Todo pesquisador sonha em mudar o mundo. Natalia Ferreira não é diferente. Ainda na adolescência, a jovem começou a se encantar com ciência e tecnologia. Na época, apareceram as primeiras notícias sobre alimentos transgênicos – como um tomate que demorava mais para amadurecer para evitar desperdício. E a clonagem da ovelha Dolly foi um acontecimento midiático sem precedentes na história da biologia.
Pouco depois, Natalia estava na idade de prestar vestibular. Ela acabou cursando biologia na Unicamp e, ainda no seu primeiro ano de curso, pediu uma vaga de estágio no laboratório da instituição: queria estar por dentro da conversa dos pesquisadores, mesmo que para isso tivesse que se contentar em lavar a vidraria do local.
O contato com a biotecnologia veio no terceiro ano de faculdade. Finalmente ganhava nome aquela ciência que aparecia nos jornais: engenharia genética. A prática de modificar seres vivos, de repente, já não parecia tão distante da realidade de Natalia. De fato, estava prestes a se tornar sua realidade.
Em 2001, último ano de faculdade de Natalia, a Fapesp (agência que financia pesquisa no estado de São Paulo) anunciou que abriria no ano seguinte a primeira turma de doutorado direto – ou seja, sem necessidade de um mestrado antes. A cientista inscreveu seu currículo, fez a prova exigida e atingiu a nota necessária para pular esta etapa, tornando-se uma das primeiras deste seleto grupo de pesquisadores.
Como já dito no início, Natalia queria mudar o mundo, e seu projeto de doutorado, também na Unicamp, visava isso. A base alimentar brasileira é o arroz e o feijão. No continente africano, por sua vez, é o milho. Porém, o milho é um vegetal muito pobre em lisina – um aminoácido que não é produzido pelo organismo humano, mas que é necessário na dieta. Durante quatro anos, a cientista trabalhou em um milho transgênico rico em lisina, e conseguiu entregar o projeto.
O problema é que, na prática, a teoria é outra: a cientista sentiu que estava produzindo apenas conhecimento, já que faltava muito para seu produto chegar na mesa daquelas pessoas.
Natalia resolveu fazer pós-doutorado na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, onde integrou um grupo de pesquisadores que trabalhava no desenvolvimento de teias de aranha artificiais. O material feito pela aranha parece frágil, mas se for produzido em uma espessura maior, torna-se praticamente indestrutível. Ele poderia ser aplicado em diversos produtos, de coletes à prova de balas a peças de avião.
Funcionava da seguinte forma: a teia de aranha é um polímero formado a partir de pequenas proteínas excretadas pelo inseto. Os cientistas pegam os dois genes responsáveis pela fabricação da teia na aranha e os transferem para bactérias. Depois, basta recolher o produto fabricado pelas bactérias e juntá-lo a uma espécie de cola para agrupar as proteínas. O material rendeu diversas patentes e, atualmente, é explorado pela BASF, empresa líder mundial na área química.
Natalia se tornou mãe alguns anos depois e deixou os laboratórios. No final de 2015, mais uma vez acompanhando o noticiário, sentiu que deveria voltar à ativa. Enquanto segurava seu bebê no colo, via pela televisão os vários casos de microcefalia causados pelo Zika vírus no Brasil.
Foi assim que a pesquisadora chegou na Oxitec, uma empresa de biotecnologia que desenvolve insetos geneticamente modificados para auxiliar no controle da população desses animais. A cientista foi trabalhar como voluntária na empresa e, ao invés de estar nos bastidores, atuava basicamente como “tradutora”. Ela era responsável por acompanhar a equipe comercial em reuniões com a prefeitura, secretaria da saúde ou mesmo com as comunidades, a fim de explicar o projeto de uma forma simples e didática.
Hoje, Natalia é diretora geral da empresa no Brasil. Eles trabalham, por exemplo, com o mosquito Aedes aegypti, desenvolvendo machos autolimitantes e liberando-os no ambiente. Para entender o que isso significa, é necessário saber que apenas as fêmeas da espécie picam e, consequentemente, transmitem doenças como a dengue. A Oxitec produz um inseto macho geneticamente modificado que é solto no ambiente para cruzar com fêmeas selvagens. A alteração em seus genes faz com que apenas os descendentes machos sobrevivam, diminuindo o número de transmissores da doença no ambiente. O gene autolimitante prospera por oito a dez gerações.
Natalia Ferreira gerencia uma biofábrica de mosquitos Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
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