Se há algum lugar no Sistema Solar comparável ao inferno da tradição cristã, esse lugar é Vênus, nosso vizinho planetário com órbita mais próxima do Sol. É claro que as condições infernais não são tão caricatas, com fogo por toda parte, mas a atmosfera é repleta de ácido sulfúrico e as temperaturas ali superam os 450 graus Celsius — mais que o suficiente para torturar uma alma por toda a eternidade. Formas de vida dificilmente sobreviveriam por lá. Mas um novo estudo revelou que, no passado, as coisas eram bem diferentes.
Indícios observados na geologia e nas nuvens de Vênus apontam que, não muito depois de sua formação, há 4,5 bilhões de anos, o planeta teria sido bem mais parecido com a Terra do que é hoje. E isso inclui a existência de um oceano de água líquida fluindo pela superfície. Uma das máximas que pautam a busca por vida fora da Terra é justamente “onde há água, há vida”.
Um aspecto curioso sobre Vênus é que ele gira em câmera lenta. Sua rotação é mais lenta que a de qualquer outro planeta no Sistema Solar. Para se ter uma ideia, um único dia venusiano equivale a 243 dias terrestres. Mas, de novo, no passado não era bem assim: pesquisadores acreditam que nosso vizinho girava mais depressa bilhões de anos atrás. E quem o desacelerou teria sido o tal oceano perdido de Vênus.
O pesquisador Michael Way, do centro Goddard da Nasa, se juntou a colegas para estudar como exatamente esses mares primordiais teriam reduzido a velocidade de rotação de Vênus e criado condições mais amenas naqueles tempos primitivos. Assim como as da Terra, as águas marítimas sofriam efeitos de maré, ocasionados pelo puxão gravitacional de uma lua ou do Sol. Vênus não tem luas, mas fica mais perto do Sol do que o nosso planeta, então provavelmente as ondas por lá eram maiores que as do Havaí.
Acontece que as marés oceânicas, se forem muito intensas, podem funcionar literalmente como um freio para o giro de um planeta, tornando-o mais lento. Way e colegas calcularam que, se a rotação de Vênus começou mais ou menos parecida com a da Terra, a taxa pela qual as marés o desaceleravam era de cinco dias terrestres a cada um milhão de anos. Nesse ritmo, em apenas 50 milhões de anos, nosso vizinho teria se tornado o planeta mais retardatário das corridas orbitais que é hoje.
Esse mesmo oceano criava grossas camadas de nuvens em Vênus, que refletiam boa parte da luz solar que chegava até ali, mantendo a superfície mais amena. Naquela época, ainda não havia ocorrido o efeito estufa desenfreado que transformou o ambiente venusiano em um inferno, a rotação era mais parecida com a da Terra e havia um oceano de água líquida na superfície. É ou não é um bom ambiente para a vida?
Até agora, tudo não passa de especulação e será preciso enviar muito mais sondas para lá se quisermos ter alguma resposta mais concreta. Na Terra, por exemplo, a vida surgiu depois de centenas de milhões de anos de reações químicas nos oceanos, que foram tornando a química dos mares mais complexa, permitindo a formação de moléculas orgânicas e, eventualmente, das formas mais primitivas de vida.
Ainda não entendemos muito bem ocorreu esse processo. Existem várias hipóteses e teorias, mas sabe-se que as fontes hidrotermais (espécies de vulcões submarinos) cumpriram um papel fundamental, fornecendo energia e nutrientes para os primeiros seres vivos. O mesmo processo pode ter ocorrido em Vênus — mas se quisermos descobrir, teremos de olhar mais de perto.
Clima em Vênus pode ter sido favorável à vida há bilhões de anos Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
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