Os mofos do lodo são os bichinhos mais fascinantes de que você já ouviu falar – começando pelo fato de que eles não são mofos, não vivem no lodo e definitivamente não são bichinhos.
Inclusive, é meio difícil entender o que exatamente os mofos do lodo tem a ver com o resto da vida na Terra. Eles pertencem ao reino Protista, que é o reino em que os biólogos põem as coisas que eles não sabem direito o que são.
Os seres vivos estão divididos em três domínios: as bactérias e as arqueas – que não têm um núcleo para guardar o DNA –, e os eucariontes, que têm um núcleo para guardar o DNA. Dentro dos eucariontes, há quatro reinos: o das plantas, o dos animais, o dos fungos e o dos… protistas.
Que na verdade não é bem um reino. É só a gaveta para as coisas que não são plantas, nem animais, nem fungos. Lá está, por exemplo, o paramécio – aquele protozoário repleto de cílios que você conheceu no ensino médio. As amebas também encontram um lar nessa Mansão Foster taxonômica.
E, é claro, há os mofos do lodo. Há mais de 700 espécies deles, a mais famosa das quais é o Physarum polycephalum – que é o mais usado pelos biólogos em laboratório, e é o assunto deste texto.
O polycephalum é multinucleado, isto é: consiste em uma célula só com muitos núcleos. Isso é muito incomum. A maior parte dos seres vivos, quando quer aumentar de tamanho, aumenta o número de células – isto é, se torna multicelular. Você, por exemplo, é feito de 37,2 trilhões delas.
Aumentar o número de núcleos sem arranjar uma célula para cada um é tipo colocar todas as pessoas que você conhece para morar em um hangar gigante em vez de dar um pequeno apartamento para cada uma. Não faz sentido.
Essa enorme célula tem uma cor amarelada e se locomove mudando a forma do próprio corpo – se tiver estômago, você pode ver o citoplasma pulsante da criaturinha no vídeo abaixo:
A descoberta mais recente sobre os mofos do lodo é que eles, apesar de tão simples, têm uma espécie de memória. Se o polycephalum é apresentado a uma substância que é aversiva, mas não é venenosa, ele aprende com o tempo que não precisa evitá-la. Mais ou menos como um ser humano que odeia figo, mas sabe que se precisar comer figo um dia, ele é só ruim, mesmo – e não tóxico.
Para o experimento, os cientistas expuseram o dito cujo a sódio – que é um cardápio tão péssimo para um mofo do lodo quanto um figo é para você – por seis dias. Ao longo desse período, a gosminha amarela parou, aos poucos, de fugir do sódio. Mas não só isso: a concentração de sódio em seu interior se tornou dez vezes mais alta.
Ou seja: para “lembrar” que não precisa se preocupar com a substância, o mofo do lodo leva um pouquinho dela consigo. Essa memória dura: mofos do lodo que foram postos em um estado dormente por um mês voltaram do coma induzido perfeitamente cientes de que o sódio não era um problema. Afinal, o sódio ficou lá dentro durante toda a encubação.
A pesquisa é um passo importante para entender como seres vivos que não têm sistema nervoso podem lidar com os problemas normalmente encarados pelos que têm. Em vez de armazenar um padrão de pulsos elétricos entre neurônios que corresponde à ideia de sódio, eles simplesmente… armazenam o sódio. Viva as soluções simples!
Mofos do lodo: eles não têm sistema nervoso – mas têm memória Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
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