quinta-feira, 16 de maio de 2019

Memecracia: a força destrutiva por trás do Ministério da Educação

O Ministério da Educação é um dos gigantes do governo. Pelos dados recentes do orçamento, ele só gastou menos, até agora, do que a previdência, a saúde e a assistência social. Dos R$ 117 bilhões orçados, a educação já usou R$ 29,5 bi. Sob o guarda-chuva do ministério está uma complexa rede de programas de apoio a Estados e municípios, o que inclui a compra de livros didáticos e a administração de universidades federais e dos hospitais ligados às instituições de ensino. A grande especialidade do MEC nos últimos meses, porém, foi a produção de memes para os apoiadores mais radicais do presidente Jair Bolsonaro.

No reinado de Ricardo Vélez Rodriguez, o breve, tivemos o hino nacional gravado e obrigatório – e depois o recuo para nem gravado, nem obrigatório. Ele também rotulou os brasileiros de canibais e propôs uma revisão dos livros de história para que eles refletissem a visão do presidente sobre o período. Vélez caiu, mas seu sucessor, Abraham Weintraub, se mostrou um sucessor ainda mais competente na tarefa de produzir material de apoio à campanha eleitoral permanente do governo. Poucas pessoas seriam capazes de provocar tanto rebuliço em tão pouco tempo.

Em cinco semanas no cargo, Weintraub desafiou o bom senso, a Constituição e a ética. Ele propôs cortar investimentos na área de humanas, filosofia e sociologia para privilegiar áreas que, segundo ele, seriam mais úteis. Faltou combinar com a história – não a disciplina, mas o registro das mudanças do pensamento humano. Também faltou um consultor jurídico, já que a medida é ilegal. A legislação do País garante autonomia para as universidades. Por fim, ainda faltou combinar com a realidade. Afinal, filosofia e sociologia consomem uma quantidade ínfima de recursos públicos no ensino superior.

O corte de 30% afeta mais as áreas de biológicas e exatas, que o governo diz priorizar, do que as de humanas.

Como o MEC é brasileiro e não desiste nunca, Weintraub dobrou a aposta. Anunciou corte de 30% do orçamento de três universidades que, segundo ele, produziam “balbúrdia”. Uma vez que balbúrdia não é critério técnico, o ministro teve de voltar atrás. Ele corria o risco de sofrer, no mínimo, um processo por improbidade administrativa. Parecia uma grande oportunidade de retorno à normalidade. Não foi.

O ministro estendeu o corte para todas as universidades. Segundo ele, a ideia era priorizar a educação básica. E, claro, atrapalhar a vida dos professores universitários. Porém, a realidade, essa grande produtora de balbúrdias, atrapalhou novamente os planos da dupla Bolsonaro-Weintraub.

O corte de 30% afeta muito mais as áreas de biológicas e exatas do que as de humanas. O orçamento público, grosso modo, tem duas áreas. Uma é formada por despesas obrigatórias, como salários. A outra tem mais flexibilidade e é chamada de custeio. Entram aí a compra de materiais para laboratório, salário de funcionários terceirizados, comida para o bandejão, energia elétrica, água. Nos cursos de humanas, muitas vezes basta giz e professor. Exatas e biológicas dependem de experimentos em laboratório, substâncias para fazer testes, viagens para conferências. O ministro mirou na antropologia e acertou a medicina. Mirou os estudos de gênero e afetou a veterinária. Mirou o professor de esquerda e acertou a faxineira terceirizada. É um erro tão impressionante que merece umas três teses de doutorado em ciência política.

A justificativa de que os cortes se transformariam em investimentos na educação básica também flopou. Os programas de apoio a essa área também sofreram com cortes. Em alguns casos, de 40%. O principal argumento do MEC foi desmentido pelo próprio MEC. Em um governo normal, o ministro sairia dos holofotes, voltaria para as planilhas, reuniria os aliados e criaria um programa. Foi, aliás, o que alguns militares tentaram fazer, sem sucesso, na transição de Vélez para Weintraub. Esses militares, é bom lembrar, foram demitidos.

Em vez de seguir o bom senso, Weintraub resolveu desafiar a ética. Numa transmissão ao vivo feita junto com o presidente Bolsonaro, ele disse que o corte não era de 30% nas verbas universitárias, mas de 3,5%. Malandramente, juntou as despesas obrigatórias, como salários, junto com o dinheiro de custeio. Aglutinou o que pode cortar com o que não pode para diminuir o impacto das suas declarações.

Tudo isso acontece num ministério-chave. Embora o MEC administre apenas 0,4% das cerca de 185 mil escolas brasileiras, ele é, ou deveria ser, o maestro das políticas públicas na área. É o papel, aliás, que o ministério assumiu durante os últimos 30 anos.

Nas gestões do PSDB, do PT e do MDB, com diferenças de visão aqui e ali, o MEC teve um programa claro. Na década de 1990, o foco foi em universalizar o acesso ao ensino fundamental, do primeiro ao nono ano. Também dessa época é a criação de um fundo, com recursos do governo federal, Estados e municípios, para garantir o financiamento da área. Deu certo. O País fez em pouco mais de dez anos o que não tinha feito em 150. Pela primeira vez, estávamos conseguindo colocar (quase) todo mundo nas escolas.

Na década de 2000, o foco foi em avaliação da qualidade educacional, na ampliação do acesso e no ensino superior. Aos poucos, o Brasil ia fazendo valer aquilo que está na Constituição de 1988: educação era direito de todas as pessoas e um dever do Estado diante dos seus cidadãos. Os investimentos na área cresceram em números absolutos e em proporção ao PIB, cobrindo os buracos das décadas anteriores. Quando Michel Temer deixou o Palácio do Planalto, havia um caminho a seguir. Embora nem tucanos nem petistas admitam, eles provavelmente concordariam com muitas das políticas do ex-presidente – afinal, boa parte delas foram gestadas por petistas e tucanos.

Os grandes desafios da área de educação são claros. É preciso investir na formação de professores, para melhorar substancialmente a qualidade da aprendizagem dos alunos. É urgente colocar mais dinheiro em infraestrutura, já que muitas escolas sobrevivem em condições precárias. É preciso garantir, num cenário de escassez de dinheiro público, mais recursos para a educação – e isso passa por trabalhar junto com Estados e municípios para priorizar a área em vez de, digamos, publicidade.

O caminho é óbvio. Do PSOL ao DEM, provavelmente a maior diferença não esteja no programa, mas em como executá-lo. Há um certo consenso entre os partidos normais sobre o papel do MEC. Infelizmente, porém, não estamos vivendo em tempos normais. Estamos em uma memecracia. Animar as bases de apoio parece mais relevante do que o futuro das milhões de crianças que, todos os dias, vão às escolas para, quem sabe, ter um futuro.


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