sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Maconha medicinal: o que muda na prática com a nova regulamentação?

Na terça-feira (3 de dezembro), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou a venda de produtos à base de maconha para uso medicinal. Com a regulamentação, eles poderão ser comercializados em farmácias e drogarias, mediante prescrição médica.

A norma só entrará em vigor 90 dias após sua publicação. A partir daí, empresas nacionais e internacionais interessadas na produção e na distribuição poderão fazer uma solicitação para o órgão público — desde que cumpram uma série de requisitos.

Atenção: a nova regulação não permite que esses itens sejam chamados de medicamentos. Eles são “produtos à base de cannabis”, uma nova classe sujeita a uma vigilância específica. Geralmente vendidos como óleos, eles serão produzidos apenas para administração via oral e nasal (não é autorizado fumá-los, portanto).

O plantio, contudo, não foi liberado. Isso significa que os produtores brasileiros só terão direito a importar um substrato com componentes da maconha para transformá-los em um produto para fins medicinais. O cultivo com o mesmo fim está vetado.

Apesar de toda a discussão, alguns brasileiros já conseguiam comprar certos produtos à base componentes da maconha, como o CBD. Eles eram usados contra Parkinson, epilepsia, sintomas do autismo, dores do câncer e por aí vai. Então, o que muda na prática?

Para responder essa pergunta, SAÚDE conversou com o biotecnólogo Gabriel Barbosa, analista de Desenvolvimento Regulatório e Projetos Científicos da HempMeds, empresa que importa produtos medicinais à base de cannabis sativa de forma judicializada.

O que muda com a aprovação da venda de produtos à base de maconha para fins medicinais?

Para ter acesso a esses remédios, atualmente a pessoa precisa que o médico faça uma receita e um laudo completo. O doutor ainda assina um termo de responsabilidade, atestando que ele e o paciente sabem que se trata de um elemento não registrado e de uso pessoal e intransferível. Daí o indivíduo encaminha esses documentos à Anvisa pelo portal do Governo Federal para solicitar uma autorização excepcional de importação.

O processo todo é, além de burocrático, lento. “Hoje, há uma demanda grande. Mais de 2 mil pedidos são feitos por ano”, aponta Gabriel Barbosa.

Segundo o biotecnólogo, o tempo de resposta das autoridades demora, em média, 50 dias. Ou seja, são quase dois meses para saber se você terá acesso à medicação.

“Como a gente não possui produtos vendidos dentro do Brasil, ele precisa sair dos Estados Unidos e vir para cá. E esse processo leva mais duas semanas. No final, são basicamente três meses de espera”, relata o analista.

As dificuldades impostas e a importação em si naturalmente contribuem para um aumento no custo desses remédios. Resultado: quem não tem dinheiro para o tratamento muitas vezes procura o Poder Judiciário para ser bancado pelos cofres públicos. Em suma, é um custo adicional até para o governo.

“A principal mudança é que agora será mais fácil registrar os produtos. A norma permite que eles sejam disponibilizados nas farmácias que não são de manipulação”, arremata Barbosa.

No fim das contas, em vez de sair da consulta com aquela papelada e precisar esperar meses, o paciente pega uma receita controlada, vai a uma farmácia e faz a compra. É mais simples e provavelmente mais barato, até porque a mudança nas regras tende a fazer com que vários laboratórios nacionais criem seus produtos à base de canabidiol (CBD) ou THC, os principais componentes da maconha.

E qual o impacto da proibição do plantio?

Na audiência, a proposta do cultivo de maconha estritamente para fins medicinais foi arquivada. Barbosa explica que a rejeição impacta diretamente no preço, que ficaria ainda mais baixo.

“Os substratos da cannabis importados são de origem europeia ou americana. E vemos que o dólar está batendo na casa dos 4 a 5 reais, o que pesa no bolso”, contextualiza o profissional.

Em caso de aprovação, essa etapa de importação não seria mais necessária para várias empresas. “A gente sabe que o Brasil é um país essencialmente agrícola. Temos um potencial grande de sermos um dos maiores produtores de maconha para fins medicinais do mundo”, aponta Barbosa.


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