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O jovem biólogo Richard Dawkins pesquisava o comportamento de grilos em 1973, quando uma greve no setor da mineração – e a subsequente escassez de combustíveis fósseis – interromperam o fornecimento de energia elétrica na Inglaterra por longos períodos. Só havia luz três dias por semana. Limitado a uma máquina de escrever, Dawkins esboçou o primeiro capítulo do que se tornaria O Gene Egoísta: a obra de divulgação científica mais influente (e polêmica) do século 20, e o livro mais famoso publicado por um biólogo desde A Origem das Espécies.
O primeiro volume da carreira de Dawkins é lido com frequência por seus fãs como emissário de uma visão niilista sobre a natureza humana (“Nós somos robôs cegamente programados para preservar as moléculas egoístas conhecidas como genes”) e um manifesto apaixonado pela validade da teoria da evolução (“Se criaturas superiores vindas do espaço um dia visitarem a Terra, a primeira pergunta que farão, de modo a avaliar o nível de nossa civilização, será: ‘Eles já descobriram a evolução?'”)
É um erro ler “O Gene Egoísta” através desses dois primas, ainda que seja difícil não cair em tentação.
Primeiro, porque ao dizer que Dawkins advoga por Darwin, fica a impressão de que existe uma alternativa, quando não há: é um fato que a vida na Terra evolui – lembrando sempre que a palavra “evolução”, na acepção utilizada pelos biólogos, não significa “melhoria”, e sim “transformação”, mesmo que esta seja no sentido de maior simplicidade, e não complexidade. E também é um fato que uma das forças que impulsionam a evolução é a seleção natural, ainda que não seja a única.
Se Dawkins, ao apresentar uma das maiores realizações intelectuais da humanidade, se vê obrigado fazê-lo em tom combativo, é porque o criacionismo interferia na época (e interfere até hoje) nas políticas públicas e no imaginário popular – e não porque as ideias que sustentam a biologia contemporânea sofram com alguma falta coerência ou sustentação. Evidências são evidências, crenças são crenças, a ciência só trabalha com evidências.
As acusações de niilismo também demonstram uma incompreensão fundamental do público sobre o método científico: ele mostra o mundo como é, e não como deveria ser. Descobrir que a natureza humana é assim ou assado é algo bem diferente de dizer que a natureza humana deveria ser assim ou assado. O bom de ser um macaco consciente que construiu uma civilização é ter a capacidade de lidar e conter seus próprios impulsos. Dawkins resume o raciocínio: “Tratemos então de ensinar a generosidade e o altruísmo, porque nascemos egoístas”
A grande realização de Dawkins, n’O Gene Egoísta, não foi nem defender Darwin nem nos convencer de que a vida não tem sentido, e sim apresentar com simplicidade os últimos 70 anos de avanços na biologia evolutiva, que haviam passado em grande parte despercebidos do público leigo (ou pior: soterrados pela vergonha da eugenia e da higienização racial na primeira metade do século 20).
De 1900 em diante, biólogos como J. B S. Haldane, Sewall Wright e R. A. Fisher conseguiram conciliar o campo recém-nascido na genética com a seleção natural proposta por Darwin, e alicerçar essas duas ideias em uma base matemática sólida que ficou conhecida como Síntese Moderna. Qualquer biólogo especialista em uma área chamada genética de populações estuda processos evolutivos da perspectiva dos genes que aumentam ou diminuem de frequência em um grupamento de animais da mesma espécie.
Dawkins não foi um teórico inovador em sua área. Agiu mais como um filósofo: sua grande realização foi encontrar um novo jeito de olhar a biologia a partir da genética de populações; um jeito que evidencia o papel central do gene. Ao acrescentar, no livro, as conclusões da geração seguinte de biólogos, como William Hamilton e John Maynard Smith, Dawkins explica como é possível expandir as ideias da genética de populações de forma aplicá-las para explicar o comportamento animal. É daí que vem o toque niilista da obra: nosso comportamento é moldado pela natureza conforme o que dá certo para nossos genes.
O Gene Egoísta é uma leitura obrigatória para entender a ciência do século 20 e suas implicações na maneira como vemos o mundo.
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