Apesar de todas as dúvidas geradas pelo novo coronavírus, a comunidade médica tem uma certeza: estamos vendo um capítulo inédito da infectologia ser escrito a cada dia deste ano histórico. Os multissintomas e as consequências da Covid-19 farão com que médicos e cientistas demorem muito tempo para desvendar completamente a doença.
No perímetro da cardiologia não é diferente: o coração é um dos órgãos mais impactados pelo Sars-CoV-2. Já se sabe que pacientes com comorbidades cardíacas estão mais sujeitos às versões severas do novo coronavírus. Por outro lado, a Covid-19 parece favorecer síndromes coronárias agudas, arritmia, isquemia miocárdica, falência cardíaca e miocardites – que podem ser muito perigosas.
Entre essas condições, eu gostaria de me concentrar na miocardite. Essa é uma inflamação do músculo cardíaco, responsável pelo bombeamento de sangue para os órgãos. É uma doença bem conhecida entre os cardiologistas. Mas a ocorrência de miocardites nos quadros de Covid-19 tem preocupado os especialistas.
O fato é que as miocardites associadas ao novo coronavírus são significativamente diferentes em relação às causadas pelos demais vírus, de acordo com o que já é observado na literatura e também pela equipe do Laboratório da Unidade de Miocardiopatias do Instituto do Coração, em São Paulo. As originadas pela Covid-19 parecem agredir o coração de uma maneira diferente, embora não existam evidências muito claras.
A relevância da pauta fez o tema ser abordado na aula inaugural do Congresso Virtual da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo – SOCESP, ocorrido no final de junho. Durante a palestra, foi apresentado um recente estudo chinês, feito com base em 150 pacientes. Do grupo, 33% dos que morreram com comprometimento respiratório também apresentavam acometimento cardíaco, com lesão miocárdica ou insuficiência cardíaca documentada.
E mais: 7% das vítimas fatais tiveram lesão cardíaca isolada, evoluindo para choque cardiogênico. Ou seja, de acordo com o estudo, existem evidências de um mecanismo de agressão miocárdica primária ou secundária provocada pelo Sars-CoV-2.
O avanço dos estudos
As pesquisas sobre miorcadites derivadas da Covid-19 seguem em ritmo acelerado. O trabalho principal consiste em avaliar amostras do miocárdio — uma estrutura do coração — provenientes da necrópsia dos diagnosticados com o novo coronavírus. O objetivo é identificar os mecanismos de agressão que afetam o órgão de pacientes sem histórico de cardiopatia, mas que evoluíram para o estágio grave e, com enfraquecimento do coração, vieram a óbito.
O diagnóstico de miocardite provocada pela Covid-19 é feito pelos sinais e sintomas de insuficiência cardíaca; biomarcadores de lesão (substâncias liberadas no sangue quando há lesão cardíaca); alterações eletrocardiográficas e exames de imagem com avaliação funcional (o ecocardiograma). Mas a falta de materialidade para fechar o laudo e de tratamentos eficazes e seguros ainda exigem cautela por parte das equipes médicas.
Gripes, febre reumática, doença de Chagas e aids também provocam miocardite
A miocardite é geralmente derivada de uma infecção viral, porém também pode ser bacteriana. Quando a doença se agrava, é capaz de enfraquecer o coração, causando insuficiência cardíaca, frequência cardíaca anormal e até morte súbita. O tratamento irá incluir medicamentos para regular os batimentos e melhorar a função do coração. Em casos graves e menos comuns, um dispositivo é implantado para auxiliar no seu funcionamento.
Gripes, febre reumática, doença de Chagas e até aids tem potencial para provocar miocardites. Devido a falhas do sistema imunológico ou mesmo por uma afinidade do micro-organismo pelo tecido do coração, o agente infeccioso consegue vencer as barreiras orgânicas naturais e atingir o músculo cardíaco.
A miocardite pode se apresentar completamente assintomática ou acompanhada de febre, dor no peito e falta de ar. Da mesma forma, a sensação de fadiga, batedeira, inchaço de membros e a ocorrência de desmaios são indicativos de arritmias, bloqueios denominados atrioventriculares ou insuficiência cardíaca. Outros sintomas, como dores articulares, náuseas e vômitos, também sugerem um quadro infeccioso e devem ser avaliados precocemente por um médico. Nunca negligencie essas manifestações. Mesmo – e principalmente – em tempos de pandemia.
* Félix José Alvarez Ramires é cardiologista e coordenador do Laboratório da Unidade de Miocardiopatias do Instituto do Coração da Universidade de São Paulo. Foi um dos coordenadores científicos do Congresso Virtual da SOCESP.
Coronavírus pode causar um novo tipo de miocardite Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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