Oito meses depois do início da pandemia, os desfechos mais graves da doença são manejados de modo diferente – resultado do conhecimento adquirido sobre as formas de prever seu agravamento e como conter seus efeitos no organismo –, considerando que estamos diante de uma doença infecciosa emergente, sem vacina ou medicamentos específicos, que tampouco conta com a imunidade da população.
O que são doenças infecciosas
Um dos primeiros desafios enfrentados na pandemia foi entender as particularidades da Covid-19 no universo das doenças infecciosas – de acordo com a definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), aquelas causadas por microrganismos, como bactérias, vírus, parasitas ou fungos, e que podem ser transmitidas de uma pessoa para outra ou, no caso das enfermidades zoonóticas, passadas de animais para os humanos. Nesse rol, entram condições como zika, sarampo e tuberculose, assim como outras já erradicadas ou em vias de extinção pela implementação de bem-sucedidos programas de vacinação, a exemplo de varíola e poliomielite. Na introdução de seu livro A História da Humanidade Contada pelos Vírus, lançado em 2008, o infectologista Stefan Cunha Ujvari destacou a importância de conhecer a origem e o percurso das doenças infecciosas: “O material genético dos microrganismos escondia parte da história da migração de animais, bem como da humana. Agora, começa a mostrar a globalização antiga e contínua dos germes e revela a história geográfica do planeta e a origem de muitas doenças humanas”.
Capacidade de transmissão do coronavírus
A comunidade científica se reuniu em torno de um esforço comum: entender a propagação do novo coronavírus, encontrar formas de conter essa disseminação e criar protocolos de tratamento eficazes. “Aprendemos muito nesses meses, a começar pela intensidade da transmissão do vírus, que no início não achávamos que ia se mostrar tão alta”, diz o infectologista da Dasa Alberto Chebabo. “Aí passamos a recomendar a utilização de máscara, o que vem fazendo diferença no manejo da doença”, continua Chebabo, que é também vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia.
O infectologista lembra que há doenças em que o grau de contágio é ainda maior, caso do sarampo – que por sinal tem vacina, mas vem tendo sua imunização negligenciada, o que preocupa os especialistas. A questão é que, sendo uma patologia respiratória, a Covid-19 tem controle mais difícil, sobretudo quando se leva em conta o grupo de assintomáticos, potenciais contaminadores silenciosos, fazendo crescer exponencialmente o número de infectados.
Sintomas da Covid-19 e remédios utilizados
Tosse persistente, rouquidão, dor de cabeça, diarreia e fadiga, além da perda de olfato e paladar, são sinais da presença do Sars-CoV-2 no organismo. Em entrevista ao vivo nas redes sociais de VEJA SAÚDE em setembro, o médico Clovis Arns da Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, foi taxativo ao falar sobre o que ele considera o maior aprendizado por parte de quem está atendendo os casos de Covid-19: “Foi o que chamamos de hipóxia silenciosa”, afirmou. O especialista se refere à falta de oxigênio no sangue, um dos efeitos da doença.
A principal função do pulmão é oxigenar o sangue. Quando se tem um vírus instalado ali, essa atividade não acontece adequadamente. Os órgãos, então, começam a sentir o déficit e podem entrar em falência. Um dos problemas em relação à Covid-19 é que, diferentemente de outras condições respiratórias, como pneumonia, muitas vezes a pessoa apresenta baixa de oxigênio sem sentir falta de ar. Daí o porquê da recomendação de fazer o monitoramento por meio do oxímetro, aparelho que, colocado no dedo, mostra esse índice – se estiver abaixo de 95%, é preciso buscar atendimento médico.
Embora ainda não haja terapias testadas e aprovadas especificamente para a Covid-19, as abordagens apoiadas em medicamentos usados para outras doenças têm se mostrado eficazes para lidar com suas diferentes manifestações. Hoje, felizmente, mesmo nos casos em que a infecção por Sars-CoV-2 exige tratamento hospitalar, já se conhecem medidas capazes de evitar seu agravamento. A começar justamente pela oxigenioterapia, o reforço de oxigênio feito por uma cânula no nariz que tem colaborado para evitar a intubação e internação de pacientes na UTI. No plano terapêutico, esse recurso vem sendo combinado ao uso de anti-inflamatórios. “Nas fases mais avançadas, o uso de corticoide diminui a progressão da doença, salvou e vem salvando muitas vidas”, conta Alberto Chebabo.
Em quadros de inflamação severa, muitos pacientes apresentam um risco aumentado de formação de coágulos e trombose. “Para esses indivíduos a orientação é entrar com anticoagulante”, esclarece Chebabo. Um estudo conduzido pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) com a participação de colaboradores europeus revelou que, além de socorrer no quesito coagulação, seu uso pode ajudar a reduzir a infecção de células pelo Sars-CoV-2.
Estudos clínicos em andamento analisam também a eficácia e segurança de antivirais testados na Europa e nos Estados Unidos. Os resultados preliminares apontam uma recuperação mais rápida da febre e demais sintomas, mas sem impacto na taxa de mortalidade entre os que foram tratados com o medicamento, quando comparados com os desfechos de quem recebeu placebo.
Ainda em fase experimental, uma alternativa em avaliação em âmbito global é a de reforçar o sistema imunológico com anticorpos monoclonais. “Essas moléculas, produzidas em laboratório, são introduzidas no organismo dos pacientes com a função de impedir que a carga viral aumente”, informa o infectologista. “Mas ainda precisamos esperar estudos clínicos mais robustos que comprovem sua real eficácia”, ressalta.
Nessa concepção de trabalhar para estimular a imunidade, outra promessa é o tratamento com plasma convalescente, a parte líquida do sangue de quem passou pela Covid-19 e se recuperou. “Nesse caso, a ideia é infundir nos pacientes hospitalizados os anticorpos já formados em pessoas que tiveram a doença e se curaram”, esclarece Chebabo. Pesquisadores da Mayo Clinic, nos Estados Unidos, revisaram dados de indivíduos gravemente doentes e os achados, publicados recentemente – que ainda vão passar por revisão de outros especialistas –, sinalizam uma redução de mortalidade entre os que receberam as transfusões até três dias após o diagnóstico.
Principais erros e acertos no controle do coronavírus no Brasil
A pandemia impôs urgência na definição de protocolos de tratamento, mas esses processos requerem rigorosas etapas de estudos clínicos, antes da adoção na prática clínica. Muitos dos fármacos citados pela reportagem podem ter mostrado alguma capacidade de inibir a replicação do vírus nos estudos in vitro – ou seja, em algumas células isoladas em laboratório.
Na opinião de Alberto Chebabo, um dos entraves no manejo da Covid-19 tem sido a falta de uma coordenação centralizada na hora de montar a estratégia de combate à epidemia. A urgência da pandemia não pode se sobrepor ao rigor técnico e as boas práticas clínicas. Informações desencontradas propiciam a tomada de decisões equivocadas e não amparadas na ciência.
Por outro lado, destaca Chebabo, nosso Sistema Único de Saúde se mostrou capaz de atender à enorme demanda provocada pela pandemia, sem entrar em colapso e evitando um número de mortes ainda maior. “Por mais que tenha falhas, sabemos hoje a importância do fortalecimento do SUS”, conclui.
O impacto da pandemia na rotina dos profissionais de saúde
“Estamos colhendo muitos aprendizados e o que se espera é que saibamos aplicá-los no futuro”, resume Alberto Chebabo. Para o infectologista, o impacto da pandemia na nova geração de profissionais de saúde vai modificar a maneira como lidamos com as doenças infecciosas, contribuindo para a organização dos serviços de saúde e uma melhor estruturação do atendimento.
A visão do sanitarista Gonzalo Vecina, professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), é a de que estaremos mais preparados para fazer rapidamente o sequenciamento genético de novos vírus, o que evitaria uma disseminação tão intensa como a do Sars-CoV-2. “Precisamos, ainda, investir para aumentar a capacidade laboratorial para testar a população, o que é crucial no cenário de epidemias. E temos que formar mais epidemiologistas, microbiologistas, profissionais fundamentais em momentos de crise como esta pela qual estamos passando”, defende Vecina.
Inovar para tratar
A pandemia do novo coronavírus mobilizou todo o ecossistema de pesquisa, assistência e cuidados com a saúde em 2020. É por isso que estudos, ações e campanhas contra a Covid-19 são o foco da terceira edição do Prêmio Abril & Dasa de Inovação Médica. Entre os grandes desafios encarados pelos profissionais e instituições na pandemia está o de compreender a doença e como ela afeta os diferentes perfis da população – conhecimento fundamental para chegar ao melhor plano terapêutico e salvar o maior número de pessoas.
Na premiação, vamos conhecer algumas dessas estratégias, contempladas na categoria Tratamento. Os especialistas que compõem o júri, grandes nomes da ciência brasileira, avaliarão ainda trabalhos indicados nas categorias Prevenção, Medicina Diagnóstica, Medicina Social e Genética.
Os ganhadores serão anunciados em um evento virtual no começo de dezembro. Saiba mais sobre o regulamento e conheça os jurados do Prêmio Abril & Dasa de Inovação Médica no site da premiação.
Doenças infecciosas: aprendizados e desafios da Covid-19 Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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