Há dois anos, cientistas italianos afirmaram ter encontrado evidências da existência de água líquida e salgada embaixo da superfície de Marte, no que seria um grande lago coberto por uma grossa camada de gelo no polo sul do planeta. Na época, a descoberta do possível primeiro corpo de água líquida no Planeta Vermelho foi recebida com entusiasmo – e também com um pouco de ceticismo, já que havia poucas provas para afirmar algo tão ousado.
Agora, porém, a mesma equipe voltou a revelar novos dados que não só parecem comprovar a existência do tal lago como também indicam que outros três corpos de água podem existir na região. Os resultados foram publicados na revista Nature Astronomy no dia 28 de setembro.
As descobertas foram feitas por meio da sonda Mars Express, da Agência Espacial Europeia (ESA), que está orbitando nosso vizinho cósmico desde 2003. A nave está equipada com um instrumento conhecido como MARSIS, que emite ondas de rádio em direção à Marte. Essas ondas são refletidas pelos materiais da superfície e debaixo dela, e voltam a ser detectados pelo equipamento na nave. Dependendo do material que elas encontram, as ondas são refletidas de maneira diferente. Isso permite que os pesquisadores descubram o que exatamente está lá embaixo – rochas, gelo ou água líquida, por exemplo, sendo que essa última reflete as ondas do radar de forma mais eficiente.
Em 2018, a equipe de astrônomos anunciou na revista Science que, em uma região específica do polo sul marciano, as ondas de rádio estavam sendo refletidas de forma intensa, indicando que haveria água líquida mais de um quilômetro abaixo da superfície do planeta, que nessa região é formada por gelo. Foi um grande avanço: já sabíamos que existe água em Marte, mas os cientistas só tinham encontrado ela na forma sólida até então, em grandes geleiras tanto na superfície quanto abaixo dela, além de terem detectado vapor em sua superfície. A observação de 2018 foi a primeira na forma líquida – mas, na época, especialistas alertaram que seria prudente esperar novas provas para confirmar a descoberta.
Por isso, os cientistas italianos reuniram mais dados da sonda Mars Express, coletados entre 2012 e 2019, e refizeram seus cálculos. Para sua surpresa, não só os novos resultados confirmaram a presença do primeiro lago como também revelaram um sistema hídrico complexo abaixo da superfície na região, contendo pelo menos outros três corpos de água menores ao seu redor. Segundo os pesquisadores, o lago “principal”, já detectado anteriormente, tem cerca de 30 quilômetros de uma margem a outra, enquanto os outros três descobertos possuem apenas alguns quilômetros de extensão. Todos estão 1,5 quilômetros abaixo da camada de gelo da superfície.
A existência de água líquida em Marte é um tanto misteriosa: sabemos que, por não ter uma atmosfera consistente, a pressão da superfície de Marte seria baixa demais para permitir que o líquido existisse por lá. Por isso, o planeta sempre foi visto como um lugar árido e desértico – apesar de algumas regiões, como o polo sul, apresentarem camadas de água congelada na forma de grandes e grossas geleiras.
Por muito tempo, porém, cientistas teorizavam que poderia haver água líquida presa no subsolo marciano, inclusive embaixo dessas camadas de gelo. São os chamados lagos subglaciais, que também ocorrem aqui na Terra. Esses corpos de água marciana podem ser remanescentes de uma época em que as condições do Planeta Vermelho eram mais amigáveis e rios e lagos corriam em sua superfície.
Descobrir esses possíveis lagos também traria uma atualização muito interessante para a busca de vida extraterrestre: sabemos que água é um ingrediente essencial para a vida, e que microrganismos podem existir em lagos subglaciais, inclusive na Terra. Dessa forma, a teoria da existência de água líquida em Marte apontaria um novo caminho para procurarmos vida fora do nosso planeta.
Mas mesmo essa teoria tem um problema: as temperaturas de Marte são baixas demais para manter a água líquida, mesmo abaixo da superfície. Os astrônomos concordam que não há nenhuma evidência de que o calor do interior do planeta pudesse esquentar essas regiões subterrâneas a ponto de propiciar a existência de água líquida, como uma fonte termal de energia – essa seria a explicação mais simples para o derretimento do gelo. Dessa forma, podemos pensar na existência da água líquida semente se ela for uma água muito salgada. Isso porque adicionar sais na água diminui sua temperatura de congelamento, seja em Marte ou na Terra.
Assim, se de fato o que foi detectado são lagos de água líquida, eles devem ser extremamente salgados – talvez salgados demais para abrigar vida. Microrganismos até sobrevivem em locais com alta concentração de sal, mas só até certo ponto. Em uma água vinte vezes mais salgada que a do mar, por exemplo, quase não há vida.
Para checar essa possibilidade, novos estudos devem ser feitos na região – embora alcançar 1,5 quilômetros abaixo das geleiras marcianas não parece ser um trabalho nada fácil, e muito menos barato. Por outro lado, esses são os únicos lagos encontrados em Marte até agora, então valeria a pena investir. Os pesquisadores sugerem que a presença de água líquida abaixo da superfície do planeta talvez seja algo comum, o que tornaria outros corpos de água mais acessíveis para futuras pesquisas.
Lagos de água líquida são encontrados abaixo da superfície de Marte Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
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