segunda-feira, 29 de abril de 2019

Mecânica quântica e universos paralelos – a física de Vingadores: Ultimato

A SUPER nem precisa avisar que esta matéria é o maior poço de spoilers de Vingadores: Ultimato desde a embalagem de hambúrguer da thread abaixo. Se você não viu o filme ainda, só vai embora, por favor. Agradecemos a audiência, mas é para o seu bem.

Feito o aviso, vamos lá: Ultimato gira todo em torno de viagens no tempo. Mais do que isso: Ultimato é o primeiro filme da cultura pop que baseia suas viagens no tempo na hipótese do multiverso quântico. 

Antes de começar a divagação pela física teórica, façamos uma revisão rápida do enredo: no fim de Guerra Infinita, o vilão Thanos mata 50% dos seres vivos da Terra e então destrói as Joias do Infinito – que permitiriam reverter a situação.

5 anos depois, Scott Lang, o Homem-Formiga, escapa do mundo quântico e vai ao QG dos Vingadores. Como, da perspectiva de Lang, apenas 5 horas se passaram, ele levanta a hipótese de que o quantum realm permite viagens no tempo. Com uma mãozinha da teoria de Schrödinger e Heisenberg, seria possível coletar as Joias do Infinito na época em que elas ainda existiam – e virar o jogo.

Calha que é uma boa hipótese: Tony Stark dá um jeitinho brasileiro tecnológico (essa parte, claro, é pura fantasia), e logo os Vingadores estão usando o domínio microscópico para pular para lá e para cá no calendário, sem errar. 

Há muitas modalidades de viagem no tempo diferentes na ficção: em De Volta para o Futuro, todas as ações dos personagens que viajaram ao passado alteram instantaneamente o presente. Até as fotos se apagam para refletir a nova realidade.

Já no Prisioneiro de Azkaban, o terceiro filme da saga Harry Potter, o que aconteceu, aconteceu. Não dá para apertar o reset. Quando o Harry do presente arremessa um cascalho na cabeça do Harry do passado, é só porque ele já viveu aquilo – e está ciente de que deve dar a pedrada em si mesmo.

Em Vingadores, por outro lado, toda vez que o passado é alterado, surge um universo paralelo em que tudo ocorre de maneira diferente graças a essa alteração. Esse mecanismo – diferente do adotado por Rowling e Spielberg – não deriva da física clássica de Einstein, e sim, como já mencionado, da física quântica, da qual o próprio Einstein duvidou.

Para entender esse mecanismo, imagine que uma personagem que acabamos de inventar, a Ana, se arrependeu de começar um namoro com Gabriel e quer voltar no tempo para impedir si própria de conhecê-lo. Ela pretende furar o pneu do ônibus que Gabriel pegou para ir à faculdade naquela fatídica tarde de 2014. Assim, eles nunca teriam formado uma dupla na aula.

Se o plano desse certo no mundo de De Volta para o Futuro, assim que Ana retornasse a 2019, veria sua vida completamente mudada. No mundo de Harry Potter, por outro lado, o plano não daria certo: Ana descobriria que, naquela dia, o pneu furado foi justamente o que fez com que Gabriel chegasse um pouco atrasado à aula – e fosse obrigado a formar dupla com ela em vez de escolher um amigo próximo.

Já na perspectiva quântica, Ana teria inaugurado um novo universo. Uma realidade paralela em que ela de fato não viveu com Gabriel – enquanto o outro universo, em que o namoro segue normalmente, continua existindo. Parece maluquice – é maluquice –, mas é uma consequência da maneira como o físico americano Hugh Everett III interpretou as equações de Niels Bohr (sim, o da sua aula de química) e Erwin Schrödinger (sim, o do gato). Calma que a gente explica.

O que é física quântica, afinal?

Ela é a única teoria que descreve de maneira bem sucedida o comportamento de átomos e das partículas menores que átomos – os quarks e elétrons que compõem os átomos, por exemplo, ou os fótons, as partículas que perfazem a luz. Se você tentar usar as equações da Relatividade de Einstein para explicar o que um elétron está fazendo, não vai dar certo. O mundo das coisas pequenas é inacessível às equações do alemão.

Isso é porque é impossível determinar a posição de um elétron. O melhor que você pode fazer é criar uma espécie de gráfico que demonstra onde há maior ou menor probabilidade deste elétron estar em um determinado momento. A equação que gera essa gráfico foi a grande sacada de Erwin Schrödinger.

Essa é uma noção muito estranha, pois nada, na nossa experiência cotidiana, pode estar em dois lugares ao mesmo tempo. Se você está em casa, a probabilidade de que você esteja em casa é 100%, e de que você esteja fora de casa, 0%. Não dá para estar meio grávida, não dá para cometer meia infração de trânsito, não dá para estar 50% na cama e 50% no mercado.

Isso é tão verdade que até as próprias partículas concordam: quando você tenta estabelecer a posição de um elétron, ele imediatamente abandona sua incerteza e se manifesta em um lugar só. O gráfico, antes tão irregular, atinge 100% de garantia. Dureza: o mundo, na escala quântica, passa a perna nos cientistas. Quem descobriu que o elétron se nega a manifestar sua estranheza foi o dinamarquês Niels Bohr.

O que Everett concluiu foi: de fato é extremamente tosco supor que um elétron esteja em dois lugares ao mesmo tempo, ou que o observador veja a partícula em vários lugares ao mesmo tempo. Mas não é tão tosco assim pressupor que existem vários universos, e que cada um deles contêm o elétron em uma das posições possíveis. Ou seja: o Gato de Schrödinger está vivo em um universo, e morto em outro. Acabou o paradoxo.

Mais recentemente, um físico chamado David Deutsch juntou algumas possibilidades de viagem no tempo quântica com a ideia do multiverso – gerando um cenário teórico mais ou menos parecido com o do filme. E é esse o Deutsch mencionado por Tony Stark no começo do filme.

Tá bom, e os Vingadores?

Quando o Hulk do futuro chega a Nova York e pede a joia do tempo à Anciã, ele cria automaticamente um universo paralelo em que os eventos ocorreriam de maneira diferente: nessa linha do tempo alternativa, o Dr. Estranho jamais teria tido acesso à pedrinha verde, o que viraria o Universo Marvel de ponta-cabeça.

Por isso, é crucial que a joia do tempo (e todas as outras joias) sejam devolvidas ao ponto exato do passado de onde foram retiradas: não adianta nada você salvar seu próprio universo se você criar dezenas de universos paralelos que vão dar errado no processo. É isso, claro, que o Capitão América faz no final do filme. Essa é a sutileza do multiverso quântico.

Se nós estivéssemos lidando com viagens no tempo comuns, como as de Harry Potter ou de Doc Brown, no momento em que Hulk tirasse a joia do tempo da anciã ele teria danificado irremediavelmente seu próprio futuro – que está entrelaçado com o do Dr. Estranho. Mas com uma ajudinha de Schrödinger, dá pra fazer tudo dar certo.

E dá pra viajar no tempo de verdade?

Não com física quântica.

Já na Teoria da Relatividade de Einstein – que, como já dissemos, explica o mundo em escalas maiores –, viagens no tempo não só são possíveis como são corriqueiras: toda vez que você entra em um ônibus para se deslocar pelas três dimensões do espaço – isto é, ir da sua casa até o trabalho ou o colégio –, o tempo necessariamente passa mais devagar da sua perspectiva do que da perspectiva de quem ficou parado.

Essa é uma ideia muito contraintuitiva, então vamos repetir com mais detalhes: o tempo é uma estrada que você é obrigado a percorrer. Nada que você faça pode impedi-lo de passar. Einstein descobriu que o tempo passa à velocidade da luz: 1,08 bilhão de quilômetros por hora. E essa é a velocidade máxima do Universo – nada pode ir mais rápido.

Ou seja: se você quiser se deslocar só um pouquinho nas três dimensões do espaço, você vai ser obrigado a tirar um pouquinho da sua velocidade no tempo e usá-la no espaço. E, quando você se desloca mais devagar no tempo, as pessoas que não se deslocaram envelhecem mais rápido que você.

Esse é o tipo de viagem no tempo de Interstellar, de Christopher Nolan. Ela só funciona no sentido do futuro: se você sair da Terra em uma nave espacial, passar um tempinho voando a uns 90% da velocidade da luz e depois voltar, verá que seus pais já morreram e seus filhos já estão na faculdade.

Se você estiver com preguiça de arranjar uma nave que alcance a velocidade da luz, você pode simplesmente chegar perto de um corpo com uma gravidade muito, muito absurda – como uma estrela de nêutrons ou um buraco negro. A maneira como eles dobram o tecido do espaço-tempo terá um efeito análogo: fazer você percorrer o tempo mais lentamente (a explicação completa não cabe aqui, vá para este post).

A viabilidade técnica disso é próxima de zero. Mas que dá, dá.

 


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