Uma coisa que físicos e químicos sabem muito bem desde o finzinho do século 19 é o seguinte: certos gases da nossa atmosfera, como o vapor d’água e o dióxido de carbono (CO2, para os íntimos), funcionam, grosso modo, como um cobertor.
Cobertores não possuem nenhuma propriedade mágica capaz de esquentar o corpo da pessoa coberta. O que eles fazem é simplesmente reter, debaixo deles, o calor produzido pelo próprio organismo da pessoa. Assim é com a atmosfera. O Sol esquenta a superfície da Terra; a radiação infravermelha assim gerada (o popular calor) começa a escapar rumo ao espaço; as tais substâncias – pode chamá-las de “gases-estufa” de modo coletivo – retêm parte do calor cá embaixo. Eis o que chamamos de efeito estufa* – atenção, não confundir com aquecimento global.
Em seu estado natural, ele é uma coisa boa. Mas, como toda avó desde os tempos mais recuados sempre disse, tudo o que é demais faz mal. Desde o fim do século 18, a humanidade tem usado o truque de queimar combustíveis fósseis – basicamente matéria orgânica que ficou soterrada por milhões de anos, na forma de petróleo ou carvão – para movimentar máquinas, veículos e a economia como um todo. Nessa brincadeira, a quantidade de CO2 solta por aí na atmosfera aumentou loucamente. Foi de 280 ppm (partes por milhão) na era anterior ao surgimento de indústrias para 410 ppm no ano passado. É o nível mais alto em pelo menos 1 milhão de anos.
É lógico que isso ia ter algum efeito sobre o clima, como já sugeria Svante Arrhenius em 1896. De lá para cá, a temperatura média da Terra aumentou cerca de 1 grau Celsius, de modo que não é mais uma discussão “será que vai acontecer”. Parece pouco, e alguns lugares estão sendo menos afetados do que outros porque a circulação dos ventos e das correntes marinhas distribui esse calor de modo desigual – mas já dá para fazer muito estrago.
Quem tem tomado mais porrada são as regiões polares, em especial o Ártico. Por lá, a cada década, o período em que há derretimento do gelo marinho – o Polo Norte, afinal, é basicamente mar – fica cinco dias mais longo. Nesse ritmo, na próxima década pode ser que já vejamos um Ártico sem nenhum gelo marinho durante o verão, o que significa ursos polares passando uma fome dos diabos, já que eles dependem de plataformas de gelo para poder caçar. Coisas igualmente esquisitas estão acontecendo em regiões da Antártida, na Groenlândia e nas geleiras que recobrem montanhas.
Mas é óbvio que não é só isso. Caso você não tenha reparado, os anos têm ficado, em média, cada vez mais quentes**. Injetar mais calor na atmosfera é uma receita quase certa para o surgimento de eventos climáticos extremos – ondas de calor devastadoras, tempestades violentas e, paradoxalmente, também momentos de frio extremo. Imagine um sujeito que está num barco e começa a pular nas pontas da embarcação. É lógico que o barco vai balançar loucamente. É mais ou menos o que estamos aprontando com o clima.
Todas essas alterações estão acontecendo num ritmo velocíssimo se comparadas com o que sabemos sobre mudanças climáticas no passado geológico do planeta. Isso significa que elas têm potencial para serem catastróficas, ameaçando a sobrevivência da maior parte da espécie humana ou mesmo a de muitos outros seres vivos?
Como diria Ronnie Von, significa. Mas potencial não é garantia. Nesse ponto, as incertezas ainda são grandes. Tudo vai depender do que acontecerá com a trajetória de emissões de gases-estufa – por enquanto, não há sinais claros de que ela vá diminuir muito nas próximas décadas – e também das possibilidades de efeitos não lineares no sistema climático. Trocando em miúdos: pode ser que, quando certo limiar for ultrapassado, ocorram mudanças repentinas – um derretimento descontrolado das geleiras da Antártida, digamos, ou mudanças brutais nas correntes marinhas. Pode ser também que fenômenos inesperados da biosfera, com um aumento da capacidade das plantas de absorver CO2, apareçam no caminho para compensar. Não dá para saber. Mas você quer arriscar?
*Efeito estufa: A capacidade de uma atmosfera de absorver radiação infravermelha (calor). Se não existisse, a Terra teria temperatura média abaixo de zero.
**Anos mais quentes: Dos 10 anos mais calorosos da história (desde 1880), 9 foram registrados neste século (2016, por enquanto, é o atual recordista).
Entenda de uma vez: aquecimento global Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
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