Existe uma frase comum que faz cada vez mais sentido nas áreas de saúde, como na medicina e na odontologia: “não dá para generalizar”.
De fato, apesar dos procedimentos-padrão, os profissionais estão mais concentrados no particular. Além disso, por se tratarem de ciências vivas, que necessitam de revisões constantes, muitas vezes é preciso mudar a direção.
Nessa seara de mudanças, podemos citar uma recomendação clássica para a realização de cirurgias odontológicas: a suspensão ou alteração de medicações anti-agregantes plaquetárias e anticoagulantes, utilizadas por pacientes cardiopatas na prevenção e no tratamento de doenças tromboembólicas e cardiovasculares.
É que existe uma preocupação com sangramentos excessivos durante a cirurgia bucal.
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A observação desses aspectos sempre gerou inquietação tanto na odontologia como da cardiologia. E não por acaso: até que ponto era mandatário modificar ou interromper o tratamento da síndrome coronária aguda (SCA) e da doença arterial coronária (DAC), que permanecem como causa principal de mortalidade ao redor de todo o mundo?
A DAC, inclusive, é responsável por metade dos eventos cardiovasculares em pacientes com menos de 75 anos, e 12% deles deixam de viver plenamente devido à cardiopatia isquêmica.
Desde meados da década de 1990, a terapia antiplaquetária tem sido o componente essencial do tratamento da fase aguda da SCA. Isso porque, além de prevenir tromboses após implante dos stents coronários, é utilizada na prevenção secundária (ou seja, quando o quadro já está estabilizado), para a diminuição de episódios isquêmicos de maneira significativa.
Relação custo-benefício
Hoje, a odontologia e a cardiologia optam pela continuidade dos antiplaquetários diante de uma intervenção odontológica programada.
Mas essa resposta não veio facilmente.
Como diretor científico do Departamento de Odontologia da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, ao lado da diretora executiva do mesmo departamento, Ana Carolina de Andrade Buhatem Medeiros, fomos coautores de uma revisão integrativa, que avaliou 1 026 artigos científicos sobre extração dentária em indivíduos que tomam anticoagulantes.
Esses artigos mostraram um baixo número de complicações associadas a pequenas intervenções cirúrgicas orais mesmo com o uso dos medicamentos – e quase todos relataram taxas de sangramento aceitáveis.
Concluímos que os métodos hemostáticos em odontologia – mecanismo usado para conter hemorragias – são suficientes na maioria dos casos, sem grandes danos ao paciente.
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Dessa forma, a relação custo-benefício frente ao risco real de agravar problemas cardíacos com a interrupção (mesmo que momentânea) dos remédios não se justifica.
O primeiro passo é o profissional realizar, junto aos pacientes cardiopatas, uma anamnese detalhada para conhecer o quadro, se inteirando sobre os medicamentos de rotina e quais eventuais desordens de sangramento já ocorreram. Assim, é possível planejar o procedimento mais adequado.
Medo de dentista?
Hoje, 20 de março, é o Dia Mundial da Saúde Bucal, e a Socesp fará alertas em suas mídias sociais para lembrar a relação entre algumas doenças odontológicas e a saúde cardiovascular.
É importante ressaltar que o risco de um tratamento odontológico causar danos ao paciente cardiopata é controlado justamente porque ambas as áreas estão atentas para oferecer o melhor manejo.
Portanto, nenhuma patologia do coração é desculpa para fugir da cadeira do dentista.
Mas sempre é recomendável passar ao cardiologista a avaliação do cirurgião-dentista e vice-versa, para que, dessa maneira, ambos interajam e planejem a conduta mais certeira caso a caso. Sem riscos para a saúde bucal nem para o coração.
*Frederico Buhatem Medeiros é dentista, especializado em cirurgia buco-maxilo facial e diretor científico da SOCESP – Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (SOCESP).
Sem medo dos anticoagulantes na cadeira do dentista Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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