Divertículos são formações saculares que podem ser encontradas em qualquer segmento do tubo digestivo, com maior frequência no intestino grosso, o cólon. Embora também existam divertículos no intestino delgado, eles são muito menos comuns por lá.
Estima-se que a doença diverticular do cólon (DDC) ocorra em aproximadamente 5% da população em geral, sendo bastante rara abaixo dos 35 anos e aumentando progressivamente nas faixas etárias subsequentes, até atingir mais de 65% das pessoas acima dos 80 anos. Pode ocorrer em todo o cólon, mas predomina no sigmoide e descendente, especialmente no sexo feminino.
Além da relação com a idade, sabe-se que a DDC é menos encontrada em grupos populacionais que consomem maior quantidade de fibras. Estudos de anatomia patológica demonstraram que, nessa condição, ocorre um aumento da espessura das camadas musculares do intestino, gerando câmaras de pressão que resultam em extravasamentos da mucosa através dos pontos de fraqueza da parede intestinal. Assim, pessoas constipadas podem desenvolver divertículos por fazerem cronicamente força para evacuar.
Fora o fator dietético — que, além do menor consumo de fibras, está associado à maior ingestão de carne vermelha e deficiência de vitamina D —, existe também a influência genética (existem famílias com uma maior concentração de casos), além do impacto da atividade física regular e da obesidade. O tabagismo e o uso de alguns medicamentos (anti-inflamatórios, corticoides, opiáceos) também pode predispor a complicações da doença.
O termo DDC engloba outros como diverticulose (presença de divertículos sem sintomas), diverticulite (divertículos com inflamação) e as complicações da doença (sangramento, fístula e obstrução). O tratamento costuma ser o que nós, médicos, chamamos de conservador.
Na doença diverticular não sintomática, são prescritas medidas para prevenir complicações, como dieta rica em resíduos, redução do peso e controle da obstipação. Na doença sintomática, o tratamento é feito com as medidas já citadas acrescidas de medicamentos antiespasmódicos e antibióticos. Cabe ressaltar que no tratamento da DDC não é necessário retirar grãos da dieta, como às vezes se ouve por aí.
Complicações que levam à cirurgia
Estima-se que de 1 a 4% dos portadores de DDC poderão um dia desenvolver diverticulite, uma inflamação aguda. Essa é a complicação mais comum da doença, que envolve de quadros leves (alguns nem exigem internação) a dramáticos, com perfuração intestinal e infecção pelo abdômen. Esses processos infecciosos podem se repetir ao longo da vida, a depender da idade da primeira crise, da extensão do intestino com divertículos, de tratamentos prévios e histórico familiar.
O quadro de infecção e fibrose local (o endurecimento pela cicatrização do tecido) é crônico e sua repetição pode levar à estenose do cólon, que nada mais é que a diminuição do seu calibre. São situações assim que abrem caminho à chamada estenose diverticular do cólon sigmoide, problema que acometeu o Papa Francisco, de 84 anos.
Nessa situação, a pessoa apresenta maior dificuldade para evacuar, necessitando fazer força e sofrendo de cólicas abdominais, empachamento abdominal, gases e afilamento das fezes. Progressivamente, o quadro poderá culminar até a obstrução intestinal e uma cirurgia de urgência.
Além do relato de vários episódios de diverticulite (ou quadros de dor abdominal), a suspeita de estenose diverticular é confirmada por tomografia computadorizada e colonoscopia. Esses exames poderão atestar a diminuição do calibre de uma porção do intestino grosso, chegando a impedir ou dificultar a passagem do colonoscópio. É imperativo, nesse contexto, estabelecer o diagnóstico correto, diferenciando a doença de um câncer de cólon, por exemplo.
Na estenose, o tratamento mais adequado é o cirúrgico, pois a manipulação endoscópica é pouco efetiva e associada a risco de perfuração. Além disso, algumas vezes não se consegue descartar a presença de um tumor, então a ressecção desse segmento torna-se necessária.
O procedimento pode ser feito por laparotomia (com incisão e abdômen aberto) ou laparoscopia (por meio de pequenos furos no abdômen). Em condições eletivas, a via laparoscópica é possível na maioria dos casos, trazendo vantagens importantes como menos dor, recuperação mais rápida, menos complicações e melhor estética abdominal.
A cirurgia consiste na retirada de todo o cólon sigmoide e, quando necessário, um pequeno segmento do cólon descendente (ambos do lado esquerdo). Após a remoção, o trânsito intestinal é normalmente refeito por uma sutura entre o cólon e o reto.
Embora essa operação possa trazer riscos de complicações (não só restritas ao tubo digestivo), a mais temida é a deiscência de anastomose, a abertura da sutura. Isso gera a necessidade de uma nova operação, na vigência de uma infecção importante, mudando as perspectivas de recuperação pós-operatória.
Por isso o Papa Francisco deverá ficar internado por cerca de uma semana, até que ele evacue e se constate que a sutura do intestino está perfeita. Nesse momento, terá alta caso não tenha ocorrido nenhuma outra complicação pós-operatória. Em paralelo, um exame de laboratório feito no trecho retirado do intestino comprovará ou não o diagnóstico prévio. Não se constatando nada mais preocupante, ele poderá voltar a ter uma vida normal.
* Fábio Guilherme Campos é ex-presidente da Sociedade Brasileira de Coloproctologia e professor da Faculdade de Medicina da USP
Estenose diverticular: a doença que fez o Papa Francisco ser operado Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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