terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

E se… o Brasil tivesse adotado a política do filho único?

407 mil reais. Esse é o dinheiro que uma família brasileira precisa desembolsar para criar um filho até os 23 anos, segundo uma estimativa do Instituto Nacional de Vendas e Trade Marketing (Invent). O dado é de 2013 – se fosse corrigida pela inflação, a despesa seria ainda maior, de R$ 578 mil. E isso se a família pertencer à classe C (renda entre  R$ 2.005 e R$ 8.640). Em casas mais abastadas, a conta pode ultrapassar os R$ 2 milhões.

Achou caro? Milhares de brasileiros têm certeza disso. Tanto que, segundo o último levantamento do IBGE, a porcentagem de casais que optaram por não ter crianças foi de 19,4% do total. Ou seja: hoje, para uma em cada cinco famílias do País, ter filho não é prioridade. O número de filhos por casal no Brasil está em declínio e, em 2018, chegou à marca de 1,77 – inferior à média da América Latina (2,0) e do mundo (2,5).

Mas nem sempre foi assim. No final da década de 1960, a taxa de natalidade do Brasil era de 6,07 filhos por mulher – equivalente à do Mali hoje. Nas décadas de 1960 e 1970, aliás, a população do planeta crescia a uma taxa de 20% a cada dez anos – o dobro da atual. 

No final da década de 1960, a taxa de natalidade do Brasil era de 6,07 filhos por mulher

O caso era especialmente delicado na China, que já tinha uma população considerável e cada mãe seguia dando à luz 5,75 filhos, em média. No final dos anos 1970, a população do país era de 980 milhões de pessoas – a produção de alimentos da época ameaçava não dar conta. Em 1979, por decisão do então presidente Deng Xiaoping, teve início o maior experimento de engenharia demográfica da história. Segundo estimativas do governo, a chamada “política do filho único” evitou o nascimento de pelo menos 400 milhões de chineses – sim, quase dois Brasis – até ser revogada, há três anos. Mas e se o nosso país tivesse feito o mesmo?

Bom, considerando que a população da China em 1980 era de 980 milhões e que em 2016, ano em que extinguiram a política, eram 1,379 bilhão de chineses, tivemos por lá um aumento de 40%.

Faz sentido, então, transplantar essa taxa para a nossa hipótese. Se o Brasil tivesse adotado a política de filho único em 1979, quando ainda contava com 121 milhões de habitantes, hoje seríamos 170 milhões de pessoas –  39 milhões de brasileiros a menos em comparação aos atuais 209 milhões.

Essa mudança na pirâmide populacional, porém, não seria uniforme. E isso vale também no que diz respeito à proporção entre homens e mulheres. Hoje, no Brasil, nascem menos homens do que mulheres (são 97 meninos para cada 100 meninas). Mas, na China, a política do filho único gerou um desequilíbrio: a quantidade de homens aumentou desproporcionalmente.

Em 1980, 80% da população chinesa era rural. Filhos homens eram essenciais para o trabalho pesado do campo, enquanto as mulheres eram vistas como um fardo. O fato de a grande maioria das famílias querer um filho homem fez crescer o número de abortos de meninas, ou de infanticídio. À época, a proporção era de 105 homens para cada 100 mulheres, mas ela disparou ao longo do tempo – e, em 2015, a China tinha 115 meninos para cada 100 meninas com idade até 14 anos.

Em 2015, a China tinha 115 meninos para cada 100 meninas com idade até 14 anos.

Claro, não é razoável supor que o Brasil fosse praticar infanticídios, como ocorreu na China. Mas, como os homens tendem a ganhar salários maiores, talvez houvesse alguma preferência por filhos meninos. Como dá para saber o sexo da criança com três meses de gravidez, e os exames de ultrassom existem desde a década de 1950, não é improvável que também tivéssemos mais abortos de meninas. 

E isso poderia ter consequências sociais espantosas. Um levantamento feito pelo Instituto para Estudos do Trabalho (IZA), na Alemanha, usou dados coletados na China entre 1988 e 2004 para revelar que um incremento de apenas 0,01% na proporção absoluta entre homens e mulheres é suficiente para aumentar a violência e a incidência de crimes em 3%.

Outra consequência é que a pirâmide etária brasileira seria invertida, ou seja, haveria mais idosos e menos jovens – processo que estamos atravessando para valer agora. Em 2017, a porcentagem de chineses com mais de 65 anos era de 10,7% (no Brasil, 8,5% da população está nessa faixa etária, segundo dados do Banco Mundial). Com mais gente acima dos 65 anos, o rombo na Previdência Social se tornaria um problema ainda maior do que já é. Se a política do filho único tivesse acontecido por aqui no mesmo período em que ocorreu na China, teríamos 3,8 milhões de idosos a mais.

O impacto se estenderia até à saúde pública. A obesidade infantil aumentou na China do filho único. Enquanto problemas do tipo afetavam cerca de 2% das crianças entre 1981 e 1985, o total chegou à casa dos 21% entre 2006 e 2010. O IMC (Índice de Massa Corporal), da mesma forma, costumava ser maior em filhos únicos. Em comparação com quem tinha irmãos, eles mostraram risco 23% maior de apresentar problemas com a balança. Também usavam mais internet e viam mais TV.

Até pouco tempo atrás, ainda havia quem defendesse política do filho único no Brasil. O medo era de que uma eventual superpopulação nos levasse a um apocalipse. O aumento brutal na produtividade agrícola nas últimas décadas (aqui e lá fora) afastou esse fantasma. E agora a hipótese soa como piada. Ainda bem. Uma sociedade mais violenta e uma Previdência ainda mais quebrada até daria para aguentar. Mais crianças mimadas, não.


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