“Nosso trabalho nos aproximou cada vez mais, até que nos convencemos de que nenhum de nós poderia encontrar um parceiro de vida melhor.” A frase é de Marie Curie, considerada uma das cientistas mais importantes de todos os tempos, e expressa a importância de seu encontro com Pierre Curie, seu marido e companheiro de trabalho e pesquisas.
Graças aos seus estudos sobre radiação, o casal ganhou o Prêmio Nobel de Física em 1903, juntamente com o cientista francês Henri Becquerel. Oito anos depois, em 1911, quando Pierre já havia morrido, Marie ganhou o Nobel novamente, desta vez o de Química.
Marie e Pierre são, sem dúvida nenhuma, um dos casais mais emblemáticos da ciência. Mostraram, na prática, como a cumplicidade de ideias e ideais pode produzir conhecimento capaz de mudar o curso da humanidade.
Nos tempos atuais, diante da pandemia de Covid-19, presenciamos outro casal imprimindo sua marca na história: Ozlem Tureci e Ugur Sahin, fundadores da companhia BioNTech. De origem turca, trabalhando em Mainz, na Alemanha, os dois se debruçaram durante 20 anos em pesquisas sobre anticorpos específicos para combater células do câncer.
Ao longo dessas duas décadas, aprenderam a manipular a molécula do RNA mensageiro (mRNA) e a produzir anticorpos a partir de proteínas específicas. O aprendizado viria a resultar na salvação de milhões de vidas nesta que é a maior pandemia dos últimos cem anos.
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Quando o vírus Sars-CoV-2 assolou a Europa, em janeiro de 2020, o casal direcionou todos os esforços da BioNTech para ajudar a humanidade a combater a Covid-19. Em novembro do mesmo ano, chegaram a uma vacina baseada nas mensagens do mRNA às células do sistema imunológico para lutar contra o vírus.
O método que desenvolveram foi tão prolífico que permitiu produzir mais de 20 vacinas diferentes. Escolheram a melhor delas em estudos pré-clínicos e se associaram à farmacêutica Pfizer. O restante é história. Novamente, o amor, associado à ciência, mudou o curso da humanidade para melhor.
Sou fã confesso de Marie e Pierre Curie, assim como de Ugur Sahin e Ozlem Tureci, entre tantos outros casais relevantes para o avanço da ciência. Eu e minha esposa, Alessandra Gorgulho, também médica, atuamos na área da neurocirurgia imbuídos dos valores transmitidos por esses grandes exemplos.
Nasci em Curitiba e fui criado em Goiânia, onde me formei em medicina pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Tenho a lembrança de querer ser médico desde pequeno. Construí, com esforço e dedicação, é claro, uma carreira da qual me orgulho. Fiz doutorado em biofísica e eletrofisiologia na Virginia Commonwealth University, nos Estados Unidos, especializei-me em neurocirurgia funcional na Umea University, na Suécia, e em radiocirurgia e cirurgia estereotáxica no Hospital Geral de Massachusetts, ligado à Universidade Harvard (EUA).
Trabalhei por 25 anos na Universidade da Califórnia (UCLA), em Los Angeles, onde sou professor, além de fundador e diretor do Serviço de Radiocirurgia e Estereotaxia. Desenvolvi aplicações de marca-passo cerebral, que revolucionaram o tratamento da obesidade e da depressão severa.
Na Califórnia, conheci Alessandra, meu “cérebro-metade”, também professora da UCLA. Voltamos ao Brasil em 2012 e fundamos a equipe NeuroSapiens, dedicada a realizar tratamentos efetivos e minimamente invasivos de todas as doenças neurológicas, desde oncológicas e vasculares até neurodegenerativas e psiquiátricas passíveis de tratamento cirúrgico.
Em conjunto, já operamos milhares de pacientes com doenças funcionais e tumores no cérebro ou na coluna, utilizando as mais avançadas técnicas de cirurgia, radiocirurgia e métodos de imagem.
Desde 2019, integramos a equipe de profissionais do Hospital Vila Nova Star, da Rede D’Or, em São Paulo, onde usamos as tecnologias mais modernas de radiação focal para tratamento de tumores e outras doenças do sistema nervoso. Contamos também com o apoio dos cientistas do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), dirigido por outro casal que exemplifica a associação de mentes que se amam em prol da ciência, Fernanda Tovar-Moll e Jorge Moll Neto.
Eu e Alessandra acordamos cedo, por volta de 5h. Por hábito e gosto, escrevo sobre assuntos diversos, especialmente ficção, até cerca de 7h. Depois do café da manhã em família, com nosso filho Lucas, adolescente, que já pensa em estudar medicina, transportamos o “home office” para os hospitais e o consultório nos quais atuamos.
Palestras, aulas, viagens para realizar cirurgias etc. Tudo isso faz parte do nosso cotidiano. À noite, cansados, mas agradecidos por termos um ao outro, dormimos certos de que no dia seguinte vamos acordar com as energias renovadas para usar o conhecimento científico produzido por figuras ilustres no cuidado dos nossos pacientes.
* Antônio de Salles é neurocirurgião, professor emérito da Universidade da Califórnia, nos EUA, e médico do Hospital Vila Nova Star, em São Paulo
O amor na ciência: quando casais ajudam a mudar o mundo Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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