No outono e inverno, o tempo vai esfriando; mas, entre as cobras, é nesses meses que o clima começa a esquentar. Está chegando o seu período reprodutivo, em que machos e fêmeas começam os esforços para achar parceiros, ter filhotes e fazer a espécie prosperar.
Nessa fase, as fêmeas estão com o desenvolvimento folicular ativo, e seus óvulos estão quase prontos para a fecundação. Elas passam a produzir mais estradiol, um importante hormônio sexual, e começam a exalar feromônios – um sinal de que ela está na pista.
Em temporada de acasalamento, os machos têm pico de testosterona, e sentem-se “atraídos” pelos feromônios femininos. Então, saem pela natureza em busca da possível parceira.
Triângulo amoroso
Não é nada incomum perceber que tem outro cara indo atrás da moça que você estava interessado; e cobras também passam por isso. Quando dois machos se trombam no caminho, eles vão disputar a possibilidade de cortejar a fêmea. Realmente, disputar – é um ritual chamado “dança combate”, em que os dois se enrolam entre si tentando baixar a cabeça do oponente.
Cada espécie tem um estilo de luta diferente, que envolve um macho tentando aplicar sua superioridade ao outro. Nesse rala e rola, é comum que pessoas leigas se confundam e achem que a treta é transa.
Quando um dos machos fica cansado demais para continuar com a briga, ele vai embora, cedendo ao vencedor o acesso à fêmea nas proximidades. O objetivo da procriação é gerar descendentes mais fortes, então a luta seria uma espécie de “teste” para garantir que o macho escolhido para a cópula seja o mais apto possível.
O macho pode ser o partidão que for, mas pode ser que, mesmo assim, a fêmea não queira ficar com ele. Ganhar no braço de ferro reptiliano não quer dizer que o macho vai conseguir acasalar. Para que a fecundação aconteça, a fêmea precisa levantar sua cauda e liberar a cloaca – uma cavidade que dá acesso ao aparelho reprodutor. E, se não estiver disposta, a cobra fica bem enroladinha em um canto, para deixar evidente seu desinteresse pelo macho e desencorajar qualquer aproximação.
Se o santo bater, ótimo, mas mesmo assim a cópula não vai ser uma tarefa fácil. As fêmeas precisam ser estimuladas pelo parceiro. Cada espécie têm uma estratégia diferente, que pode envolver massagem e até mordida no pescoço. Geralmente, o macho vai rastejando e esfregando o seu “queixo” sobre o corpo e pela lateral da fêmea. Essas técnicas servem, aparentemente, para pacificar a fêmea e induzir sua receptividade à cópula.
Na hora “H”, o macho sobe em cima da fêmea e põe para fora seus hemipênis (dois órgãos sexuais, um ao lado do outro em formato de “V”) e tenta encaixar um deles no órgão reprodutor da fêmea (sua vagina é dividida em dois canais internos, e também se parece com a letra “V”). Para que fiquem bem grudadinhos durante a relação, o órgão masculino é revestido de pequenos espinhos.
Uma vez iniciada a cópula em si, o macho sai de cima da fêmea e os dois ficam unidos pelas caudas, muitas vezes com as cabeças viradas para lados diferentes. “Ao contrário dos primatas, as serpentes não têm controle da ejaculação. É realmente algo difícil, uma maratona que pode demorar horas”, diz Selma Santos, diretora técnica do Laboratório de Ecologia e Evolução do Butantan (LEEV). De acordo com a especialista, há registros de atos sexuais que demoraram mais de dez horas para terminar.
Depois do momento a sós, cada cobra segue para um lado e continua sua vida normalmente – sem mensagem no dia seguinte, um desapego total. A fêmea pode até acasalar com vários machos em uma única temporada e uma mesma ninhada pode ter cobrinhas de pais diferentes. O útero de algumas serpentes é capaz de se contrair e armazenar o esperma até que os óvulos estejam completamente maduros e prontos para a fecundação. Tanto que, por mais que o período de acasalamento seja durante o outono e o inverno, o período fértil das cobras só começa quando chega a primavera.
Um processo curioso e ainda não muito estudado também acontece dentro do órgão reprodutor feminino. Além de segurá-los, as cobras fêmeas são capazes de selecionar os melhores espermatozoides que acumularam durante a temporada. Acasalar com mais de um macho pode dar mais variabilidade genética para a ninhada, e ajudar a gerar cobrinhas mais fortes.
Orgia réptil
Se diversos machos se sentirem atraídos pelo feromônio de uma fêmea, eles podem tentar copular com ela todos ao mesmo tempo. Essa briga reprodutiva é chamada de agregação, e já foi identificada em sucuris, jiboias e membros da família Colubridae. “É uma disputa maluca. Existem registros de agregações com muitos machos tentando penetrar uma única serpente”, explica Samira Vieira, mestre em reprodução de serpentes pela Universidade de São Paulo.
Nessa bola reprodutiva, algumas cobras usam um técnica curiosa para enganar a concorrência. Alguns machos têm, em sua pele, um lipídio comum de ser encontrado nas fêmeas, o que confunde os opositores. Enquanto os desavisados tentam copular com o macho travestido, ele consegue achar a fêmea verdadeira no meio da confusão e tomá-la para si.
Fêmea com fêmea
Pesquisas conduzidas pelo Laboratório de Ecologia e Evolução do Butantan na Ilha da Queimada Grande, no litoral paulista, perceberam que diversas fêmeas da jararaca-ilhoa (Bothrops insularis) tinham tanto uma vagina quanto um hemipênis. No hora do cortejo entre dois indivíduos, os pesquisadores não notavam a típica diferença de tamanho entre machos e fêmeas, e a ação não evoluia para uma cópula
Segundo os cientistas, isso é evidência de que, naquela região, a maioria dos cortejos envolvam, na verdade, duas fêmeas. Essa “pseudocópula” poderia acelerar o processo de maturação sexual da serpente para a temporada de acasalamento.
“Fazemos expedições à ilha há mais de 20 anos e só em 2019 uma de nossas alunas conseguiu registrar um acasalamento. É uma possibilidade que ainda carece de testes para ser totalmente confirmada, mas definitivamente muito interessante”, afirma Santos.
Dia do sexo: conheça a (intensa) vida sexual das cobras Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
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