segunda-feira, 6 de julho de 2020

O coronavírus mudou a maneira de as equipes de saúde trabalharem

A pandemia do novo coronavírus está mostrando a importância da abordagem multidisciplinar no tratamento dos pacientes. O ineditismo da doença tem exigido que tanto os médicos como demais profissionais da saúde trabalhem em conjunto, de igual para igual.

A explicação é simples: o inusitado da Covid-19 é justamente a falta de um diagnóstico único e preciso. A amplitude de sintomas apresentados pelos infectados, bem como a necessidade de prescrições individuais e a evolução particular de cada quadro exige cuidados de muitos profissionais. Além de pneumologistas, entram em cena infectologistas, imunologistas, hematologistas, cardiologistas, gastros e intensivistas – entre outros especialistas médicos – enfermeiros, auxiliares de enfermagem, fisioterapeutas, nutricionistas e psicólogos, todos empenhados na manutenção da vida do paciente.

O interessante (e gratificante, mesmo diante dessa situação adversa) é que estamos acompanhando um verdadeiro trabalho cooperativo. As visitas aos doentes internados nas UTIs – algo, infelizmente, comum nos acometidos pela Covid-19 – são uma prova desse novo protocolo: colaboradores de áreas diferentes passam visita em grupos multifuncionais a fim de obter um prognóstico mais abrangente de cada caso.

Em uma equipe multidisciplinar, o médico acaba tendo um protagonismo, porque está habilitado com o conhecimento técnico para agir, principalmente quando a vida corre risco. Mas o cenário do novo coronavírus deixa claro que, principalmente dentro de um ambiente de UTI, os demais profissionais são vitais na rotina dos internos.

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A enfermagem, por exemplo, é a alma dos hospitais. Enfermeiros e auxiliares estão no dia a dia, acompanhando as evoluções e involuções de cada um. Já os psicólogos precisam tratar da ansiedade, do medo e da insegurança de quem está em condição vulnerável e longe do convívio social. Às vezes, eles lidam também com os familiares, assim como os assistentes sociais, aptos a darem suporte e informações aos parentes impedidos de ficarem próximos pelo risco de infecção. Fisioterapeutas respiratórios, por sua vez, são estratégicos em procedimentos como o desmame do respirador. E assim por diante.

Mudança de hábito

O trabalho multidisciplinar propriamente dito ainda é uma novidade no Brasil, diferentemente do que acontece em outros países. A ideia de cada um fazer a sua parte, mas com maior integração entre as áreas, é mais evidente em especialidades como a oncologia e a cardiologia. Nós, os cardiologistas, somos dependentes da interdisciplinaridade para o bom andamento dos tratamentos. Orientamos o paciente a parar de fumar, o que exige acompanhamento psicológico; a mudar a dieta, o que requer a orientação do nutricionista; propomos a prática da atividade física, que dependerá de um educador físico; sugerimos o acompanhamento do dentista, uma vez que muitas doenças cardíacas têm relação com a saúde bucal.

Não para menos, a visão integralista da medicina está no DNA da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp) há cerca de 30 anos. No nosso último Congresso Virtual de Cardiologia, ocorrido entre os dias 29 de junho e 2 de julho, não foi diferente. A programação contou com temas como:

  • Uma doença do corpo e da alma; a atenção psicológica no enfrentamento da pandemia da Covid-19
  • Desafios e resultados da implementação de hospitais de campanha sob a ótica da enfermagem
  • Entendendo os desafios do suporte ventilatório na Covid-19: evidências relevantes
  • O farmacêutico clínico na assistência aos pacientes cardiológicos com coronavírus
  • Covid-19 e metabolismo lipídico
  • Os desafios dos profissionais de serviço social em tempos de pandemia

Hierarquização

A inovação da multidisciplinaridade ainda bate de frente com certa hierarquização da medicina. Mesmo quando o médico compreende a necessidade de outro médico ou da atuação de profissional técnico para a boa conduta, é ele quem fará a indicação ao fisioterapeuta, à nutricionista, ao psicólogo etc. E ainda existem aqueles que acreditam que podem centralizar: indicar a melhor dieta ou exercícios físicos e dar suporte psicológico, sem apoio de outros especialistas.

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Mas nenhuma formação profissional em saúde é completa. Cada um tem seu ponto forte e seu conhecimento. E olhe o tamanho do prejuízo: sem uma prescrição médica para sessões de fisioterapia, por exemplo, o paciente não pode acessar o serviço via convênio.

A integração é o caminho funcional e benéfico para todos os envolvidos no processo. O paciente não é um fígado, um rim ou um coração. Ele é um organismo que precisa ser analisado em sua pluralidade, levando em conta o histórico de vida, as queixas e os sentimentos envolvidos. A Covid-19 veio ensinar novas lições e prescrever novas práticas médicas, como a necessidade de intercooperação na área da saúde. Resta fazer uso desta receita.

*Lília Nigro Maia é cardiologista, diretora de Qualidade Assistencial da Socesp, professora adjunta de Cardiologia da Faculdade de Medicina de Rio Preto e diretora médica do Centro Integrado de Pesquisa (CIP).


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