A Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou uma atualização das suas diretrizes para o tratamento da Covid-19. Entre as mudanças, uma forte recomendação contra o uso de ivermectina, um parecer favorável ao antiviral Paxlovid e novas classificações de risco.
Publicado também no periódico científico British Medical Journal (BMJ), o documento destaca que a base de evidências para o combate da infecção evolui de maneira dinâmica, a partir de diversos estudos concluídos e ainda em andamento.
Além disso, as variantes e subvariantes emergentes do SARS-CoV-2 reforçam a necessidade de rever os métodos de cuidado dos infectados. A última atualização de diretrizes havia sido realizada no dia 13 de janeiro.
“A OMS faz o papel dela no apoio técnico às recomendações de tratamento. No entanto, é necessário que haja uma incorporação efetiva nas redes pública e privada”, avalia o médico infectologista Julio Croda, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
“Ou seja, temos todo um arsenal agora para tratar a Covid-19 que sabemos que funciona, mas as medicações precisam estar disponíveis nos serviços de saúde. O que nem sempre acontece no Brasil e em diversos países do mundo”, completa.
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Nova classificação de risco
O documento traz recomendações para pacientes que apresentam quadros não graves, incluindo novas estimativas de risco para avaliar a necessidade de internação hospitalar.
“Pessoas em categorias de risco elevado podem necessitar de monitoramento mais intensivo, intervenções terapêuticas precoces ou mais agressivas. Essa abordagem permite uma alocação mais eficiente de recursos e personalização do cuidado, em busca de melhores resultados clínicos”, explica a médica infectologista e epidemiologista Luana Araújo, membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
A elaboração da diretriz considerou o momento atual da pandemia, com a circulação de variantes do coronavírus que tendem a causar doenças menos severas.
Ao mesmo tempo, os níveis de imunidade estão mais elevados devido à vacinação, diminuindo o risco de quadros graves para a maioria dos pacientes, como explica a pesquisadora Janet Diaz, líder da equipe de Gestão Clínica para Resposta à Covid-19 do Programa de Emergências de Saúde da OMS.
Janet aponta que, com base nos dados disponíveis, as pessoas que antes tinham 6% de probabilidade de serem hospitalizadas pela Covid-19 têm agora um risco de aproximadamente 1,5%.
“Alguns dos medicamentos foram recomendados anteriormente com base no fato de reduzirem a hospitalização, mas o efeito real dos fármacos na prevenção da internação hospitalar também diminuiu. Então o equilíbrio entre benefício e risco mudou”, diz Janet.
Neste contexto, a entidade reformulou a categoria risco moderado, que inclui agora pessoas anteriormente consideradas de alto risco, como idosos ou indivíduos com condições crônicas, deficiências e comorbidades.
“Com base nessa classificação de risco, vamos definir o uso de estratégias farmacológicas. Entre elas, a administração do nirmatrelvir com ritonavir [Paxlovid], por exemplo, em pessoas com um quadro ainda não grave, mas com risco alto e moderado de serem internados”, diz o médico infectologista Jamal Suleiman, do Hospital Emílio Ribas.
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Veja a nova classificação de risco:
Alto: Pessoas imunossuprimidas continuam em maior risco, com uma taxa de hospitalização estimada em 6%.
Moderado: Idosos com mais de 65 anos, indivíduos com condições como obesidade, diabetes e/ou problemas crônicos, incluindo doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), doença renal ou hepática, câncer, pessoas com deficiência e aquelas com comorbidades estão em risco moderado, com uma taxa de internação estimada em 3%.
Baixo: Aqueles que não estão nas categorias de risco alto ou moderado apresentam baixo risco de hospitalização (0,5%). A maioria das pessoas se encaixa nessa categoria.
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O reforço no veto à ivermectina
A atualização da OMS também inclui uma forte recomendação contra o uso de ivermectina em pacientes com Covid-19. Para quadros leves, a entidade desaconselha inclusive a condução de estudos com o medicamento.
O texto enfatiza “a probabilidade muito baixa de benefício, oriunda de ensaios clínicos com humanos e da falta de base biológica para qualquer ação da ivermectina em um vírus, combinada com o provável risco de dano associado ao tratamento”.
“A recomendação reflete uma alta certeza de que a ivermectina tem, na melhor das hipóteses, um efeito trivial. O painel de diretrizes estava muito preocupado com o fato de que seu uso desvia a atenção dos medicamentos para os quais há boas evidências de benefício, e também atrapalha o fornecimento de ivermectina para as doenças onde ela tem benefício comprovado”, pontua Janet.
A OMS destaca que a ivermectina pode ser utilizada de maneira restrita em pacientes em estado grave, porém no contexto de ensaios clínicos.
“Para pacientes com Covid-19 grave ou crítica, a evidência é menos certa, mas não indica nenhum benefício no momento e aponta um provável aumento nos efeitos colaterais graves do medicamento”, reforça a pesquisadora da OMS.
Vale lembrar que, no Brasil, o uso inadvertido de ivermectina contra a doença se tornou um problema, especialmente no início da pandemia.
“Esta forte recomendação se baseia em sólidas evidências científicas. É quase inacreditável que algo que já sabemos com tanta robustez há tanto tempo ainda suscite discussões por profissionais pouco íntimos com a medicina e a ciência”, destaca Luana.
“O reforço do posicionamento da OMS ajuda a evitar práticas que não demonstraram benefícios claros e podem até ser prejudiciais, mas não é suficiente para evitar que pacientes sejam ludibriados. Para isso, é preciso responsabilização civil e criminal”, acrescenta.
A opinião é compartilhada pelo infectologista Filipe Piastrelli, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
“No caso da ivermectina há evidência científica estabelecida de que o medicamento não traz qualquer benefício no tratamento da Covid-19 e, por essa razão, ela é contraindicada. Dizer formalmente de que este medicamento é não recomendado é importante para extinguir o seu uso que esteve fortemente indicado e, em alguns cenários, com viés político associado”, pontua o especialista.
Revisão dos tratamentos
A OMS continua a recomendar o nirmatrelvir-ritonavir, conhecido como Paxlovid, para pessoas com risco elevado e moderado de hospitalização.
“Esse antiviral demonstrou ser uma ferramenta valiosíssima em pacientes não hospitalizados e com alto risco, por ser capaz de reduzir de maneira importante a chance de internação e ainda mais por manter sua efetividade mesmo com o surgimento de novas variantes”, diz Luana.
O texto afirma que o fármaco é considerado a melhor escolha para a maioria dos pacientes elegíveis, dados os seus benefícios terapêuticos, facilidade de administração e menos preocupações sobre potenciais danos.
“A novidade é a recomendação de avaliação do uso da medicação para pacientes com risco moderado, já que esta redução de hospitalização parece também beneficiar este grupo de forma considerável. De qualquer maneira, apesar de seguro, o antiviral tem um perfil de interações medicamentosas que podem se tornar um impedimento para seu uso em muitos pacientes”, acrescenta Luana.
Molnupiravir, remdesivir e outras drogas
Na indisponibilidade do Paxlovid para pacientes com alto risco de hospitalização, a OMS sugere o uso dos antivirais molnupiravir ou remdesivir. Esses dois medicamentos, porém, estão contraindicados para pessoas em risco moderado, avaliando que os danos potenciais superam os benefícios nesse cenário.
Para indivíduos com baixo risco de hospitalização, a OMS não recomenda qualquer terapia antiviral. Sintomas como febre e dor podem continuar a ser controlados com analgésicos como o paracetamol.
As diretrizes também não recomendam o uso de um novo antiviral (VV116) para pacientes, exceto em ensaios clínicos.
“Este novo antiviral, um análogo oral do remdesevir, ainda tem evidências de baixo nível de certeza, daí a recomendação destas diretrizes. Também não está disponível no Brasil”, diz Luana.
Evolução no conhecimento
Ao longo da pandemia, diversos medicamentos chegaram a ser usados contra a Covid-19. Contudo, os estudos clínicos e a prática hospitalar mostraram resultados insatisfatórios.
“Do desenvolvimento de novas drogas até a tentativa de reposicionamento de outras já conhecidas, muito foi perseguido. Diante de tamanho investimento, as evidências foram se acumulando de maneira rápida e permitindo que usássemos ou abandonássemos tais possibilidades com rapidez e certeza raramente vistas na nossa história”, diz Luana.
Além da ivermectina, a OMS é contra o uso de plasma convalescente e hidroxicloroquina em pacientes com Covid-19 independente da gravidade da doença.
Alguns fármacos tiveram benefício, mas perderam eficácia diante da evolução viral, como os anticorpos monoclonais (incluindo o sotrovimabe e o casirivimabe + imdevimabe), que já não são utilizados.
“Diante de tudo, o que não pode ser esquecido é que nenhuma destas medicações substitui a vacinação, a melhor, mais eficaz e segura ferramenta que temos para evitar casos graves, hospitalizações e óbitos relacionados à Covid-19”, finaliza Luana.
OMS endurece recomendação contra ivermectina em diretriz sobre Covid-19 Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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