domingo, 25 de julho de 2021

Fernanda Quaglio estuda moluscos fósseis na Antártica

Ao contrário do que pode parecer quando vemos todo aquele gelo, a Antártica é um continente rico em biodiversidade. Os pinguins, focas e baleias são apenas alguns dos animais que vivem por lá.

A cientista Fernanda Quaglio passou a maior parte de sua carreira estudando os bivalves, animais com duas conchas que pertencem ao grupo dos moluscos, como as ostras e os mexilhões. Estes bichinhos podem não ser tão fofos ou atraentes assim, mas carregam inúmeras informações sobre a história do nosso planeta.

Eles são animais bentônicos, ou seja, vivem no leito dos oceanos. Por outro lado, no começo da vida, ainda como larvas, são planctônicos, o que significa que não possuem autonomia para se locomover e apenas seguem o fluxo das correntes oceânicas.

Fernanda é graduada em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo (USP), mas sempre manteve um pezinho na geologia. Tanto sua iniciação científica quanto mestrado e doutorado foram feitos no Instituto de Geociências da USP, com todas as pesquisas voltadas para os bivalves da Antártica. O pós-doc, também com moluscos, foi desenvolvido na área de Geociências na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro.

Para entender a pesquisa de Fernanda, precisamos esclarecer alguns pontos: o planeta Terra, ao longo dos seus 4,5 bilhões de anos, parece ter alternado seu clima entre dois estados básicos, conhecidos como greenhouse (ao pé da letra, “estufa”) e icehouse (também literalmente, “casa de gelo”).

Entre 40 e 37 milhões de anos atrás, a Terra provavelmente esteve em um momento greenhouse  em que a Antártica, embora já fosse extremamente fria, ainda não era coberta de gelo. Seu clima poderia ser comparado ao da Patagônia, por exemplo. 

Depois, houve uma queda global de temperatura e o planeta entrou no estado icehouse. Parte da vegetação e alguns vertebrados terrestres sofreram um impacto quase imediato com essa mudança.

A partir da análise do registro fóssil no continente gelado, Fernanda estuda como os bivalves reagiram a essa grande mudança climática, analisando, por exemplo, alterações na distribuição geográfica desses organismos. Estudos do tipo são extremamente importantes no contexto contemporâneo. Basta pensar que estamos caminhando para a situação inversa: agora, a Terra está esquentando, e alguns parâmetros observados pelos cientistas podem ser replicados ao contrário na atualidade.

Ao fundo, é possível ver o acampamento em que a pesquisadora ficou por 20 dias.Fernanda Quaglio/Divulgação

Fernanda começou a estudar a Antártica em 2003, mas só conheceu o continente pessoalmente em 2015, depois de já ter, inclusive, terminado o doutorado. O convite veio de Marcelo Reguero, um paleontólogo argentino que trabalha com vertebrados. Ele estava indo para a Antártica, mas ainda não tinha ninguém na equipe estudando bivalves.

A cientista ficou 35 dias no continente, fazendo trabalho de campo em 20 deles. Nesse período, ela dormia em barracas, em um colchonete colocado diretamente no chão, sem camas. Mesmo assim, descreve a experiência como uma das melhores que já viveu.

Bivalves fossilizados na Antártica.Fernanda Quaglio/Divulgação

Fernanda foi professora da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), em Minas Gerais, entre 2016 e 2018, e hoje leciona na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). De toda forma, ainda mantém vínculos com a UFU, onde divide com outro docente a coordenação de um projeto envolvendo o estudo de cavernas em Coromandel, município de Minas Gerais. 

Recentemente, o grupo encontrou estromatólitos fossilizados do período Pré-Cambriano. Estromatólitos são rochas de origem biológica, formadas a partir do acúmulo de carbonato de cálcio induzido por microrganismos. Eles se formam em ambientes úmidos hipersalinos, o que indica que, no passado, a região era banhada por mar. Você pode saber detalhes sobre o estudo neste texto da Super.

Fernanda é mãe solo de uma menina de três anos. Ela integra um coletivo de mães da Unifesp chamado MaternaCiência (@maternaciencia), que busca estabelecer medidas de valorização e proteção às mães acadêmicas, tanto estudantes quanto docentes. Também faz parte da GeoMamas (@geomamas), rede de mães geocientistas associada a ABMGeo (Associação Brasileira de Mulheres nas Geociências). A pesquisadora explica que, quando se é responsável pelo crescimento de outro ser humano, torna-se extremamente difícil para as mulheres seguirem com suas pesquisas, sobretudo as mães solo e sem rede de apoio.

Um levantamento feito pelo Parent in Science, movimento que levanta a discussão sobre maternidade e paternidade dentro da ciência, confirma a a fala de Fernanda. No Brasil, 55% dos bolsistas de iniciação científica são mulheres, mas o número cai para 36% quando se fala das bolsas de produtividade em pesquisa, que contemplam pesquisadores doutores ou livre-docentes (já em um estágio muito mais avançado da carreira). 


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