Por toda minha vida profissional, me perguntei como seria viver um fato histórico disruptivo. Eis que, em março de 2020, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou a Covid-19 como uma pandemia, estávamos diante de um deles.
Ainda não tínhamos ideia do que aconteceria, muitos nem acreditavam que o problema durasse muito tempo, mas a realidade é que, quase dois anos depois da confirmação do primeiro caso no Brasil, ainda enfrentamos e nos recuperamos de uma das piores crises sanitárias de todos os tempos, que levou a vida de mais de 620 mil brasileiros.
A pandemia representa um marco terrível para a história da humanidade, ao mesmo tempo em que precipitou mudanças de comportamento e no mercado.
Não bastassem os impactos na área da saúde, os efeitos negativos se estendem à economia: um dos grandes reflexos foi o aumento do desemprego. Segundo o IBGE, a taxa de desemprego no Brasil é de 12,6%, ou 13,5 milhões de cidadãos.
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Fora isso, a pandemia afetou aspectos socioeconômicos globais, produzindo recessão e dificultando acesso à alimentação, à educação e aos cuidados com a saúde, principalmente em países marcados por desigualdade social, como o nosso.
Em nenhuma das crises sanitárias do século 21 o número de mortes foi tão alto ou exigiu do Estado a injeção de recursos financeiros em escala tão elevada.
Por tudo isso, a pandemia do coronavírus ensinou a necessidade de construirmos uma agenda de saúde pública com uma perspectiva integral e integrada, que reconheça a interdependência que existe entre as dimensões sanitária, social, econômica e ambiental.
Se o controle da Covid-19 tivesse sido mais rígido no Brasil desde o início, com o isolamento social e a criação de auxílio para as famílias mais pobres, não teríamos encarado um cenário de lotação de UTIs, ausência de insumos básicos e carências diversas para a população, sendo emblemático o que foi presenciado em Manaus com a falta de oxigênio em hospitais.
Felizmente, mas sem esquecer dos que se foram, o cenário foi mudando com o avanço da vacinação, e os sistemas de saúde conseguiram se desafogar.
Mas outra preocupação aparece em nosso horizonte como consequência da pandemia. A brecha que se abriu com a falta de acompanhamento médico de outras doenças devido à necessidade de isolamento social e lotação de hospitais dedicados à Covid-19 repercute na falta de diagnóstico e tratamento médico, inclusive para problemas como o câncer.
De acordo com um estudo da Universidade de São Paulo (USP) coordenado pelo professor Nivaldo Alonso, cerca de 1 milhão de procedimentos cirúrgicos foram desmarcados ou adiados. Com a menor atenção e procura para a detecção e o tratamento de outras enfermidades recorrentes, as chances de cura podem ser menores.
Esse é certamente um dos principais desafios para o setor médico público e privado, ainda mais num contexto de nova alta nos casos de Covid-19.
A solução passa por acelerar a digitalização dos sistemas de saúde, ampliar o acesso às teleconsultas e estimular a procura do sistema de saúde, seguindo os protocolos de segurança, na presença de sintomas suspeitos.
Com tantos efeitos negativos trazidos pela pandemia, o questionamento que fica é o que conseguimos aprender com ela. Talvez a primeira das lições foi valorizar a ciência e as instituições de pesquisa e o sistema de saúde pública.
A segunda, e não menos importante, foi valorizar as relações humanas, o afeto e o cuidado com o próximo. Também aprendemos a melhorar nossos hábitos de higiene e nos adaptamos a um novo formato de vida, em que boa parte das atividades pode ser feita à distância.
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Ainda nos perguntamos quando a pandemia vai acabar ou se isso pode acontecer um dia, mas as respostas divergem mesmo entre a comunidade científica.
Encontrar maneiras de desacelerar a propagação de uma doença e controlar os seus efeitos é o caminho mais seguro. A testagem e a vacinação em massa fazem toda a diferença nesse sentido. E isso vale para todo o mundo.
Muito provavelmente, nossa sociedade conviverá com o coronavírus por anos, como ocorre com a gripe, o que exigirá atenção frequente, medidas de higiene e proteção e doses de reforço das vacinas.
Para evitar novas epidemias, a estratégia mais efetiva é a vigilância, ou seja, monitorar zoonoses e infecções emergentes. Existem locais mais propícios para o aparecimento de patógenos que conseguem passar de animais para seres humanos, como regiões que não possuem saneamento básico e acesso à educação sanitária e que praticam o abate e comércio de animais sem os devidos cuidados. Eles devem ser encarados como pontos de atenção!
Além disso, é necessário reforçar o papel de bem público das vacinas existentes, instituindo mecanismos de financiamento e campanhas de saúde pública que possam informar a população sobre os imunizantes e eventuais novas doenças. Esse é o legado mínimo da Covid-19.
* Euclides Matheucci Jr. é professor e orientador no Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia da Universidade Federal de São Carlos (UFScar) e cofundador e diretor científico da empresa de biotecnologia DNA Consult
O que aprendemos com a Covid-19 e como será o amanhã? Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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