terça-feira, 5 de setembro de 2023

Novidades de um dos maiores congressos de cardiologia do mundo

Mais de 30 mil profissionais de saúde de 175 países participaram do congresso da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC, na sigla em inglês) em agosto. O encontro foi realizado em Amsterdã, na Holanda.

As descobertas foram compartilhadas em mais de 3,7 mil estudos e relatos de casos. Cerca de 80 destes trabalhos foram publicados simultaneamente em revistas de prestígio.

Além disso, foram lançadas quatro novas diretrizes da ESC, que devem influenciar a prática clínica não somente na Europa, como também no Brasil. Elas cobrem áreas como síndromes coronarianas agudas, endocardite, doenças cardiovasculares em diabetes e cardiomiopatias.

Veja os destaques.

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Semaglutida para pacientes com insuficiência cardíaca

O medicamento semaglutida, aprovado no Brasil primeiro para tratar a diabetes e, mais recentemente, a obesidade, tem sido estudado para outras condições de saúde.  

De acordo com um novo estudo apresentado no congresso, além dos benefícios já conhecidos para a perda de peso, a molécula também traz melhorias para sintomas relacionados à insuficiência cardíaca.

+ Leia também: Semaglutida demonstra benefícios em pessoas com insuficiência cardíaca

Na insuficiência cardíaca, o coração se torna incapaz de bombear o sangue de forma adequada para os outros órgãos do corpo.

Cerca de metade dos pacientes com o problema apresenta insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (o coração bombeia sangue, mas não relaxa adequadamente). A maior parte deles tem sobrepeso ou obesidade.

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Esse grupo foi o alvo da pesquisa recente com a semaglutida. Eles sofrem mais frequentemente com sintomas como falta de ar, intolerância ao esforço, inchaço e limitações físicas que diminuem a qualidade de vida.

O estudo, liderado pelo Saint Luke’s Mid America Heart Institute, incluiu 529 voluntários, com idade média de 69 anos, peso de 105kg e IMC de 37 kg/m². 

Os participantes foram distribuídos aleatoriamente em dois grupos. Uma parte recebeu semaglutida na dose de 2,4 mg uma vez por semana e a outra tomou placebo, uma substância sem qualquer efeito para o organismo.

Eles foram acompanhados ao longo de 52 semanas. 

Para avaliar os impactos da medicação, os especialistas utilizaram três indicadores: um questionário de sintomas relacionados à insuficiência cardíaca, um teste de caminhada e, por fim, a medida do peso corporal.

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Tratados com semaglutida apresentaram melhorias nos sintomas, nas limitações físicas e na função do exercícioIlustração: Otávio Silveira/SAÚDE é Vital

Em média, a mudança positiva no questionário foi de 16,6 pontos em 52 semanas para quem tomou a semaglutida 2,4 mg em comparação com 8,7 pontos do grupo placebo, uma diferença estimada de 7,8 pontos. 

Em termos práticos, os pacientes tratados apresentaram melhorias nos sintomas, nas limitações físicas e na função do exercício, além de uma redução de quadros inflamatórios. 

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A alteração no peso corporal foi de 13,3% para menos com semaglutida versus 2,6% com placebo. Os resultados foram publicados no periódico New England Journal of Medicine.

O médico André Feldman, coordenador dos Serviços de Cardiologia dos Hospitais Rede D’or São Luiz (Regional SP) e especialista do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, avalia os achados como promissores e destaca os três resultados observados.

“Um é a melhora da qualidade de vida. Outro é uma avaliação de teste de caminhada, em que se coloca o paciente para andar por seis minutos e se avalia quantos metros ele percorreu nesse tempo. O grupo que usou a semaglutida andou 20 metros a mais. O terceiro ponto foi a perda de peso, que foi mais proeminente nos pacientes que receberam o fármaco”, diz Feldman.

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diabetes pós-covid
No encontro, foram lançadas novas diretrizes para o cuidado de pacientes com diabetesFoto: Towfiqu barbhuiya/Unsplash/Divulgação

 

Diretrizes para diabetes

No encontro, a Sociedade Europeia de Cardiologia divulgou quatro novas diretrizes, que podem influenciar a prática médica também no Brasil.

As quatro novas recomendações europeias tratam de temas como síndromes coronarianas agudas, endocardite, doenças cardiovasculares em diabetes e cardiomiopatias. 

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Aqui, vamos desdobrar um pouco do que dizem as orientações voltadas para pacientes com diabetes tipo 2, que têm duas vezes mais probabilidade de desenvolver doenças cardiovasculares em comparação com pessoas saudáveis. 

“Os casos de diabetes vêm crescendo muito nos últimos anos e 70% dos pacientes morrem de doença cardiovascular, como infarto ou derrame”, afirma Feldman.

O médico explica que, até alguns anos atrás, não havia tantos recursos para diminuir essa mortalidade. Porém, a medicina descobriu fármacos que conseguem mudar tal panorama, e essas medicações agora são recomendadas como terapia de primeira linha para pacientes com diabetes

A Sociedade Europeia de Cardiologia agora recomenda duas classes de medicamentos para reduzir o risco cardíaco nessa população: os chamados inibidores de SGLT2, como a empaglifozina, ou agonistas de receptores de GLP-1, como a supramencionada semaglutida.

A orientação vale independentemente do controle e da medicação concomitante para glicose.

Os especialistas defendem ainda que o cuidado interdisciplinar e centrado no paciente é primordial para reduzir a mortalidade e melhorar a qualidade de vida.

A relação entre diabetes e coração é de mão dupla: estima-se que 25 a 40% dos pacientes com doenças cardiovasculares tenham diabetes não detectado. 

Nesse sentido, as novas diretrizes recomendam que não só o risco ao peito seja amenizado nestes pacientes, mas indicam o rastreio sistemático de diabetes em todos os portadores de condições cardíacas. 

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As diretrizes introduzem um novo cálculo, denominado SCORE2-Diabetes, para estimar o risco de infarto em dez anos em pacientes com diabetes tipo 2. 

A pontuação reúne informações sobre fatores de risco convencionais de doença cardiovascular – como idade, tabagismo, pressão arterial e colesterol, combinadas a dados específicos do diabetes, incluindo idade no diagnóstico, nível de açúcar no sangue e função renal.

A partir disso, os indivíduos devem ser classificados como de risco baixo, moderado, alto ou muito alto.

O médico cardiologista Álvaro Avezum, coordenador do Centro Internacional de Pesquisa do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, explica que as diretrizes daqui são emitidas pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) em consonância com as orientações da Sociedade Europeia de Cardiologia, da Associação Americana do Coração e do Colégio Americano de Cardiologia.

Novos dados sobre a colchicina

A colchicina é um medicamento anti-inflamatório clássico, utilizado no tratamento de gota, doença que afeta principalmente as articulações, relacionada aos níveis elevados de ácido úrico no sangue.

Há anos, o composto tem despertado a atenção da cardiologia devido a observações de possíveis benefícios para pacientes com diversas condições cardíacas. E até já é usado de maneira off-label em algumas situações, daí a importância de estudos investigando esse potencial.

Nesse cenário, uma das pesquisas apresentadas no congresso investigou a capacidade do fármaco na redução da fibrilação atrial (um tipo de arritmia) em pacientes submetidos a cirurgias torácicas não cardíacas.

A fibrilação atrial é uma das complicações mais comuns após esse tipo de procedimento cirúrgico, atingindo cerca de 10 a 20% dos operados. A prevenção pode ajudar a reduzir a mortalidade, além de evitar problemas como o acidente vascular cerebral (AVC) e o prolongamento da hospitalização.

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“O objetivo era usar colchicina um pouco antes do procedimento e alguns dias depois. No total, foram dez dias de tratamento com o objetivo de prevenir arritmia”, explica Avezum.

O cardiologista aponta que os resultados não foram animadores. “O estudo mostrou que o uso de um anti-inflamatório em uma cirurgia torácica não cardíaca não foi capaz de reduzir o risco de fibrilação atrial”, diz o médico.

Avezum destaca, contudo, que os achados são importantes do ponto de vista da evolução no conhecimento científico e no direcionamento de práticas clínicas.

Outros achados

A deficiência de ferro é comum em pacientes com insuficiência cardíaca, com uma prevalência que varia de 30 a 80%. O problema está associado ao aumento da mortalidade e hospitalização.

Estudos com a reposição do mineral mostraram melhorias nos sintomas, na capacidade funcional e na qualidade de vida. No entanto, os efeitos nos ditos desfechos “duros” — que não são medidos de maneira subjetiva, como hospitalizações e óbitos — ainda não são totalmente esclarecidos.

Um estudo apresentado no congresso da ESC avaliou 4.501 voluntários com insuficiência cardíaca e deficiência de ferro, divididos entre um grupo recebendo a suplementação, o outro o placebo. 

A terapia foi associada a uma redução da taxa relativa de 17% no total de hospitalizações cardiovasculares e a uma queda de 16% no total de internações por insuficiência cardíaca. 

Contudo, não houve efeito da administração de ferro sobre a mortalidade. 

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