Até metade do século 20, os médicos passavam seus dias de maleta em mãos e de casa em casa. As visitas domiciliares eram o principal método de prestar atendimento em saúde. Todas as ferramentas de que o profissional dispunha para diagnosticar e tratar doenças cabiam naquela icônica maleta de couro.
Só que o mundo seguiu girando e as coisas mudaram. As cidades cresceram exponencialmente, assim como o conhecimento e a tecnologia em medicina. Não era mais viável que o médico se deslocasse de lar em lar. A maleta ficou pequena para tantos instrumentos e possibilidades.
O conhecimento médico levava 50 anos para dobrar até 1950. Em 2010, isso passou a acontecer a cada três anos. Em 2020, o volume de dados em saúde começou a dobrar a cada dois meses e meio. Se juntarmos toda a informação de saúde que um indivíduo gera ao longo da vida (exames, consultas etc.), teríamos o equivalente ao conteúdo de 300 milhões de livros.
Cada paciente se torna um desafio de big data, com uma carga de dados que ultrapassa a capacidade de processamento do cérebro humano. Daí não bastam trabalho duro e boa vontade. Precisamos da ajuda… das máquinas.
Vivemos um momento único, a quarta revolução industrial, marcada pela incorporação e pela democratização de novas tecnologias, o que catalisa o processo de transformação digital em todos os setores. Nossos smartphones ostentam hoje mais capacidade computacional que a encontrada no maquinário da Nasa que levou o homem à Lua na década de 1960.
No meio médico, sensores vestíveis, inteligência artificial, realidade virtual e impressão 3D são algumas das ferramentas que impactam o cotidiano, quebrando paradigmas e mudando decisões clínicas e a gestão da saúde. Um exemplo prático: relógios inteligentes verificam os batimentos cardíacos e alertam médicos e pacientes sobre o surgimento de arritmias.
A telemedicina, por sua vez, tem ampliado a coleta de informações e percepções sobre o paciente. Por mais irônico que pareça, profissionais pelo mundo relatam que a consulta remota muitas vezes os aproxima mais dos pacientes. Aliada a sensores vestíveis, ela nos permite monitorar pessoas a distância constantemente e agir de modo mais proativo.
Dentro do hospital, a realidade virtual auxilia cirurgiões a planejarem seus procedimentos: mais precisão e agilidade na operação, menor tempo de recuperação. O avanço é tamanho que já dá pra simular a resposta de um indivíduo a um tratamento por meio de programas que, cruzando dados genéticos, criam nossos “gêmeos digitais”.
Navegando nesse oceano de dados, a tecnologia permite entender e personalizar as necessidades de cada um — e enfrentar os desafios do século 21. Ela é implacável e nos transforma, mas, da mesma maneira que o telefone não aboliu a voz humana (só ampliou seu alcance), as inovações vêm amplificar nossas capacidades.
Não é preciso temê-las. É hora de atualizar o conteúdo da maleta do médico e começar a construir um futuro melhor para nós e os pacientes. Hoje.
* Mariana Perroni é diretora médica de Inovação e Saúde Digital do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo
Tecnologia versus medicina? Não! É tecnologia mais medicina Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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