Remédio causou euforia no mercado financeiro, mas estudos científicos têm resultados mais modestos – e até contraditórios.
Depois das polêmicas envolvendo a cloroquina, outra droga passou ao centro das atenções na luta contra o coronavírus: o remdesivir, medicamento desenvolvido em 2012 contra o vírus ebola. Ele bloqueia a ação da RNA polimerase, uma enzima que os vírus feitos de RNA (como o ebola e o SARS-CoV-2) usam para se reproduzir. Por isso, tem sido considerado uma esperança de tratamento.
Na manhã desta quarta-feira, 29 de abril, a empresa americana Gilead Sciences, criadora do remdesivir, divulgou resultados de um estudo com 397 pacientes. Segundo a empresa, 62% dos que foram tratados de forma “precoce”, até 10 dias após o surgimento de sintomas, tiveram alta do hospital, contra 49% daqueles que receberam a droga após esse período. O anúncio gerou euforia em Wall Street, onde o índice Dow Jones chegou a subir 2,6% (as ações da Gilead, 7%), e teve repercussão global. Mas havia uma falha crítica: a empresa não informou se o estudo incluiu um “grupo de controle” -pacientes que recebem placebo em vez do medicamento. Sem esse elemento, não é possível determinar se o remédio realmente funciona.
Em seu comunicado, a Gilead deu a entender que esse dado seria divulgado pelo NIAID (National Institute of Allergy and Infectious Diseases, um órgão do governo americano), que também está coordenando testes com o remédio. No final da tarde, o NIAID se manifestou, com os seguintes resultados: num estudo de 1063 pacientes, e que teve grupo de controle, os que tomaram remdesivir se recuperaram 31% mais rápido – levaram em média 11 dias, contra 15 dias dos que receberam placebo. A taxa de mortalidade foi ligeiramente menor: 8%, contra 11,6% no grupo de controle.
São efeitos positivos, mas relativamente modestos (a redução de óbitos, por exemplo, não foi considerada estatisticamente significativa). Os novos dados não confirmam as esperanças de uma cura milagrosa – e se inserem num contexto de resultados contraditórios.
No dia 10 de abril, um grupo de médicos americanos (incluindo um funcionário da Gilead) publicou um artigo, no New England Journal of Medicine, com números positivos: o remédio teria melhorado a oxigenação corporal de 68% dos pacientes, e permitido que metade dos que estavam intubados voltasse a respirar sem a ajuda do ventilador mecânico. Mas esse trabalho avaliou apenas 53 doentes, e não teve grupo de controle (placebo). Logo, não pode ser utilizado como prova. Ele não era um estudo científico; apenas um relato sobre o chamado “uso compassivo” –quando um medicamento é administrado a pacientes sem alternativa terapêutica– do remdesivir.
Mais tarde, em 23 de abril, a Organização Mundial da Saúde publicou em seu site os resultados preliminares de um segundo trabalho, feito por cientistas chineses, que chegou à conclusão oposta: testes num grupo de 237 pacientes (158 dos quais receberam a droga, e 79 foram o grupo de controle) não teriam constatado maior taxa de cura, ou recuperação mais rápida, entre quem tomou remdesivir. Alguns dias depois, a OMS removeu o estudo de seu site, alegando que seus resultados não eram finais, e a publicação tinha sido acidental. O trabalho acabou saindo no periódico científico Lancet, com números ligeiramente diferentes mas a mesma conclusão: o remdesivir “não esteve associado a benefícios clínicos estatisticamente significativos”.
O remdesivir não chegou a ser lançado (não obteve aprovação da FDA; deve recebê-la agora, de forma emergencial, nos próximos dias). Por isso, não se sabe qual será seu preço, caso venha a ser adotado contra o coronavírus. Mas um artigo publicado por cientistas ingleses e americanos estima que seja possível fabricar o remédio a baixo custo, em torno de US$ 1 por dia de tratamento (nos estudos, os pacientes têm recebido o medicaamento por 5 a 10 dias). Esse é o custo previsto de produção, sem incluir eventuais royalties/lucro da Gilead.
Remdesivir pode ajudar, mas não é cura milagrosa para o coronavírus Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
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