Com mais de 15 meses de pandemia, ainda tem gente que procura atendimento com sintomas do coronavírus e recebe, logo de cara, uma receita de corticoide, tipo de anti-inflamatório que só deve ser prescrito em quadros graves de Covid-19.
Nesse período a ciência andou a passos largos e, hoje, o papel dessa classe no enfrentamento à doença está cada vez mais estabelecido. A principal certeza é essa: corticoides como dexametasona e metilprednisolona ajudam a reduzir o risco de morte e a necessidade de ventilação mecânica, mas só quando usados em pessoas internadas em situação crítica, recebendo algum tipo de suplementação de oxigênio.
“Existe um consenso, embasado por diversos estudos de qualidade, sobre o benefício em pacientes que já estão no estágio inflamatório da doença”, comenta Luís Fernando Aranha Camargo, infectologista do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Essa é a fase de piora que acomete uma minoria de infectados, por volta do décimo dia de sintomas.
Nesse período, o problema deixa de ser o vírus em si e passa a ser a tempestade inflamatória, uma resposta exagerada das defesas do organismo, que libera substâncias com efeitos nocivos em todo o corpo.
E por que não, então, dar o anti-inflamatório antes do temporal cair? “Antes disso, a droga pode piorar o quadro, por diminuir o funcionamento do sistema imune em um momento em que o vírus está se replicando, o que libera o caminho para que ele se prolifere ainda mais”, aponta Gustavo Prado, pneumologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (HAOC), em São Paulo.
Além do risco de desenvolver formas graves, o uso de corticoides e outros remédios sem indicação para a Covid-19 atrasa a busca por atendimento se a fase perigosa de fato chegar.
A situação segue preocupando, mesmo com tantas evidências e alertas emitidos por autoridades a respeito. “Ainda existe, entre alguns médicos e pacientes, a cultura de que ‘mais é sempre melhor’ e de que é melhor medicar do que não fazer nada, mesmo que o composto não traga benefícios e possa ter efeitos colaterais”, relata Prado.
Tocilizumabe
Esse anticorpo monoclonal fabricado pela Roche não se encaixa na categoria mais clássica dos anti-inflamatórios, mas entra aqui por atuar bloqueando a interleucina-6, uma das moléculas envolvidas nas inflamações. Seu contexto de uso é o mesmo do corticoide. A droga, inclusive, só teve resultados expressivos quando usada junto com essa classe.
“Uma meta-análise recente reuniu os estudos sobre ele e mostrou uma redução discreta, mas consistente, no risco de morte e de necessidade de ventilação mecânica em indivíduos com quadros graves já instalados”, conta Camargo.
O medicamento, aprovado no Brasil para o tratamento da artrite reumatoide, é aplicado via infusão intravenosa e, de novo, só deve ser usado em contextos bem específicos. “Até porque temos resultados muito controversos das pesquisas”, pontua Prado. Outro desafio da estratégia é o preço, na casa dos milhares de reais, e a escassez do produto.
Além do tocilizumabe, outros anticorpos monoclonais, com mecanismos de ação diferentes, foram objeto de diversos estudos. Alguns com resultados positivos, inclusive para prevenir o agravamento do quadro, mas seu uso na Covid-19 ainda é incerto e desafiador. “Temos expectativas grandes, mas ainda precisamos de mais estudos”, comenta Prado.
Tofacitinibe: possível novo anti-inflamatório na área
Um estudo brasileiro recém-publicado no periódico New England Journal of Medicine indica que o tofacitinibe, da Pfizer, pode reduzir em mais de 35% o risco de morte ou falência respiratória em pessoas com comprometimento pulmonar, já fazendo uso de oxigênio.
A droga foi desenvolvida para tratar artrite reumatoide e outras doenças autoimunes. Seu raciocínio é parecido com o do tocilizumabe, embora pertençam a categorias diferentes. “Ela bloqueia a ação da tirosina quinase, proteína que desencadeia inflamações”, destaca Camargo.
Assim como o anticorpo monoclonal, o tofacitinibe também só se saiu bem quando associado aos corticoides. E deverá ser melhor estudado para chegar ao mesmo status do tocilizumabe, que já entrou no quadro de recomendações da Organização Mundial de Saúde.
Mas os médicos estão animados. “Esse é o primeiro grande estudo a demonstrar benefícios do medicamento, mas já o incluímos no protocolo do Einstein pois acreditamos em seu potencial e nos resultados que já obtivemos”, afirma Camargo.
E o ibuprofeno?
Já que estamos falando do assunto, vale a menção aos anti-inflamatórios não-hormonais, que tratam dor e febre, como o ibuprofeno. No começo, havia a preocupação de que eles pudessem acabar facilitando a entrada do Sars-Cov-2 nas células humanas. A OMS chegou até a recomendar cautela no uso em quadros leves da doença.
“Mas, hoje, já temos bons estudos mostrando que eles são seguros e podem ser usados tranquilamente para amenizar queixas de dores no corpo ou como antitérmico”, destaca Prado. Um artigo recente do periódico The Lancet Rheumatology reúne as melhores evidências sobre o tema e coloca uma pedra na história.
Entenda o papel dos anti-inflamatórios no tratamento da Covid-19 Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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