Nos últimos anos, devido ao isolamento necessário para controlar a pandemia do coronavírus, subiu no Brasil o índice de mortes atribuídas ao alcoolismo.
Saltam aos olhos os números relacionados especificamente às mulheres, que ajudaram a impulsionar essa tendência ao longo da última década. Vale dizer que as integrantes do sexo feminino são mais vulneráveis aos impactos desse hábito.
Só em 2020, 23% das mortes por causas atribuíveis ao álcool foram de mulheres — falamos de acidentes de trânsito, atos de violência ou doenças relacionadas ao alcoolismo.
O dado representa dois óbitos a cada hora pelo uso nocivo de bebidas, segundo análise do CISA – Centro de Informações sobre Saúde e Álcool, com base em dados do Ministério da Saúde.
As mulheres ainda ajudaram a alavancar os índices de internação por essas mesmas causas. Entre a população total, ao longo da década, esse número subiu de 11,7 milhões para 12,2 milhões. Quando se contabiliza só as mulheres, a subida vai de 85,3 mil internações para 105,4 mil.
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Ainda que bebam a mesma quantidade que os homens, elas sentem antes os efeitos colaterais do abuso.
Isso ocorre porque as mulheres têm menos água no organismo e menos enzimas no fígado, que ajudam a metabolizar o álcool. Com isso, a substância fica mais concentrada, e as complicações chegam mais cedo.
Para ter ideia, o uso nocivo do álcool acelera o desenvolvimento de cirrose, hepatite alcoólica e doenças cardíacas. Quem exagera na dose tem de 5 a 9% mais risco de desenvolver câncer de mama do que as que não bebem. Sem falar no já mencionado aumento de casos de violência e acidentes de trânsito.
“Essa é uma tendência mundial, por isso há muitos estudos em andamento sobre essa questão. O mundo está de olho nelas”, conta a socióloga Mariana Thibes, coordenadora da CISA.
Os motivos por trás do abuso
A pandemia piorou o estresse feminino, pois, entre outras coisas, o isolamento intensificou ainda mais as múltiplas jornadas da mulher. Só que essa não é a única causa do exagero nos drinques, que começou em 2010.
“Tem também a mudança do papel da mulher na sociedade, principalmente no mercado de trabalho. Ela divide espaço com os homens, vai para o happy hour no fim do dia e consome a mesma quantidade de álcool que eles”, nota Mariana.
O movimento é visto também na vida social, sobretudo em festas e casas noturnas, ambientes nos quais é comum, hoje, ver grupos de meninas com o copo na mão.
Você sabe o que é consumo abusivo de álcool?
“Essa atividade foi naturalizada pelo brasileiro, mas ela não é segura e está relacionada a mais de 200 tipos de doença. Precisamos ter políticas públicas que incentivem uma relação mais saudável com o álcool. Ninguém fala sobre isso”, defende Mariana.
O consumo abusivo acontece quando as mulheres tomam de quatro ou mais doses em uma única ocasião, pelo menos uma vez ao mês. Cabe lembrar que uma dose é equivalente a:
- 350 ml (uma lata) de cerveja
- 150 ml (uma taça) de vinho
- 45 ml (shot) de destilado
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O limite muda um pouco para os homens em decorrência das questões biológicas que explicamos. Para eles, estão liberadas duas doses por dia.
Segundo a socióloga, a mulher tende a beber dessa maneira até por razões positivas, como celebrações, mas as doses servem também de desculpa para relaxar.
“Vimos recentemente na internet um movimento de mães de 35 a 40 anos que postavam fotos no fim do dia tomando uma taça de vinho”, exemplifica Mariana. “É algo bem preocupante”, alerta.
De fato, não é nada fácil lidar com filhos, tarefas de casa e contas do mês simultaneamente. A questão é que, com o tempo, uma taça tende a não bastar. Aí, é necessário dobrar a dose para esquecer dos problemas. E assim surge o problema.
Com o vício instalado, as mulheres ainda têm mais dificuldades de procurar ajuda. Mães têm medo de perder a guarda dos filhos e do julgamento no trabalho e na família.
“Temos a estrutura do CAPS AD, uma rede eficaz dedicada a alcoolismo e drogas, em que é possível iniciar tratamento médico e ter acesso à terapia. O que falta é um atendimento mais personalizado para elas”, avalia Mariana.
É que as mulheres não se sentem totalmente acolhidas em grupos mistos.
“Em uma experiência, ao criar um grupos só com mulheres, a adesão ao tratamento aumentou”, relata a socióloga.
Por que elas morrem e em que idade?
Jovens brasileiros continuam bebendo mais. Entre 18 e 34 anos, o índice de quem faz uso do consumo abusivo variou de 23% a 29%. Entre quem tem mais de 55 anos, o índice não passa de 10%.
Porém, ao olhar para as mortes em decorrência do hábito, sobe o índice entre as mais velhas, já que elas já acumulam comorbidades além do uso nada saudável de cerveja, vinho e afins.
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“A violência e os acidentes de trânsito matam mais as mulheres de até 34 anos. A partir daí, as causas passam a ser doenças cardíacas e cirrose”, descreve Mariana, referindo-se aos dados de 2020 (veja no gráfico abaixo).
Em geral, as mulheres que abusam do álcool também correm riscos relacionados a intoxicação alcoólica, quedas, envolvimento em brigas, sexo desprotegido e amnésia.
Das mortes atribuíveis ao álcool entre mulheres, veja a ocorrência por faixa etária*
- 55 anos e mais (70,9%)
- 35 a 54 anos (19,3%)
- 18 a 34 anos (7,3%)
- até 17 anos (2,5%)
*Fonte CISA – Dado inclui óbitos de causas parcialmente atribuíveis ao álcool de 2020
Abuso de álcool está matando mais mulheres de todas as idades Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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