terça-feira, 4 de maio de 2021

Lindo e injusto, “Returnal” é um dos games mais difíceis de todos os tempos

Com gráficos, controles e som excelentes, e uma história interessante, shooter em terceira pessoa destaca bem as qualidades do PlayStation 5. Mas há um porém: o jogo não salva o seu progresso. Se você morrer, ele volta para o começo – o que pode significar horas perdidas.

Você assume o papel de Selene, uma astronauta cuja nave cai no planeta Atropos, e precisa chegar a determinado ponto dele para ser resgatada. Para fazer isso, tem de atravessar seis biomas (floresta, deserto, ruínas, etc) enfrentando criaturas alienígenas. Ao longo do caminho, encontra gravações de áudio que vão desvelando a história e alguns cadáveres – na verdade, cópias do seu próprio corpo. 

Eis o enigmático enredo de Returnal, que foi desenvolvido pelo estúdio finlandês Housemarque e está sendo lançado pela Sony, com exclusividade, para o PS5. É um game de tiro em terceira pessoa com um detalhe cruel: quando você morre, retorna para o início do jogo, ao lado da nave, e precisa começar tudo de novo (daí, inclusive, o nome do jogo). A cada ciclo, os cenários e a disposição dos inimigos é alterada aleatoriamente.  

Existe todo um gênero de games assim. São os “roguelikes” (referência a Rogue, de 1980, primeiro jogo a adotar a combinação de cenários gerados dinamicamente e morte “permanente”). O que os finlandeses fizeram foi pegar esse sistema, aplicar a um game de tiro  em terceira pessoa, e adicionar mais um elemento: o estilo de jogo “bullet hell”, em que os inimigos inundam a tela com tiros. O resultado é dificílimo. 

Os combates em si até que são administráveis. Mas ao final de cada bioma, há um chefe bem mais difícil – e se você morrer ali, o que certamente vai acontecer, volta ao começo. Não ao começo daquele bioma; volta ao começo do jogo, à estaca zero total. Para piorar, perde quase todas as armas e upgrades que tiver adquirido. Um retrocesso que pode significar horas perdidas. 

Isso faz com que Returnal acabe se tornando frustrante. Você acaba criando ojeriza aos cenários, de tanto que é obrigado a refazer travessias. Até dá para passar tudo correndo e fugindo, sem enfrentar novamente os inimigos – mas aí você não obtém armas e upgrades, e chega mal equipado ao reencontro com o chefão. Resultado: vai morrer de novo. 

Essa combinação injusta deve fazer com que muitos jogadores acabem desistindo de Returnal. É uma pena, pois o game é muito bonito – os inimigos maiores, com dezenas de tentáculos e efeitos de luz, demonstram bem o poder gráfico do PlayStation 5. Veja um exemplo:

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O jogo também explora bem o controle DualSense: quando está chovendo, você sente cada pingo batendo individualmente no controle, e os gatilhos adaptáveis permitem alternar entre dois modos de tiro (o gatilho esquerdo trava na metade do curso; se você apertá-lo um pouco mais forte, aciona o tiro secundário, mais potente). O áudio é especialmente impressionante: o som é tão nítido e preciso que você consegue identificar cada alienígena, e saber onde está, a 20 ou 30 metros de distância dele. 

A Sony tem feito hype em torno do Tempest 3D Audio, o coprocessador de áudio do PlayStation 5. Ele roda efeitos de som complexos sem ocupar a CPU, e permite que os desenvolvedores de games posicionem cada fonte sonora, com precisão, num ambiente virtual 3D. “Todo o processo, desde a gravação dos assets (sons), até a inserção no jogo, o teste e a mixagem, é diferente. O áudio 3D dá de duas a três vezes mais trabalho”, disse Loic Couthier, diretor de som de Returnal, em entrevista por email. 

Não dá para saber até que ponto o coprocessador realmente faz diferença (ou se daria para rodar os efeitos na própria CPU). Mas, em Returnal, o resultado é excelente. A Sony recomenda o uso dos fones de ouvido Pulse 3D (R$ 600). Isso é bom, mas não imprescindível: com bons fones conectados ao controle, a nitidez é quase a mesma. 

Seis meses após o lançamento, o PlayStation 5 continua bem na frente do Xbox Series X/S em títulos exclusivos: já teve os ótimos Astro’s Playroom, Spiderman: Miles Morales, Sackboy: a Big Adventure, Demon’s Souls – e, agora, Returnal

A Microsoft não está lançando jogos exclusivos relevantes (e deve continuar assim por mais alguns meses), mas tem avançado por outro flanco: nos últimos meses, incorporou títulos das produtoras Electronic Arts (com as séries Star Wars, Battlefield e Fifa, este inclusive na versão 2021) e Bethesda (Fallout, Wolfenstein, Skyrim, Doom) ao seu serviço Xbox Game Pass, que custa R$ 30 a R$ 45 mensais – e também liberou, de graça, o ótimo Outriders para os assinantes já no lançamento (no PlayStation 5, ele custa R$ 280).  

A Sony reagiu, e agora também está dando alguns games de graça, mas sua estratégia central continua sendo outra: lançar superproduções de alto orçamento, como The Last of Us, Horizon, God of War e Death Stranding, com exclusividade para o PlayStation. Returnal não está nesse nível. É um título original e notável, que poderia ser brilhante. Mas, ao impor um nível de dificuldade quase intransponível (talvez para disfarçar o fato de que a Housemarque, um estúdio pequeno, não possua recursos para produzir um jogo triple-A), abdica da popularidade – e da aclamação – que poderia ter. 

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