A leitura abre caminhos, e Cecilia Chirenti é a prova disso. Pouco antes de prestar vestibular, Cecilia se encantou por um livro em especial: A Dança do Universo, escrito pelo físico e astrônomo Marcelo Gleiser. Resolveu ligar para a editora na tentativa de conversar com o autor, que topou receber algumas perguntas por fax. Gleiser respondeu Cecilia dizendo que havia sim a possibilidade de fazer pesquisa no Brasil e até mesmo indicou alguns professores conhecidos com quem ela poderia conversar.
O incentivo também veio de dentro de casa. A mãe de Cecilia é engenheira eletrônica, então os velhos estereótipos de que as ciências exatas não são para mulheres nunca foram reproduzidos por seus pais. No ano 2000, Cecilia ingressou no curso de física da Universidade de São Paulo (USP), faculdade em que também realizou seu doutorado. Atualmente, a cientista pesquisa o comportamento de estrelas de nêutrons na Nasa.
Cecilia está no meio de seu projeto na agência espacial, que tem duração estimada de três anos. Ela conta que se impressionou ao chegar no laboratório, já que não só a chefe do local como várias outras cientistas eram mulheres – um cenário com que não estava familiarizada no Brasil.
Seu trabalho por lá junta três tópicos da astronomia: as estrelas de nêutrons, ondas gravitacionais e as erupções de raios gama (gamma ray bursts, em inglês). Vamos entender cada um deles e como se relacionam.
As estrelas possuem um ciclo de vida. Logo que elas nascem, forma-se uma enorme nuvem de gás que, devido a ação da gravidade, vai ficando cada vez mais densa. A pressão no centro dessa nuvem é tão grande que os átomos de hidrogênio que existem ali acabam se fundindo. A fusão gera o hélio e libera a energia que torna o astro quente e brilhante. Você pode ver a simulação do nascimento de uma estrela nesta matéria da Super.
A massa inicial da estrela influencia diretamente seu ciclo de vida. Quanto maior a massa, mais rápida vai ser a sua evolução. Aqui, falaremos de estrelas gigantes, que possuem entre 10 e 29 vezes a massa do nosso Sol. Estas podem passar por uma supernova no final da vida – momento em todo o hidrogênio da estrela é consumido e ela desaba sobre si mesma em uma enorme explosão. O núcleo é espremido sob a própria gravidade, colapsa e se torna uma estrela de nêutrons.
As estrelas de nêutrons são absurdamente densas e compactas. Elas tem um raio de algumas dezenas de quilômetros – dá para estacionar uma em cima da cidade de São Paulo –, e apenas uma colher desse material pesa o mesmo que o Monte Everest.
Quando duas estrelas de nêutrons se juntam, elas formam um sistema binário. As estrelas ficam girando uma ao redor da outra, o que nos leva a Teoria da Relatividade Geral de Einstein. Estamos falando de objetos com uma concentração muito grande de matéria, e o giro deles gera pulsos de energia que se propagam no tecido do espaço-tempo: ondas gravitacionais.
As ondas, porém, não as únicas coisas geradas nessa dança entre estrelas. Em 2017, astrofísicos observaram que o processo também ocasionava erupções de raios gama.
Raios gama são como a luz que conhecemos, mas possuem frequência e energia muito maiores. A atmosfera da Terra nos protege de radiações muito energéticas, então, para estudá-los, é preciso usar satélites que estão em órbita. A Nasa e outras agências espaciais possuem estes equipamentos. Utilizando-os, os cientistas passaram a explorar as erupções de raios gama e descobriram que elas vêm em dois tipos: as longas, que parecem se originar em supernovas, e as curtas, provavelmente ocasionados pela colisão entre duas estrelas de nêutrons.
A colisão entre estrelas de nêutrons pode levar a três diferentes desfechos, a depender do quão gordinhos são os astros envolvidos. Se forem duas estrelas bem pesadas, ao se fundirem, formam imediatamente um buraco negro. Se forem duas estrelas consideradas leves, formam uma nova estrela de nêutrons. Agora, se elas forem duas estrelas intermediárias, podem formar uma estrela de nêutrons supermassiva que vai durar apenas alguns décimos de segundo antes de colapsar e formar um buraco negro.
A diferença entre estes três cenários tem relação com as propriedades da matéria dentro das estrelas. Investigando as condições físicas no miolo desses astros, é possível descobrir a massa máxima que eles podem alcançar antes de colapsar em um buraco negro.
Um jeito hipotético de fazer isso seria avaliar as ondas gravitacionais geradas após a colisão, mas a frequência delas é alta demais para ser detectada pela tecnologia atual. A outra opção, que entra no projeto de Cecilia, é observar as erupções de raios gama e tentar encontrar ali uma assinatura que mostre o estado em que a estrela de nêutron se encontrava quando houve o colapso.
Vale dizer que aceleradores de partículas como o LHC, da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear, não dão conta de estudar a matéria das estrelas de nêutrons. Eles se concentram em situações de alta temperatura e baixa densidade, mas estes objetos espaciais possuem baixa temperatura e altíssima densidade. Olhar para elas permite aos pesquisadores entender um ramo da física de partículas que não pode ser explorado na Terra.
Antes de chegar à NASA, Cecilia passou também pelo Instituto Max Planck de Física Gravitacional em Potsdam, Alemanha, onde realizou seu pós-doutorado. Também deu aulas de matemática aplicada na Universidade Federal do ABC durante 12 anos. Foi convidada para trabalhar na agência espacial americana após realizar um projeto de colaboração internacional e publicar um artigo com outros pesquisadores da Nasa.
Cecilia Chirenti estuda a colisão de estrelas de nêutrons na Nasa Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
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