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Uma das empresas mais bem sucedidas do Brasil foi fundada em São Paulo no ano de 1993 e hoje possui dezenas de milhares de funcionários, dos quais no mínimo 400 trabalham em sucursais instaladas em 16 países das Américas e da Europa. Ela é reconhecida por seu impacto social nas periferias da capital paulista – onde capta recursos humanos, impede pequenos crimes, distribui cestas básicas às famílias dos colaboradores e promoveu uma queda inédita na taxa de homicídios.
Suas principais áreas de atuação são o tráfico de drogas e a lavagem de dinheiro. Seus setores se chamam “sintonias”: Sintonia do Bob (comércio de maconha); Sintonia da 100% (comércio de cocaína pura); Sintonia das FMs (bocas de fumo); Sintonia da Cebola (arrecadação de mensalidades); Sintonia dos Gravatas (contração de advogados) e tantas outras.
Todas elas são subordinadas à Sintonia Geral Final e ao Resumo Disciplinar. Embora decisões importantes precisem passar por essas instâncias superiores, a relação entre as sintonias é típica de empresas contemporâneas: horizontalizada, com muita reflexão e diálogo. A comunicação se dá por “salves”, recados que se espalham via WhatsApp pelas quebradas e as mais 1.400 unidades prisionais brasileiras.
O jornalista Bruno Paes Manso e a socióloga Camila Nunes Dias são pesquisadores do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP e se dedicam há anos a investigar a história, as motivações e os bastidores do crime organizado no Brasil – um trabalho que inclui dezenas de entrevistas com membros e ex-membros de facções. O resultado é a melhor reportagem já publicada sobre a história do Primeiro Comando da Capital (PCC) e suas rixas e alianças com os demais grupos que disputam espaço na economia paralela do tráfico de drogas.
O PCC se fortaleceu nas últimas décadas não apenas pela capacidade insólita que seus líderes têm de administrar uma multinacional detrás das grades, mas também porque se baseia em uma filosofia de união e fortalecimento mútuo de seus integrantes que veio como um alívio no auge da violência nas favelas paulistanas, na década de 1990. Execuções arbitrárias praticadas por policiais impunes, justiceiros com mais de mil assassinatos na ficha e ciclos infindáveis de retaliação dentro e fora dos presídios saíram totalmente do controle do Estado.
O estopim foi o massacre de 111 presos na penitenciária do Carandiru em 1992. Ali se estabeleceu de vez a ideia de que o “crime fortalece o crime”: os verdadeiros inimigos são a Polícia Militar, a precariedade das prisões e o que se denomina genericamente “sistema”, a estrutura social desigual e inflexível que nega oportunidades a que vem da periferia. O PCC cometeu atrocidades inenarráveis contra seus adversários para assumir a dianteira do tráfico – mas, visto de dentro, ele se sustenta de baixo para cima. Obtém sua solidez dos valores compartilhados por seus membros, e não só do medo ou de punições.
Quem tenta entender o crime brasileiro de fora não vê muita coisa: a cobertura superficial dos telejornais mostra brigas entre facções, rebeliões em presídios, incêndios a ônibus, assassinato de policiais e depredação de delegacias, mas não diz nada sobre os fios que conectam esses eventos. O tráfico brasileiro se baseia numa complexa rede de alianças e inimizades que só às vezes emerge acima da linha da água – mas que, na prática, está por trás do aumento ou queda nos índices de criminalidade de diversas cidades, e faz circular uma quantidade colossal de dinheiro.
Tem solução? Tem, mas o recado de Bruno e Camila é claro: ela não passa por truculência, assassinatos e encarceramentos. Faz décadas que governos de todas as orientações ideológicas cometem os mesmos erros no combate ao crime organizado, enquanto ele se moderniza e atrai jovens que jamais alcançariam o mesmo status vivendo dentro da lei. As periferias brasileiras foram esquecidas pelo Estado e agora são suas inimigas. A guerra ao tráfico é um exercício exemplar em enxugar gelo, que ceifa vidas inocentes e não ataca a raiz do problema.
Se quisermos melhorar a situação do crime no Brasil, primeiro precisamos entendê-lo. E este livro é um ótimo passo.
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