Alguns estados brasileiros decidiram adiantar a segunda dose das vacinas contra o coronavírus Covishield, da AstraZeneca, e Comirnaty, da Pfizer, para um intervalo de 56 a 70 dias. Mas especialistas tendem a discordar da medida, e a orientação do Ministério da Saúde ainda é aguardar 90 dias para tomar o reforço das duas.
A bula desses dois imunizantes informa que a segunda dose não deve ser aplicada antes de 14 dias, e dá como recomendação um intervalo de 21 a 28 dias. No início da pandemia de Covid-19, se decidiu por um período maior do que esse para acelerar a vacinação.
A chegada da variante Delta, que pode escapar melhor da primeira dose, e uma imunização mais adiantada de alguns grupos, contudo, fizeram com que gestores públicos revissem a estratégia. É aí que está a polêmica.
Em nota técnica, Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) consideram que, com o atual momento epidemiológico que vivemos e a baixa quantidade de doses disponíveis no país, é mais correto manter o intervalo de 12 semanas entre as doses da AstraZeneca e Pfizer.
Baseadas em dados da vacinação em outros países, as duas entidades acreditam que o prazo estendido pode fazer o país “alcançar mais rapidamente uma proporção maior da população com pelo menos uma dose, antecipando desta forma a proteção de um maior número de pessoas”.
A Fiocruz, responsável pela produção da vacina AstraZeneca no Brasil, corroborou o posicionamento. A nota reforça o fato de que a resposta imunológica ao imunizante é mais eficaz com injeções aplicadas em um período prolongado, como sugere um estudo conduzido pela Universidade de Oxford.
A fundação entende, também, que o regime de 90 dias “permite acelerar a campanha, garantindo a proteção de um maior número de pessoas”. Por fim, o texto afirma que o imunizante “tem se demonstrado efetivo na proteção contra as variantes em circulação no país já com a primeira dose, incluindo a Delta“.
A Pfizer, em comunicado, afirma que as indicações sobre regime de dosagem devem ficar a critério das autoridades de saúde, e podem incluir recomendações que levem em conta os princípios locais de saúde pública. A farmacêutica diz ainda que a segurança e eficácia do produto não foram avaliadas com espaçamentos diferentes do preconizado em bula, “uma vez que a maioria dos participantes recebeu a segunda dose dentro da janela especificada”.
Para garantir seus 95% de eficácia, portanto, é necessário completar o esquema vacinal. O texto termina com a mensagem de que a Pfizer “acredita que é importante que se mantenham esforços de vigilância para garantir que cada pessoa receba o máximo de proteção possível, seguindo o preconizado pelas agências regulatórias”.
A opinião dos especialistas
A discussão movimenta os experts. “Não faz sentido tomar essa decisão por causa da Delta, pois ela não está com a transmissão preocupante neste momento. No Brasil, quase todos os casos são da variante Gama”, avalia a médica Mônica Levi, da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Para ela, é melhor acelerar a imunização de jovens e fazer chegar a vacina a mais pessoas. “Ir atrás dos 4 milhões que estão com o reforço atrasado também é mais importante”, conclui Mônica.
Outro ponto de vista vem de Daniel Bargieri, professor e pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP). Ele argumenta que adiantar a segunda dose pode ser mais eficaz para barrar a transmissão do Sars-Cov-2.
“Minha visão é a de que faz mais sentido adiantar, desde que respeitando o intervalo previsto em bula. A população que toma só uma dose tende a estar protegida da gravidade da doença, mas tem maior probabilidade de servir como transmissora do vírus”, avalia o biomédico. “Agora, por outro lado, as evidências mostram que a proteção individual é superior com o intervalo maior”, reflete.
Tomar a segunda dose o quanto antes também é mais vantajoso na visão da médica Indianara Brandão, da Clinica First, em São Paulo. “A vacinação começou a acelerar, está chegando aos jovens, e completar a imunização é importante para garantir a proteção contra uma doença em que não se sabe como cada um vai reagir, independente da idade”, completa a médica.
Em um cenário de escassez de doses e vírus ainda se disseminando, contudo, ter mais gente imunizada, mesmo que parcialmente, parece fazer mais sentido.
Motivos diferentes
Alguns lugares fizeram adaptações à sua realidade. O governo do Maranhão, por exemplo, afirma que segue a recomendação do Ministério da Saúde, mas orientou a municípios que adiantassem a segunda dose para oito semanas, caso a validade do lote seja curta.
Fortaleza, no Ceará, por exemplo, está adiantando a segunda dose para pessoas que estão acamadas. Já Distrito Federal e Rio de Janeiro informaram que a decisão foi tomada pelo temor da disseminação da variante Delta.
“O Brasil é um país gigante com situações diferentes. Se há uma região que está com tudo sob controle e adultos plenamente vacinados, não tem por que esperar. Ações pontuais também valem para lugares com risco de disseminação de novas cepas, como ocorreu em algumas fronteiras”, avalia Mônica.
Adiantar segunda dose pode prejudicar vacinação no país, alertam entidades Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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