Império Oyo, parte da atual Nigéria, século 16. De pés descalços e sobre um piso de terra batida, um grupo de pessoas dá início a uma cerimônia religiosa. Os homens tocam instrumentos musicais de percussão. As mulheres, boa parte com os cabelos raspados, batem palmas e entoam cânticos no idioma local, o iorubá.
Em poucos instantes, alguns dos participantes entram em transe. São levados para dentro de um casebre, de onde voltam com as cabeças cobertas por adornos de palha e penas. Estão recebendo os orixás, as forças criadoras de tudo, e os eguguns, os espíritos dos ancestrais mais importantes daquela comunidade.
Apavorados, alguns poucos europeus assistem à celebração, que nem de longe lembra as missas cristãs que frequentam em suas cidades de origem. A descrição faz parte dos registros feitos pela tripulação do capitão inglês Thomas Wyndham, que visitou o lugar em 1553.
Durante três séculos e meio, muitos desses africanos religiosos foram espalhados pelo mundo a bordo de navios negreiros. Despachados para as Américas, sem perspectiva alguma, se agarravam e buscavam forças em seus costumes natais. Desse êxodo surgiram religiões distintas, do candomblé ao quimbois, todas elas mesclando influências e hábitos de escravos de duas regiões distintas da África.
Nigéria e Benin
Da localidade conhecida como Costa da Mina, que englobava os atuais Gana, Togo, Benin e sul da Nigéria, saíram 4,4 milhões dos 5 milhões de africanos escravizados que aportaram no Brasil entre os séculos 16 e 19. À época, o território africano era dominado por diferentes Estados independentes, como o Império Oyo, o Reino do Daomé, as terras
dos povos axante e o Reino de Nri. Cada lugar tinha sua própria religião, mas as que realmente inspiraram as crenças desenvolvidas nas Américas foram os povos Iorubá e Fon.
O povo Fon, que habitava onde hoje fica o Benin, é o responsável pelas religiões de influência Jeje, centradas no deus Mawu, com práticas que envolvem vodu. Porém, a matriz de maior ascendência por aqui é a dos iorubás, que viviam no Império Oyo. Vem dali o costume de jogar búzios para prever o futuro e de se comunicar com o mundo sobrenatural. Também é iorubana a fé em vários deuses, cada um com personalidade própria e poderes específicos. Os orixás dos iorubás somavam centenas, incluindo muitos que não se estabeleceram no Brasil – caso de Ajalá (que fabrica a cabeça dos homens), Onilé (senhora do planeta Terra) e Olocum (o orixá dos mares; só no Brasil Iemanjá é relacionada aos oceanos).
Não é viável precisar o início das religiões africanas. Os colonizadores europeus começaram a observar os cultos e a transcrever as lendas só a partir do século 16. Antes disso, não havia registro escrito sobre a fé e a mitologia da região.
“É impossível saber quando uma religião africana começou. Relatos de viajantes descrevem religiões que cultuavam deuses e entidades, muitas vezes relacionados a elementos da natureza, e que já estavam organizadas há séculos”, afirma o arqueólogo e antropólogo Rodrigo Pereira, pesquisador do Laboratório de História das Experiências Religiosas da Universidade Federal do Rio de Janeiro. diz o cientista social Pedro Neto, pesquisador da antropologia das populações afro-brasileiras, completa: “Quase todas essas sociedades tradicionais não compreendem sua relação com o sagrado como religião. Ela está relacionada ao dia a dia”.
O mesmo acontece com as grandes religiões. Quando a maior parte da Bíblia foi escrita, no período entre 3000 a.C. e 2.500 a.C., o culto israelita que daria origem ao judaísmo e, bem mais tarde, ao cristianismo nem era chamado de “religião”. A palavra simplesmente não existia.
Congo e Angola
Mais de 2,4 mil quilômetros ao sul da atual Nigéria, fica uma outra região que enviou escravos às Américas. Foram menos pessoas – aproximadamente 600 mil, e por menos tempo: o período de 70 anos entre 1580 e 1650. O território, que hoje chamamos de Angola, foi controlado pelos portugueses do século 16 até 1975. Já o reino do Congo, que englobava parte da atual Angola e um pedaço do atual Congo, existia desde o século 12 e se manteve independente até 1857, mas negociava escravos com os portugueses.
A região tinha uma prática religiosa diferente, influenciada pelo povo Bantu, que chegou ao norte da África e controlou o território central com técnicas avançadas de agricultura e cidades militarmente bem protegidas. Os bantus chamam suas entidades religiosas de inquices. Algumas até podem ser comparadas aos orixás – caso de Dandalunda, patrona das águas e das mulheres grávidas e, no Brasil, relacionada a Iemanjá e Oxum.
Enfim, são três os grupos que deram cria às religiões brasileiras: Iorubá, Fon e Bantu. Como cada um deles se desenvolveu, você descobre nas próximas páginas, que retratam o nascimento do candomblé e da umbanda em grandes cidades portuárias do País: Salvador e Rio de Janeiro, respectivamente.
As raízes das religiões afro Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
Nenhum comentário:
Postar um comentário