Em dezembro de 2020, duas variantes de preocupação foram detectadas no Brasil: a Alfa e a Gama. A primeira se espalhou entre janeiro e fevereiro de 2021, mas sua presença começou a cair em março, quando a segunda dominou a cena e provocou uma explosão de casos no país inteiro.
Em estudo publicado recentemente na revista científica Frontiers in Public Health, pesquisadores liderados pelo virologista José Eduardo Levi, coordenador do Genov, um projeto da Dasa de monitoramento genômico da Covid-19, perceberam que mesmo quem já tinha sido infectado pela Alfa se mostrava suscetível à Gama – nesse momento, a vacinação ainda engatinhava por aqui.
Logo mais, Israel, Estados Unidos e países da Europa passaram a encarar os impactos nefastos de uma nova cepa, considerada contagiosa: a Delta. O temor em relação aos efeitos de sua chegada no Brasil era grande.
E, embora ela de fato tenha se disseminado rapidamente em nosso território, acabando com a hegemonia da Gama, surpreendentemente isso se deu no momento de maior queda de casos de Covid no Brasil. “Há hipóteses, mas ninguém sabe direito o que aconteceu”, diz Levi.
Será que a alta circulação da Gama e a imunidade conquistada a partir dela nos blindou contra a Delta? Mas por que a disseminação da Alfa, lá trás, não ajudou a amenizar o impacto da própria Gama?
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“Os prognósticos vão ficando cada vez mais difíceis”, analisa o pesquisador. “E, se a gente não sabe por que se deu bem com a Delta, não conseguimos usar as mesmas armas contra as próximas variantes”, completa.
Tanto é que, atualmente, o mundo todo está às voltas com a Ômicron, cepa que ignora uma exposição anterior ao coronavírus e também pode se disseminar entre vacinados. “Só não temos mais casos porque não estamos contando direito”, afirma o virologista da Dasa. Agora, as vacinas seguem cumprindo seu papel: estão evitando casos graves e mortes.
A rápida disseminação associada a quadros aparentemente menos dramáticos fizeram muitos pesquisadores apostarem na Ômicron como a cepa que nos conduzirá ao fim da pandemia.
Mas, de novo, nessa dança das variantes, não é tão fácil prever os próximos passos. Inclusive, uma subvariante da Ômicron, a BA.2, já começa a causar apreensão. A seguir, acompanhe os principais pontos da nossa conversa com o virologista José Eduardo Levi.
A Ômicron representará o fim da pandemia?
Quem viu a Ômicron com certo otimismo partiu do seguinte raciocínio: sua disseminação veloz e a menor capacidade de provocar casos sérios ajudariam, finalmente, na conquista de uma imunidade coletiva. Com isso, não teria espaço para uma nova variante circular entre a gente.
Mas Levi aponta que há falhas nesse argumento. Primeiro, a Ômicron está longe de ser amena. Ela não está fazendo grandes estragos (se considerarmos a quantidade de gente contaminada) porque uma boa parte da população completou o esquema de vacinação.
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Em segundo lugar, Levi lembra que, apesar de esse momento pós-infecção realmente proporcionar um grau de imunidade, isso tende a durar pouco. Portanto, não há garantias de que uma próxima variante não vá infectar geral novamente.
“Basta olhar para Manaus. Tivemos uma alta circulação de Gama por lá. Mesmo assim, houve surto de Delta e, agora, de Ômicron”, exemplifica. “O terceiro ponto é que já vieram cinco variantes de preocupação. Por que não teríamos a sexta?”, indaga o pesquisador.
Na visão dele, a pandemia pode até acabar neste ano, mas não será graças à Ômicron. Para o fim de 2022, ele aposta no lançamento de vacinas de segunda geração (atualizadas e mais eficazes) e, em 2023, em um avanço em termos de remédios.
Até lá, o pesquisador acredita que poderemos encarar mais algumas variantes de preocupação, dessas que se disseminam em ritmo frenético e vão embora rápido também. “O que vai acontecer é que, em países com taxa de vacinação alta, o impacto será cada vez menor”, reflete.
O nascimento de uma variante de preocupação
Levi explica que uma cepa nova não surge a partir da anterior. Ou seja, a Ômicron não veio da Delta, que, por sua vez, não era uma evolução da Gama, e por aí vai. Mais um motivo que dificulta qualquer previsão.
Cada uma ainda pode dar origem a diferentes linhagens. Por exemplo: a Gama original, chamada de P.1, logo foi substituída por sua filha, a P.1.7. Embora os filhotes possam ter certa vantagem em relação à mãe, Levi nota que uma variante inédita sempre se dará melhor na história. Na prática: as descendentes da Gama perderam o reinado para a Delta.
O que segue nebuloso é como, afinal, surge uma nova variante. Mas Levi afirma que há algumas boas teorias em jogo, como a de que ela nasce no corpo de uma pessoa que tem o sistema imunológico abalado.
“O vírus entraria nesse organismo e ficaria lá por muito tempo, ao redor de seis meses, porque esse indivíduo não consegue eliminá-lo rapidamente”, explica o virologista. Nessas condições, ele sofre mutações. “Aí, quando sai, está pronto para escapar do sistema imune”, relata. “Outra hipótese é de que esses vírus se desenvolvem em lugares onde não há monitoramento”, conta.
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Uma terceira possibilidade envolve transformações ocorridas durante passagens do vírus em animais. “Para as três coisas há algumas evidências na literatura científica. Mas é difícil bater o martelo”, avalia o pesquisador da Dasa.
De qualquer maneira, até agora as variantes de preocupação têm mais a ver com vírus que são próximos ao Sars-CoV-2 original, detectado em Wuhan. “Então, enquanto eles continuarem circulando em algum lugar do globo, aparentemente é daí que teremos uma nova variante de preocupação”, raciocina.
Mas isso tem um aspecto positivo: como as vacinas atuais foram produzidas com base nessas versões similares à de Wuhan, uma população altamente imunizada acaba ficando mais protegida, tanto do agravamento da doença como do surgimento de novas cepas.
“O problema é que não temos o planeta inteiro vacinado”, lamenta Levi.
A subvariante da Ômicron
Enquanto a gente ainda vive um pico de casos relacionado a essa variante, começam a pipocar notícias sobre uma versão dela que seria ainda mais contagiosa, a BA.2.
O virologista da Dasa comenta que, quando a Ômicron foi identificada na África do Sul, os pesquisadores já haviam visto três tipos: a BA.1, BA.2 e a BA.3. No entanto, a primeira dominava a cena.
Até que, recentemente, a Dinamarca relatou uma expansão de BA.2 por lá. Em estudo realizado no país do norte da Europa, sugere-se que ela é 33% mais contagiosa do que a linhagem original, que já impressiona nesse quesito.
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Nos próximos dias, Levi fará o sequenciamento genômico das amostras dos vírus de janeiro. Ele crê que a BA.2 já deve dar as caras.
Agora, a dúvida é: ela será capaz de infectar quem teve a BA.1? “Ninguém sabe ainda”, responde. Segundo Levi, todo mundo que trabalha com monitoramento genômico da Covid-19 está de olho nessa questão. “Estamos mais preocupados com o mês que vem do que com o futuro longínquo”, resume.
Mas o que o futuro nos reserva?
Como já ficou claro, o comportamento do coronavírus é único, dificultando previsões. De acordo com Levi, sua taxa de mutação nem é a mais alta, mas ele se aprimora de uma forma incrível.
Entenda: quando o vírus entra no corpo de alguém, grande parte da resposta que se arma contra ele é direcionada à chamada proteína S, que busca se ligar às nossas células. E tem um trechinho específico dessa proteína que é bastante reconhecido por nossos anticorpos. Ao sofrer mutações, o vírus consegue simplesmente se desfazer dessa parte – e, apesar disso, segue funcional, com capacidade de infectar as células normalmente.
De qualquer maneira, Levi acha que, mais do que novas variantes, o que vai fazer a diferença mesmo nos rumos da pandemia é a taxa de imunização. “Todos os dados estão mostrando que as vacinas ajudam a evitar a necessidade de internação e uso de UTIs, além de mortes”, reforça.
Fora isso, numa população amplamente vacinada, o vírus acaba encontrando dificuldade de circular. E, sem hospedeiros suscetíveis, ele tem menos chance de passar por mutações. Com isso, veríamos episódios cada vez mais esporádicos de Covid-19.
“É possível que tenhamos pequenos surtos em asilos, hospitais, centros de hemodiálise… Enfim, em locais com pessoas que apresentem algum grau de imunossupressão”, especula Levi.
O pesquisador espera que alguns comportamentos se mantenham daqui pra frente, como o uso de máscaras em ambientes com aglomeração e a consciência de que um indivíduo com sintomas respiratórios (tosse, coriza, espirros e afins) não deve ir ao trabalho ou à escola.
Vigilância genômica: o básico no novo normal
O medo do pesquisador da Dasa é que, passada a fase crítica da pandemia, todo mundo se esqueça do assunto. “Mas devemos acompanhar as síndromes gripais de perto nos próximos anos. Até para ver se um bicho novo não está aparecendo”, analisa Levi.
A partir da vigilância genômica – que ajuda a rastrear os micro-organismos –, é possível flagrar uma ameaça bem no início.
E, mesmo que não dê para evitar uma onda da doença, há atitudes que podem ser tomadas. Veja: a África do Sul não escapou dos efeitos da Ômicron, mas conseguiu avisar o mundo sobre sua existência. Assim, os demais países tiveram a oportunidade de se preparar – dá para acelerar a vacinação e organizar o sistema de saúde, por exemplo.
“A vigilância também nos permite saber se os testes usados servem para identificar aquela determinada variante. Caso contrário, temos a oportunidade de adaptá-los”, acrescenta Levi.
“Acho que o Brasil melhorou muito nesse aspecto da vigilância. Só que precisamos de investimentos muito maiores para o futuro. Até porque outras pandemias virão. Isso é fato”, finaliza o virologista.
A dinâmica das variantes de coronavírus e o que pode vir por aí Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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