quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Para onde devem ir a ciência e a tecnologia brasileiras no governo Lula?

O anúncio de Luciana Santos para o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) foi recebido com otimismo pela comunidade científica. A engenheira já anunciou que pretende resgatar o protagonismo da pasta e lutar pela valorização dos pesquisadores brasileiros.

Como ficou claro na pandemia de Covid-19, a ciência é fundamental para promover saúde pública de qualidade, inclusive melhorando o Sistema Único de Saúde (SUS), e para manejar os riscos ambientais que tendem a aumentar daqui pra frente.

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Mas, agora, depois de quatro anos sobrevivendo com cortes orçamentários, falhas de gestão e um descaso generalizado, para onde vai o MCTI no governo Lula?

Fiz essa pergunta a Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), ex-ministro da Educação e professor de Ética e Filosofia Política da Universidade de São Paulo (USP).

A resposta está em formato de artigo. Leia a seguir:

As prioridades da ciência e da tecnologia

Por Renato Janine Ribeiro*

<span class="hidden">–</span>Foto: Divulgação SBPC / Jardel Rodrigues/Divulgação

Depois da devastação efetuada no Estado e na sociedade pelo governo mais inepto de nossa História, as medidas a serem tomadas são bastante consensuais nas áreas afetadas: para usar a expressão de Joe Biden, nos Estados Unidos, trata-se de “reconstruir melhor” (build back better).

No caso da Ciência e Tecnologia, algumas medidas são urgentes e vou elencá-las, deixando claro que aqui falamos pela comunidade científica, e não pelo governo, mas convictos de que este nos escuta.

Talvez a primeira prioridade deva ser recompor os valores das bolsas do CNPq e da CAPES, que não conhecem reajuste desde 2013, dez anos, portanto. Elas são decisivas para manter jovens talentos na avenida dos estudos científicos.

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Além do aumento do valor das bolsas, será preciso também elevar o número das mesmas, a fim de retomar a expansão do contingente de cientistas no Brasil.

Finalmente, entendemos que é justo conferir aos bolsistas direitos previdenciários, uma vez que muitos deles, por estudarem na pós-graduação, somente começam a contar tempo para aposentadoria já perto dos 30 anos de idade. Evidentemente, essa questão precisa ser estudada e debatida amplamente, mas seria razoável e desejável que se equacionasse ao longo do atual mandato presidencial.

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Voltando às prioridades, nos famosos “primeiros cem dias”, o MCTI necessita, por um lado, de dinheiro, pois o orçamento foi sensivelmente desfalcado. Por outro, precisa voltar a ter o protagonismo que é naturalmente seu nas áreas de Ciência, Tecnologia e Inovação.

É preciso, a exemplo do bem-sucedido SUS, e em paralelo ao proposto Sistema Nacional de Educação, constituir o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. O projeto de lei criando o Sistema deverá ser debatido amplamente com os órgãos de governo e, sobretudo, a comunidade científica, tecnológica e de inovação.

Da mesma forma, é hora de aprovar uma nova Estratégia Nacional de CTI, dado que a de 2016-2022 venceu sua vigência nos últimos dias do ano passado. Uma nova versão deve aumentar o papel das ciências humanas e sociais na redução das desigualdades sociais, tema que deve ser transversal a todas as políticas propostas, e enfatizar a preservação dos biomas brasileiros, em especial a Amazônia, mas não só.

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Também cabe rever a ordem dos pontos; o tema da defesa foi mencionado em primeiro lugar na atual estratégia e merece ser mantido, mas não nesta posição. A prioridade absoluta da nação deve ser referida à integralidade do seu povo, o que significa integrar plenamente como cidadãos os vulneráveis, os discriminados e excluídos – para os quais a ciência deve se voltar.

É isso o que esperamos do novo Ministério e essa, a contribuição que nos dispomos a lhe dar, como sempre demos, mesmo quando os detentores do poder eram hostis a nossos valores.

Concluindo: durante um bom tempo do século XX, a grande invenção científica que se celebrava era a bomba atômica, símbolo da energia nuclear. Nas últimas décadas, pelo menos nos meios científicos, esse protagonismo foi-se transferindo para o DNA, o código da vida.

Isto é altamente simbólico: é preciso libertar a ciência da hipoteca bélica, das ações visando à morte, e deixar claro que nosso foco é melhorar a vida. Não é matar. É viver e fazer viver. A comunidade científica tem, hoje, uma forte convicção ética. Por aí vamos, por aí contribuiremos e cobraremos.

Renato Janine Ribeiro é presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), professor titular de Ética e Filosofia Política na Universidade de São Paulo e ex-ministro da Educação

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Para onde devem ir a ciência e a tecnologia brasileiras no governo Lula? Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br

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