Após 30 anos, a anemia aplástica severa acaba de ganhar um novo padrão de tratamento medicamentoso capaz de impactar a vida dos pacientes.
Conduzido pelo principal grupo de hematologia da Europa, um estudo independente publicado no último dia 6 de janeiro no New England Journal of Medicine (NEJM) indica que a associação da droga eltrombopague com a terapia imunossupressora apresenta resultados altamente eficazes contra a doença.
Mas vamos voltar ao início. A anemia aplástica é caracterizada por um funcionamento insuficiente da medula óssea – responsável pela produção de todo o sangue circulante em nosso corpo –, levando a uma queda nas taxas dos glóbulos brancos (leucócitos), glóbulos vermelhos (hemácias) e das plaquetas.
Dependendo do nível dessa queda, analisada no exame de hemograma, a anemia aplástica pode ser considerada de grau moderado ou severo.
Nas formas severas, a doença é fatal se não for tratada. As complicações são decorrentes de infecções (por conta da redução dos leucócitos, nossas células de defesa) e sangramentos (devido à diminuição das plaquetas, que participam da coagulação de nosso sangue).
Já a baixa nas taxas das hemácias resulta em anemia, e sintomas como cansaço, fadiga, e falta de ar se tornam comuns. Nesse cenário, transfusões são frequentes.
Com isso, a medula óssea – assim como outros órgãos, como o coração, rim, fígado, etc. – pode se tornar insuficiente e entrar em falência.
A causa desse colapso é, na maioria dos casos, uma alteração autoimune. Significa que as células do próprio paciente atacam as células “mãe” da medula óssea (também conhecidas como células-tronco), que dão origem a todas as demais células do sangue.
Esses casos não são hereditários e acometem principalmente pacientes jovens, de 15 a 35 anos de idade.
Só uma minoria dos quadros de anemia aplástica são hereditários –quando há alterações genéticas – e, geralmente, acometem crianças.
O tratamento
Na doença severa imune, e em pacientes de até 40 anos, o tratamento é baseado em um transplante de medula óssea alogênico a partir de um doador compatível.
Nos demais casos, recorre-se à terapia imunossupressora. Seu objetivo é controlar as células que estão atacando a medula, fazendo, assim, com que a sua função retorne.
Cabe ressaltar que a maioria dos pacientes no mundo não realiza o transplante. Isso acontece devido a fatores como falta de um doador compatível, dificuldade de acesso a um centro transplantador, idade mais avançada, comorbidades ou preferência do próprio paciente.
Portanto, desde os anos 1990 a terapia imunossupressora, realizada com duas drogas, tornou-se o padrão.
Nos anos subsequentes, ocorreram várias tentativas de melhorar esse esquema e os desfechos, só que elas foram desapontadoras.
Reviravolta
Então, há 10 anos, uma medicação não imunossupressora, capaz de estimular a medula óssea, mostrou-se eficaz entre pacientes que não responderam ao tratamento imunossupressor inicial.
Os estudos seguintes incorporaram essa medicação ao tratamento imunossupressor original, chegando a um regime com três drogas.
E, assim, pela primeira vez em décadas, conseguiu-se um resultado superior àquele obtido com o sistema tradicional, de duas drogas, com melhores índices de resposta e a obtenção de independência de transfusões.
Um estudo piloto americano levou à aprovação desse esquema tríplice em vários países desde 2018 – inclusive no Brasil, em 2020.
No último dia 6, uma pesquisa com quase 200 pacientes que comparou o regime de duas versus três drogas foi publicada no NEJM – inclusive, eu assino o editorial que acompanha o artigo. É o trabalho que citei anteriormente.
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Nesse estudo europeu, ficou demonstrado de forma definitiva que o regime de três drogas foi superior ao de duas, consolidando-se como o novo tratamento imunossupressor na anemia aplástica severa. Trata-se do primeiro progresso em 30 anos.
Tive a oportunidade de desenvolver o regime inicial com três drogas e acompanhar de perto todo esse processo, participando das publicações que culminaram no novo padrão, que já está em uso em grandes centros de referência em hematologia, como a Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Espero, agora, que não demore mais 30 anos para termos novas evoluções para combater a anemia aplástica.
*Phillip Scheinberg é hematologista e coordenador da Hematologia do Centro de Oncologia e Hematologia da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Um novo futuro para os pacientes com anemia aplástica severa Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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