A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece a amamentação como uma das práticas mais decisivas para o futuro da criança. Tanto é que recomenda o leite materno como alimentação exclusiva nos primeiros seis meses de vida e, se possível, que ele continue fazendo parte do cardápio infantil até os 2 anos. Mas podemos dizer que é amamentando que se recebe.
Estudos populacionais de peso, como os liderados pelo epidemiologista Cesar Victora, da Universidade Federal de Pelotas (RS), comprovam que, além de reforçar o vínculo com a cria, dar de mamar mexe com o corpo de um jeito especial: ele fica mais protegido contra uma penca de ameaças, entre elas a hipertensão e o câncer de mama.
Um bem poderoso e gratuito como esse devia ser popular, não? Pois os índices de aleitamento materno ainda deixam a desejar. No Brasil, a OMS aponta que menos de quatro em cada dez nenês de até 5 meses só mamam no peito — a média global, também ruim, oscila entre 20 e 40% das crianças.
Para os entendidos, há uma combinação de fatores por trás disso. “Mas a falta de apoio para a mãe, seja da família, do parceiro ou dos próprios profissionais, encabeça a lista”, afirma Elsa Giugliani, presidente do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria. Segundo a médica, é preciso conscientizar melhor toda a sociedade sobre o valor da amamentação.
Tem outro motivo que faz tanta gente negligenciar ou abandonar a prática. Amamentar não é só botar o bebê no peito e pronto. Sem orientação, o ritual pode acabar em frustração. Criança que não pega o peito, seios doloridos, chororô na hora do mamar…
“Geralmente são coisas pequenas, que, uma vez corrigidas, não impedem mais a amamentação”, tranquiliza Antonio Lages, vice-presidente da Comissão de Aleitamento da Federação Brasileira das Associações Brasileiras de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
A recompensa a quem supera os entraves é generosa. Para o filho… e para a mãe.
Vida sob menos pressão
A pressão aqui é aquela dentro dos vasos sanguíneos. Quando ela dispara e se mantém no alto, já viu: é hipertensão na certa, um mal dos mais prevalentes no Brasil e diretamente associado a infartos e AVCs.
Pois amamentar chega a reduzir o risco de essa encrenca aparecer até 30 anos depois do parto, como mostra uma grande revisão assinada pela Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos. Os cientistas notaram que dar de mamar por pelo menos um mês já bastava para ter uma ligeira proteção contra a elevação futura da pressão.
Uma das hipóteses para explicar esse efeito de longo prazo é a interferência do aleitamento no metabolismo materno. Quanto mais tempo ele durar, melhor para as artérias.
Em defesa das mamas
O elo não poderia ser mais direto. O fato de nunca ter amamentado constitui, por si só, um fator de risco para o câncer de mama.
Dar o leite ao bebê é bem-vindo porque reduz a concentração de estrogênio em circulação, e esse hormônio pode virar combustível para o tipo mais comum de tumor na mama. O aleitamento também faz a glândula mamária ceder terreno, no futuro, a tecido gorduroso, o que diminui espaço para o câncer aparecer.
Tumores de ovário e endométrio (no útero) também aparecem menos entre quem já amamentou.
Sangue na doçura certa
O impacto hormonal da amamentação rende proteção extra contra o diabetes tipo 2. Substâncias liberadas nessa fase agem no pâncreas, glândula que produz insulina, o hormônio que regula o açúcar no sangue. Fora que a fabricação de leite demanda muita glicose do corpo da mãe, o que evita excessos dando sopa no sangue.
Mesmo mulheres que tiveram diabetes gestacional enfrentam um menor risco de ver a doença instalada de vez caso deem de mamar.
Recuperação a jato
O aleitamento acelera a reabilitação após o parto. A ocitocina, hormônio que estimula a produção de leite, também instiga a contração do útero, colaborando para que o órgão volte ao tamanho normal mais rápido e eliminando eventuais resquícios da gestação.
Isso é importante especialmente para quem passou por cesárea, porque não é raro que, com o procedimento, o útero apresente certa fraqueza muscular. Com a contração constante, a região se recupera sob menor risco de sangramentos.
Nervos de aço
Um estudo publicado pela Associação Americana de Neurologia mostra que amamentar por ao menos 15 meses, mesmo que acumulados entre diferentes gestações, reduziria em 53% a incidência de esclerose múltipla, distúrbio autoimune que afeta o sistema nervoso e para o qual não existe cura.
Para quem já tem a doença, marcada por fadiga, dificuldades de locomoção e déficit de visão, as crises podem se tornar menos frequentes.
Com uns quilos a menos
Dar de mamar tende a ajudar a retomar o peso normal depois da gravidez: ora, o aleitamento exclusivo propicia um incremento de até 900 calorias no gasto energético diário.
Mas é preciso ficar esperta com um mecanismo de compensação: torrando mais calorias, a fome pode vir com tudo depois. Por isso, a despeito do peso, vale a pena cuidar do menu e fazer atividade física.
Depressão? Aqui não
Pesquisas indicam que amamentar diminui a propensão à depressão pós-parto. Provavelmente porque a tal da ocitocina influencia, lá no cérebro, a atividade de neurotransmissores responsáveis pela sensação de bem-estar.
O fortalecimento do vínculo mãe-filho também contribui para isso. Tanto é que, nos casos em que o aleitamento é malsucedido, o risco de o transtorno aparecer aumenta.
E os bebês?
São tantos, mas tantos, os benefícios comprovados da amamentação para o bebê, que fica mais interessante explicar de onde vem esse poder do que listar os perrengues que ela ajuda a evitar.
O leite materno tem a composição ideal de nutrientes para o sistema digestivo em amadurecimento e a proporção exata de proteínas, gorduras, vitaminas e até anticorpos. Estimula, assim, o desenvolvimento do cérebro e ensina o corpo a se defender dos perigos.
É um alimento tão sob demanda que o conteúdo do leite da manhã difere do da noite. Quando a amamentação rola como manda o figurino, o bebê fica menos exposto, ao longo da vida, a obesidade, diabetes, alergias…
Fontes: Anastasio Berrettini, mastologista da Sociedade Brasileira de Mastologia; Barbara Giesser, neurologista da Academia Americana de Neurologia; Clery Gallacci, coordenadora dos Berçários Setoriais do Hospital e Maternidade Santa Joana (SP); Eunice Martins, professora do Departamento de Materno Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais; Moises Chencinski, pediatra do departamento de Pediatria Ambulatorial da Sociedade de Pediatria de São Paulo; Renata de Camargo Menezes, ginecologista do Comitê de Mortalidade Materno-Infantil de Barueri (SP)
Amamentar é bom demais para a mãe Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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