domingo, 3 de setembro de 2023

Como se tratar direito sem conseguir enxergar uma bula?

Entre o diagnóstico da minha deficiência visual e a criação do projeto “Farmácia para cego ver”, há uma história de muitos desafios e percalços, mas também de beleza e magnanimidade.

Minha trajetória de luta começou na barriga da minha mãe, que teve gravidez de gêmeos com complicações. Infelizmente, o outro bebê morreu no quarto mês, e no sexto foi feita uma cesárea – eu tinha um quilo apenas.

Nos primeiros meses de vida, ia e vinha do hospital frequentemente, tive pneumonias constantes e fiz uma cirurgia cardíaca. Além disso, fui diagnosticada com uma deficiência visual congênita. Eu tinha coriorretinite, um processo inflamatório que afeta a úvea, e nistagmo, uma condição que causa movimentos involuntários nos olhos.

Mesmo com aproximadamente 5% de visão em ambos os olhos, tive uma infância feliz. Caí, brinquei, me levantei… e aprendi a superar os desafios da vida a cada dia.

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Principalmente por tudo que eu e minha família passamos em hospitais, nasceu o sonho de me tornar uma farmacêutica. Eu amo a área da saúde e, pensando no amor ao próximo, concluí o curso de Farmácia e Bioquímica.

Na faculdade, eu solicitava ajuda aos professores para provas e apostilas ampliadas, e durante as aulas anotava tudo para estudar. Aos poucos aperfeiçoei minhas estratégias para estudos, ao ponto de concluir duas pós-graduações em Gestão em Medicamentos e Farmácia Clínica e Prescrição.

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Aí veio a ideia do “Farmácia para cego ver”. O projeto surgiu através da minha vivência como farmacêutica e pessoa com deficiência visual.

Ora, o braille que vem nas embalagens de medicamentos não traz muitas informações, como o nome do princípio ativo, a dosagem, a quantidade disponível e a data de validade.

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Então como pessoas que nem eu, que não conseguem ler a bula, vão se informar adequadamente sobre medicações que recebem? Pior: como diferenciar um medicamento de outro, e evitar o uso indevido de um remédio?!

O projeto “Farmácia para cego ver” pretende tornar essas informações acessíveis para pessoas com deficiência visual. Através de um QR Code em relevo colocado na embalagem da medicação, a pessoa consegue usar seu celular para se informar melhor sobre o remédio que vai tomar.

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É uma iniciativa inovadora, que traz autonomia, segurança, acessibilidade, praticidade e qualidade de vida. Méritos que foram reconhecidos quando fui convidada a participar, no dia 16 de agosto de 2023, para participar do evento TEDx Unicamp Limeira – edição Habilidades do Futuro. Lá tive o privilégio de apresentar sobre meu projeto.

Segundo o último censo do IBGE, somos mais de 6,5 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência visual. E todos precisamos estar inseridos na sociedade.

*Grayce Miguel França é farmacêutica e pessoa com deficiência visual. É autora do projeto “Farmácia para cego ver”.

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