Uma pesquisa realizada por diversas instituições da Espanha e da América Latina indica que as lesões no fígado causadas por suplementos à base de extratos de ervas são possivelmente mais graves do que as provocadas por medicamentos convencionais e anabolizantes.
Os cientistas chegaram a essa conclusão após analisarem o Registro Latino-Americano de Lesões Hepáticas Induzidas por Drogas (Latindili, na sigla em inglês). Eles selecionaram 367 casos do problema ocorridos entre outubro de 2011 a dezembro de 2019 — incluindo 29 episódios relacionados a suplementos dietéticos ou herbais.
As cápsulas à base de ervas foram a terceira principal causa de danos no fígado. Elas responderam a 8% de todos os episódios, uma taxa similar à de medicações para doenças cardiovasculares e neurológicas. Drogas contra infecções (32%) e para questões musculoesqueléticas (14%) lideraram o ranking.
Mas aí vem um detalhe importante: as lesões hepáticas deflagradas pelos suplementos naturais tendiam a ser mais graves. Segundo o artigo, 21% dos casos culminaram em danos severos ou fatais, não raro exigindo transplante de fígado. No caso de anabolizantes, esse índice ficou em 13% e, em fármacos tradicionais, na casa dos 12% (um risco cerca de duas vezes menor).
Entre os produtos naturais, os grandes vilões foram os comprimidos com extrato de Camellia sinensis — cuja planta em si é muito usada para chás —, itens da empresa Herbalife e a planta Garcinia cambogia. O motivo mais frequente para ingerir esses suplementos era a tentativa de emagrecer (59% dos casos).
O hepatologista Raymundo Paraná Filho, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e um dos autores da investigação, conta que o trabalho é um marco para a América Latina por preencher uma lacuna de informações que existia no continente.
De acordo com ele, o nível de toxicidade de remédios comuns já é conhecido através das pesquisas clínicas, necessária para suas aprovações. “Infelizmente, para suplementos, fitoterápicos e insumos vegetais, não há rigor algum. Basta dizer que o produto age em tal situação que passa a ser comercializado”, lamenta Paraná. “As pessoas pensam que eles são absolutamente inofensivos, quando não são”, completa.
O estudo, claro, possui suas limitações. A principal é a de que o diagnóstico de uma lesão hepática associada a suplementos naturais é bastante complicada, já que depende do relato do paciente sobre as substâncias que consumiu.
“Por outro lado, a maneira como o estudo foi desenhado, com a participação de um grupo estrangeiro relendo os casos e afastando aqueles menos prováveis de ter uma relação com os suplementos, eleva a sua credibilidade”, pontua Paraná.
Como ervas e suplementos dietéticos prejudicam o fígado
O professor explica que eles deflagram problemas no órgão basicamente da mesma forma que medicamentos tradicionais, quando usados em doses acima do nível recomendado. “As pessoas são induzidas a pensar que tudo o que vem da natureza não faz mal. Isso é uma bobagem”, afirma Paraná.
Substâncias naturais e sintéticas contêm diversos princípios ativos que precisam ser metabolizados pelo organismo. Nesse processo, o fígado transforma qualquer coisa que nós ingerimos – de remédios a comida – em moléculas úteis para o organismo. O que não presta ou está em excesso vai parar no xixi.
“Só que, nesse processo, alguns indivíduos geram elementos tóxicos que machucam o órgão”, relata Paraná. Essas agressões acabam desembocando em complicações sérias, como a hepatite fulminante. “Ela é muito temida, porque exige um transplante urgente”, alerta o experto.
Com extratos de vegetais, falta uma padronização na quantidade de certos insumos, o que pode terminar em exageros. “O próprio solo em que a planta é cultivada ou o momento em que ela é colhida pode impactar, porque isso altera as concentrações de princípios ativos com potencial de toxicidade”, acrescenta o especialista.
Nesse contexto, o mais importante para prevenir as lesões hepáticas é não consumir plantas medicinais sem se consultar com um profissional de saúde sério. Infelizmente, muita gente acaba apostando nesses extratos só de ver um anúncio ou um conteúdo na internet sem embasamento científico.
“A divulgação de falsos conceitos para vender esses produtos é notória na atualidade”, comenta Paraná. A boa notícia é que, na maioria das vezes, os danos são passageiros, quando tratados corretamente.
O hepatologista acredita que, além de tomar esses cuidados, o governo brasileiro deveria investir em pesquisa sobre fitoterápicos. Dessa forma, seria possível ter clareza sobre os reais efeitos deles. Paraná também defende um maior rigor na aprovação de fitoterápicos e suplementos de maneira geral.
Estudo revela lesões no fígado causadas por suplementos naturais Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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