sábado, 5 de fevereiro de 2022

Mamografia: essencial com ou sem pandemia

No verão de 2015, minha prima de 38 anos me ligou porque sentiu um nódulo na mama esquerda. Ela ainda não tinha idade para se submeter à mamografia de rotina – preconizada a partir dos 40 anos pela Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) –, mas costumava realizar o autoexame com alguma frequência.

Na época, eu era residente de Mastologia no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp). Para minha prima, o diagnóstico infelizmente foi tardio: o carcinoma era localmente avançado e evoluiu para metástase em menos de dois anos.

No Brasil, a maior parte dos tumores é diagnosticada pelo toque e não pela mamografia. As massas detectadas pelo toque têm, em média, 4 centímetros.

Ocorre que o tamanho do tumor influencia diretamente a possibilidade de cura, a agressividade da cirurgia, a quantidade de medicamentos e a necessidade ou não de radioterapia.

+ Leia também: Quais as diferenças do câncer de mama entre mulheres jovens e mais velhas?

Veja na tabela abaixo, com dados do Datasus, a diferença de tamanho de tumor conforme o tipo de diagnóstico: se o tumor foi palpado ao toque ou se foi diagnosticado apenas por imagem.

<span class="hidden">–</span>Fonte: SISCAN/DATASUS/Divulgação

A solução, que todo mundo deveria conhecer, está na ponta da língua: mamografia. Certo? Mas seria raso da minha parte apenas pedir para você pegar o telefone e agendar o exame agora. Sete em cada dez leitores(as) aqui podem ser usuários do SUS, como minha prima era.

No ano passado, no papel de médica mastologista e pesquisadora, alertei para a grave redução no número de mamografias realizadas na rede pública durante a pandemia. Em 2020, o total de mamografias foi 42% abaixo do habitual. E acabo de receber os números de 2021: ainda estamos com 15% de redução em relação a 2019.

Mais: um terço das mulheres está com a mamografia atrasada há mais de três anos. Tudo isso é alarmante. São dados que eu levantei e que serão publicados em detalhes numa revista científica de saúde pública.

A incidência do câncer de mama está em tendência de alta, enquanto a mortalidade varia entre estável e em alta, dependendo da região. Então, nosso rastreamento, ainda engatinhando, tomou um baque durante a crise da Covid-19.

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Ocorreu uma queda drástica na realização de mamografias e outros exames preventivos.

Houve aumento da prescrição de hormonioterapia neoadjuvante – a ideia desse tratamento é “controlar” a doença com medicação antes de operar, o que é possível para alguns tipos de tumor – e vemos cirurgias atrasadas por mais de 12 semanas.

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No SUS, antes da pandemia, já existiam dificuldades para implementar o programa de rastreamento do câncer de mama. Estamos seguindo a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS), introduzindo o programa em etapas, priorizando num primeiro momento as mulheres de 50 a 69 anos – as mais acometidas por câncer de mama.

Em 2013, implementamos também o Programa Nacional de Qualidade em Mamografia (PNQM), que faz uma auditoria dos serviços de mamografia com auxílio dos especialistas do Colégio Brasileiro de Radiologia.

Entre 2012 e 2016, o PNQM identificou que 16,7% das mamografias não foram precisas na classificação de nódulos suspeitos para o câncer. Apesar de não existir nenhum valor definido como aceitável para esse critério, me parece preocupante que uma em cada seis mamografias possa estar inadequada.

+ Leia também: Brasileiros negligenciam hábitos que ajudam a prevenir o câncer

Trabalho num hospital privado que me dá as melhores condições para executar o que eu sei e cuidar das pacientes. No SUS, no entanto, existem diversas outras fragilidades, como longas filas para cirurgia, quimioterapia e radioterapia.

Ainda que o Brasil tenha todas essas dificuldades no combate ao câncer de mama, precisamos ter sempre em mente que vale a pena investir no diagnóstico precoce.

Um estudo recente descobriu que, mesmo por aqui, um câncer diagnosticado em estágio inicial acompanha taxas de sobrevida superiores a 90%. “Quanto antes, melhor” é o que nós, da SBM, vivemos repetindo.

Durante esses tempos pandêmicos, atendi dezenas de mulheres que estavam com a mamografia atrasada e que, mesmo sem sentir nenhum sintoma, tinham nódulos ou calcificações suspeitas.

+ Leia também: Reconstrução mamária: um direito que faz diferença no rastreamento

Como cirurgiã especialista em mama, atendo, a cada semana, uma média de 60 pacientes e opero de dois a três casos de câncer de mama. Todas elas dizem a mesma coisa: que ouviram uma voz, uma intuição, mandando fazer a mamografia. Apaixonada pelo que faço, vejo minha prima em cada uma dessas mulheres.

Hoje é o Dia Nacional da Mamografia e o Dia do Mastologista. A data foi escolhida por ser o mesmo dia em que se celebra a memória de Santa Ágata, que foi uma heroína, talvez uma das primeiras “feministas” de nossa história.

Nascida em 235, numa família rica da Sicília, foi torturada e morta por recusar-se a casar com o governador da ilha. Ao ter as mamas mutiladas, respondeu: “Não te envergonhas de mutilar numa mulher o que tua mãe te deu para te aleitar?”

Sim, Santa Ágata, como é sagrado o peito da mulher! Eu peço sua intercessão para que nós – médicos, pesquisadores, governantes e população – façamos um verdadeiro esforço em conjunto para sairmos dessa situação de “endemia” do câncer de mama.

* Jordana Bessa é mastologista do Hospital e Maternidade São Luiz Anália Franco, da Rede D’Or São Luiz, e membro da Sociedade Brasileira de Mastologia

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