposta da HBO nas séries de fantasia. A produção, que estreou no início de novembro, é baseada na trilogia de livros homônima escrita pelo britânico Philip Pullman nos anos 1990.
Na última semana, os atores Ruth Wilson e Clarke Peters estiveram no Brasil para a edição de 2019 da CCXP, festival de cultura pop que aconteceu entre os dias 4 e 8 de dezembro em São Paulo. Na série, Ruth e Clarke, interpretam, respectivamente, Marisa Coulter (ou Sra. Coulter) e o reitor da universidade Jordan College, onde parte da história se passa.
A jovem Dafne Keen (a criança de Logan) também viria ao Brasil. Ela interpreta a protagonista Lyra Belacqua, mas acabou não comparecendo. No domingo (8), a SUPER esteve em uma mesa de entrevistas com o elenco e no painel realizado pela HBO na CCXP. Neles, os atores conversaram sobre os seus personagens e os bastidores da produção – e ajudaram a explicar alguns conceitos da série.
Sobre o que se trata His Dark Materials?
O nome Philip Pullman lhe soa familiar? His Dark Materials foi publicado no Brasil com o título Fronteiras do Universo, cujo primeiro livro é “A Bússola de Ouro”, que virou filme em 2007. Mas não se engane: a série não segue a história do longa, que na época não agradou a crítica.
A produção da HBO tem planos de adaptar cada volume da trilogia em uma temporada diferente. A trama gira em torno de Lyra, uma garota órfã que é criada dentro da universidade Jordan College, em um universo paralelo ao nosso em que os humanos estão sempre acompanhados de seus daemons – representações físicas da alma, que se manifestam na forma de animais.
Clarke Peters conta que conheceu Pullman em uma feira de livros em Cardiff, no País de Gales, enquanto filmava a série. “Pullman estava dando uma palestra por lá, e pensei que seria uma ótima chance para falar com ele”, disse. “Na conversa, deu para perceber que ele escreve algo para realmente nos fazer refletir sobre os dilemas do mundo, seja você adulto ou criança.”
Boa parte do pano de fundo de His Dark Materials é recheado de críticas e reflexões diante de alguns aspectos da nossa sociedade. O Magistério, por exemplo, é uma entidade religiosa e a instituição mais poderosa desse universo, e dita o que deve (ou não) ser ensinado às pessoas.
Outra característica da história são as personagens que ainda são crianças, como o caso de Lyra. Pullman consegue falar de assuntos complexos mesmo que sua protagonista tenha pouca idade. “Talvez as crianças vejam o mundo de uma forma melhor que a nossa”, diz Peters, refletindo sobre as escolhas do autor. No painel, teve menção até a Greta Thunberg, a adolescente que movimentou o mundo em 2019 falando sobre a crise climática. “Elas conseguem, muitas vezes, enxergar com mais clareza que os adultos.”
Como a série foi filmada?
A série foi anunciada no final de 2015, e as filmagens aconteceram em 2018 – e tanto a primeira como a segunda temporada já foram gravadas.
Boa parte das cenas foram rodadas dentro de um estúdio na cidade de Cardiff. A Universidade Oxford, que fica no Reino Unido, foi usada como cenário para dar vida a Jordan College, onde a aventura de Lyra começa.
Os sets de filmagem, aliás, foram uma das coisas favoritas para Ruth durante as gravações. “Era incrível. Todos os dias eu entrava lá, conversava com Joel Collins [um dos produtores executivos da série] e ficava brincando dentro daquele submarino. Sentia-me novamente com 12 anos, e poderia passar dias ali só mexendo em todos os botões e alavancas”, brinca.
Como são seus personagens?
Tanto Ruth como Clarke descrevem seus personagens como complexos e cujos atos são questionáveis – antagonistas, de certa forma.
“A Sra. Coulter vive um grande conflito interno, que se agrava quando Lyra entra em sua vida”, explica a atriz. Segundo ela, a chegada da menina faz a personagem questionar tudo o que fez no caminho para chegar aonde está – uma posição de alto prestígio dentro do Magistério. “Mas apesar disso, gosto que ela é uma forte presença feminina, e comanda todos os homens ao seu redor”, complementa. Durante o painel da CCXP, Ruth disse que se inspirou em Hedy Lamarr, uma antiga atriz de Hollywood que criou a tecnologia-base para o GPS. “Ela é muito poderosa.”
Para Ruth, tentar encontrar humanidade dentro da vilã foi seu maior desafio – e também o que mais a atraiu para o papel. “Faz nos refletir sobre ser adulto, e porque acabamos acreditando em certas coisas e não em outras”, diz. Ela fala sobre como é interessante ver como Coulter e Lorde Asrael (papel de James McAvoy) seguem caminhos diferentes apesar da mesma criação. “As coisas ao nosso redor moldam a forma como somos e pensamos.”
Já para Clarke, o que mais o fascina sobre seu personagem é a relação do Reitor com Lyra. “Apesar das decisões difíceis que precisa tomar, ele nunca deixou de acolher e criar Lyra, desde quando ela era apenas um bebê”, diz ele. “Há muito amor nessa relação, e é interessante ver como ele dá a confiança para ela sair e explorar o mundo.”
Como os daemons foram feitos?
As criaturas são um dos destaques do universo de Pullman, e elas funcionam da seguinte forma: todas as pessoas nascem com um daemon, e enquanto são crianças, eles podem assumir a figura que quiserem. Quando se chega à fase adulta, o daemon precisa escolher qual animal ele será para o resto da vida.
Vale ressaltar: como são representações da alma do personagem, compartilham dos seus anseios, desejos – e dores. Se um daemon se ferir, o humano também se machuca e vice-versa. Se um deles morrer…Bom, já deu para entender.
Dar vida aos daemons não foi um processo simples. A série passou mais de um ano em pós-produção, para acertar o CGI das animações (que ficaram realmente convincentes), mas foi preciso também em como os atores iriam interagir com eles. “Eu tinha muito medo de precisar contracenar com aquelas bolas de tênis, presas a um bastão.”, disse Ruth, antes de algumas risadas.
A solução foi criar marionetes realistas. Cada ator fez dupla com um manipulador de bonecos e, juntos, construíram a relação entre daemon e personagem. “Dessa forma, conseguíamos pensar até nos mínimos detalhes, como, por exemplo, imaginar a maneira que o meu macaco se moveria dentro de uma sala”, lembra Ruth.
Os atores contaram que os manipuladores de bonecos traziam emoção aos daemons, mesmo em diálogos em que eles não participavam ativamente. Isso contribuiu para a construção das cenas. “Você olhava para os olhos daqueles bonecos e quase enxerga vida ali”, disse Clarke. A relação daemon/humano é importante, pois é capaz de revelar nuances sobre a personalidade de cada personagem. “Quando estão sozinhos, a Sra. Coulter não fica perto do seu macaco. Isso é incomum, mas é porque ela não consegue lidar com ela mesma”, reflete Ruth.
A produção também usou alguns animais reais, como lagartos e cobras, mas a maioria dos daemons tinha um boneco para ser usado em cena. Mas é claro que algumas adaptações foram feitas. “Nos livros, a Sra. Coulter está sempre segurando o macaco, mas isso seria impossível, pois ele é muito pesado.”, explica Ruth. “Na vida real, seria muito desconfortável que o macaco pulasse no seu ombro, então optamos por deixar isso de fora na série.”
O que é o Pó?
Uma rápida comparação: o Pó está para o universo de His Dark Materials assim como a Força está para o de Star Wars. “O Pó é algo que todos nós compartilhamos”, explica Clarke. “Você pode não conseguir enxergar ou tocar, mas ele está lá, e é o que nos dá energia para fazer as coisas.”
O Pó é um elemento importante na série. O mistério em torno dele é o que motiva a partida do explorador Lorde Asriel para o Norte, deixando Lyra sozinha em Jordan. É o que motiva também as ações do Magistério, que luta para encobrir esse segredo.
O reitor de Jordan tem um grande papel nesse sentido. Clarke conta que ele se vê em um dilema ético: esconder o conhecimento, seguindo as vontades do Magistério, ou incentivar cada vez mais as descobertas sobre o Pó e outros universos. Ele diz que é possível fazer um paralelo com a nossa realidade. “Todos as pessoas deveriam ter acesso ao conhecimento. Você pode não querer, mas a chance de acessá-lo deveria existir de qualquer maneira.” E finaliza: “É preciso haver liberdade para explorar a História.”
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