Em uma guerra, a primeira a morrer é a verdade, teria dito o dramaturgo grego Ésquilo.
Não sem razão, ainda que se possa afirmar uma verdade viva sobre as guerras modernas: elas promovem a submissão absoluta do corpo à técnica e, diante do alto avanço da maquinaria, o corpo humano é brutalmente aniquilado.
Essa brutalidade é usada nas narrativas de guerra, que, na era da informação, são construídas em tempo real, de maneira explícita e, muitas vezes, chocante.
As imagens chegam até nós em abundância inédita, através de todas as mídias e em alta definição. A guerra, então, torna-se próxima. E os sofrimentos que ela provoca também.
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Particularmente, o que mais me afeta são as imagens das crianças. E essa é apenas uma das formas em que a guerra me faz sofrer. Tenho notado dois outros tipos de sofrimento em minhas recentes experiências de escuta, tanto clínicas quanto na vida cotidiana.
O primeiro acontece entre o horror das imagens e a força das narrativas. Nessa disputa pela verdade, muita gente se pergunta, com uma grande dose de angústia, como se posicionar diante das guerras. “Do lado de quem devo ficar?” “Quem apoiar?” “Quem criticar?” –, sobretudo no caso do conflito atual no Oriente Médio, capitaneado por Israel e pelo Hamas.
O segundo tipo de sofrimento que surge é a culpa. Algumas pessoas a nomeiam, especificamente, de culpa do sobrevivente. Trata-se de um tipo de sofrimento que as pessoas enfrentam por estarem bem, vivendo uma vida normal em seus países, enquanto assistem, da segurança dos seus lares, os horrores da guerra.
Diariamente, são inúmeros relatos, notícias, pedidos de ajudas de civis… Esse sofrimento, que revela os conflitos da culpa, vem inclusive se tornando um fenômeno cada vez mais frequente nas redes sociais.
Mas não sofremos por todas os conflitos do mundo, nem da mesma forma por cada uma delas. Neste sentido, deveríamos nos perguntar: por que algumas guerras, ainda que remotas, são sentidas mais próximas da gente do que outras?
Ocorre que, se existem sofrimentos psíquicos causados pelas notícias, então as narrativa também nos ensinam por quem devemos sofrer e de quem devemos nos esquecer. Este é um ponto sensível que remete à desconcertante e provocativa questão que a filósofa estadunidense Judith Butler coloca: afinal, quais corpos merecem o luto?
Sou só eu, ou você também teve a impressão de que a guerra da Ucrânia ficou em segundo plano depois que começou a guerra de Israel? Você se lembra quantas vezes você se comoveu pelas vítimas da guerra civil no Iêmen? E as vítimas da violência nas periferias e campos brasileiros?
Sim, padecemos psiquicamente com as notícias das guerras, e lamento que isso possa causar adoecimento. E lamento profundamente que essas narrativas também sejam capazes de moldar e engessar visões de mundo.
A fim de contribuir para o não engessamento mental, compartilho três caminhos que utilizo para administrar melhor os sentimentos negativos associados ao momento atual.
Em primeiro lugar, faça uma dieta no consumo de informações. É muito difícil ficar completamente desinformado hoje em dia. Mas há um excesso de informações. São muitas imagens, muitas demandas por posicionamentos…
Pense nisso tudo como em uma dieta: o segredo não é ficar sem consumir alimentos ou, neste caso, ficar sem consumir notícias. A reeducação alimentar é feita pensando na qualidade do cardápio.
Mais informado não é aquele que acessa mais informações, mas aquele que as consome melhor. Também é importante que esses fatos venham de fontes confiáveis.
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Outra dica é estudar sobre o assunto. Buscar o conhecimento baseado na ciência, além de aprofundar o que sabemos sobre o tema, pode ser muito útil no processo de compreender nossos sentimentos em relação ao que nos aflige.
Por fim, observe-se, saiba quando pedir ajuda. Se a guerra está te afetando a ponto de atrapalhar a realização de tarefas do dia a dia, procure um profissional das áreas “psi”. Quando nossa ansiedade, medo, angústia ou qualquer outro sentimento se torna um impeditivo, então talvez já tenha passado da hora de buscar assistência.
E saiba que, se esse é o seu caso, você merece esse apoio.
Se a história das guerras é a história da morte da verdade, então precisamos estar muito diligentes sobre este tema, porque os sofrimentos que a guerra causa, infelizmente, são verdades que não morrem.
Mesmo que distante, guerra afeta nossa saúde mental Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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